"A palavra Osório usa-se como apelido de família tanto em Portugal, como em Hespanha (aqui escrito por vezes Ossorio). Na província de Gerona há um lugar chamado San Pedro Osor.
Quanto a origem histórica, relativamente a Portugal, dizem os nossos Nobiliarios ou Livros de Linhagens, que ela está no vizinho reino, pois foi o Conde hespanhol Dom Osorio que 'veo a pobrar a Portugal'. Também Villasboas, na citada Nobiliarchia, pág. 309, afirma que os Osórios 'procedem do Conde Dom Osorio de Campos, no Reynado del Rey Dom Affonso VI de Leão'. Devemos porém dar pouca fé aos genealogistas, pois antes dêste Rei (1072-1109) há Osorius em documentos nossos, e não como apelido, mas como nome próprio, por exemplo: Osorius Lucidi, em 943, nos Dipl. et. Ch., pág. 30; Osoilo (simplesmente), em 1029, ib., pág. 163; Osorio Telliz, em 1043, ib., pág. 202. Do próprio tempo em que reinou D. Afonso VI, no séc. XI, temos Osoyro (1077), ib., pág. 332.
Quer do nome, quer do seu patronímico, há muitos exemplos em documentos, do séc. XI em diante: Osorit e Osoriz (1025), nos Dipl. et Ch., pág. 160; Osoriquiz (1077), ib., pág. 334; Osorizi (1081), ib., pág. 362; Monio (ou Monîo) Osóriz (1130), no Elucidario, s.v. 'censo'; Osorio Pelagii (1178), nos Docc. do Souto, pág. 4; Osoir'Eannes, trovador; D. João Usórez, 1308, a par de João Usoriz e D. João Osorio, na introdução de A. de Sá aos Estudos de Cartographia do V. de Santarem, vol. I, pág. LXXVI; Maria Osoyre ou Osórez, irmã de Sarrazinho Osórez, e D. Sancha Osorez, filha de D. Ozorio Anes: nos Nobiliarios, pág. 344 e 355, e 176.
Textos dos séculos XIII-XIV, do séc. XV, e do XVI mostram-nos já Osorio, ou suas variantes fonéticas, como apelido própriamente dito, e além disso precedido de de, o que testemunha origem geográfica, por exemplo: Orraca Nunes de Osoiro; Dona Maria d'Ozoiro; Jorge do Soyro, nome de um genro de Pero Vaz de Caminha; Rodrigo dOsoyro ou Rodrigo do Souro, nome de um neto; e bem assim Dioguo dOsouro, também escrito de Souro, do Souro, Diego Soyro, Diego de Ousoiro, Diogo do Sorio, o que tudo se refere a um mesmo indivíduo (almoxarife da Guarda). É muito conhecido o seiscentista D. Jerónimo Osorio, Bispo de Silves, e historiador; nas suas cartas, de que há um manuscrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, cód. do séc. XVI, no. 8920, fls. 56, lê-se porém: D. Jeronymo do Souro, com grafia igual a uma das que ficam mencionadas, e que interpreto por d'Osouro=d'Osorio.
Nos sécuos subseqüentes Osorio continua naturalmente a empregar-se como apelido, umas vezes com de, outras (em tempos mais modernos), sem essa preposição. O Invent. dos livros de matric. da Casa Real, vol. I, Lisboa 1911, correspondente aos anos de 1641 a 1681, menciona-se quinze vezes, aplicado a outras tantas pessoas. Nos Regist. paroc. da Sé de Tanger, Lisboa 1910, pág. 351, lê-se João Frz (=Fernandez) Dosoiro (=d'Osoiro), de 1642. Relativamente ao mesmo século XVII, e também aos XVIII e XIX, fala-nos o Diccionario Bibliogr. de Inocêncio & Aranha, t. XI, pág. 115, de onze autores portugueses (ou dez, se um é hespanhol, como parece) que usaram êste apelido. Com relação à actualidade, veja-se o Annuario Comercial, por exemplo, o de 1918, vol. I, pág. 652. Nem no Dicc. Bibl., nem aqui, aparece de. - Como notícia histórica, lembro que, tanto quanto me parece, Osorio tem sido sobretudo usado por pessoas de qualidade, pelo menos entre nós, e últimamente; o povo adopta-o pouco.
Do patrimònio Osorez, empregado do mesmo modo como apelido, conheço exemplos galegos dos sécs. XVIII e XIX (-XX): Gayoso Ariasa Ozores; D. Jaime Ozores de Prado: ambos os quais Ozores representa claramente Osorez.
Antes de passar à explicação etimológica, convem fazer algumas observações gráficas e fonéticas às fórmas mencionadas.
A diversidade de grafias de Souro, do Souro faz perguntar se Souro será de facto palavra independente, tanto mais que temos na toponímia moderna, Souro e Sourinho (diminutivo); mas a favor da interpretação de do Souro por d'Osouro está não só o escrever-se de várias maneiras, como vimos, ora do Souro, ou do Soyro, ora dOsouro, dOsoyro, etc., o nome de dois indivíduos (o almoxarife da Guarda, e o neto de Vaz de Caminha), senão também o terem sempre todos os nossos autores interpretado por Osorio o apelido do citado historiador e bispo, apesar de êle também aparecer escrito do Souro. A propósito dêste ùltimo acrescentarei, como confirmação, o possuir eu uma obra latina de D. Jerónimo Osório, De Gloria, impressa em Alcalá de Henares (Complutum) em 1568, portanto em sua vida (Osório faleceu em 1580, diz Barbosa Machado), na qual obra se lê Hieronymi Osorii Lusitani de Gloria; que Osorii não é tradução literal de d'Osouro ou d'Osoiro o mostra não só o privilégio de Felipe II, estampado no comêço, com Geronymo Osorio, mas um epigrama de Simão de Acuña ou da Cunha, também no comêço, ad clarissimum virum Hieronymum Osorium. Outro exemplo, posterior porém a 1568, no-lo dão as Constituições do bispado do Algarve, impressas em Évoraa em 1674: D. Hieronymo Osorio. As grafias Diego Soyro, Diogo de Souro, etc. são mera negligência de escribas: já nas Lições de Philologia, pág. 269, indique outros exemplos antigos. Às vezes nasceram de análogas negligências verdadeiros apelidos, como d'Ornelas, em vez de Dornelas; e Dantas em vez de d'Antas (desde o séc. XIII). A esta negligência ou plebeísmo gráfico corresponde no nosso caso algumas vezes grafia inversa, isto é, altamente literária: Hieronymo por Jerónimo. Em tôdas as coisas há modas, para não dizer também descuidos, e caprichos! - O topónimo Souro, de que falei anteriormente, nada tem, quanto a mim, com Osorio ou Osouro, que de mais a mais se pronuncia com s sonoro: seria origináriamente nome de homem, Saurus (cognome romano) ou Saurius (gentilício), de que Soure, ainda no séc. XIV (comêços) Souri representará o genetivo, isto é, Saurivel, Saurii (sc. villa). Sourinho tanto póde ser diminutivo de Souro, como estar por Soeirinho, conforme me lembrou o meu amigo Doutor Joaquim da Silveira, a quem me refiro em nota; cf. Souro-Pires (Soeiro-Pires) em Pinho Leal, Port. ant. e mod., IX, 436 e Souralvo e Souralva, explicáveis na mesma ordem de ideias.
Agora a fonética. Abstraindo dos genetivos, e do emprêgo de z por s, temos, evidentemente como fórma primitiva e normal, Osorio, desde o séc. XI, com veste latina Osorius, desde o séc. X; e depois Osoiro (variante Osoilo, num texto de 1029), com transposição das vogais terminais; Osouro, com -our-; Ousoiro, com ditongamento do O inicial. Todos estes fenòmenos são correntes em português: de -oiro, representação normal de -orio, nos dá outra amostra Vitóiro (em Braga há uma igreja de S. Vitoiro), de Victoriues; a par de -oiro, a língua vulgar diz -ouro, por exemplo, Douro e Doiro, de Dorius. Quanto ao ditongamento do O átono inicial (Ousoiro), êle, exceptuando certos falares populares, só aparece, que me lembre, em palavras de carácter literário, posto-que antigas: oucioso, oupiniam, etc.; essa fórma Ousoiro tenho-a por esporádica, ou meramente gráfica, própria do texto em que a vemos.
A explicação etimológica de Osorio foi já objecto de várias especulações.
Godoy Alcántara, Apellidos castell., Madrid 1871, pág. 176, relaciona Osorio, Osoyro com sutor, o que já foi combatido por Pidal, Cantar de mio Cid (Gramática), pág. 257, nota 1. Um amigo meu, também Hespanhol, diz-me em carta: 'Osorius puede lo mismo ser nombre personal latino o latinizado (cf. Sertorius, Honorius, etc., y en siglo X Odorius); su tema parece ser urs-', isto é, ursus; mas ursus, se deu oso em hespanhol, e osso em português antigo, não explica Osorio, nem fonética, nem morfológicamente (o -s- de Osorio, como já disse, é sonoro, ao passo que em osso temos um som surdo; e -orio não se junta a temas de origem zoológica). Em 1904, nas suas Romanische Namenstudien, I (Viena), pág. 16 e 82, relaciona Meyer-Lübke a palavra Osorius com o tema indo-germânico aus-, a que se juntaria a terminação de Honorius, criando-se assim um home híbrido: para se justificar, menciona aquele autor, de um lado Osoredus (=Oso-redus), Osgildus (=Os-gildus), do outro Odoriues (=Od-orius). Todos estes nomes aparecem em documentos medievais nossos. Von Grienberger, no exame que fez do trabalho de Meyer-Lübke no vol. XXXVII da Zs. f. deutsche Philologie, diz a pág. 541 que como base de Osorius podia ver-se o gótico -Us. Meyer-Lübke volta a ocupar-se de Osorius no fascículo 2o. (1917) da citada obra Romanische Namenstud., pág. 69-70, e cita a opinião de Schuchardt, que pergunta se em Osorius se conterá o nome biscainho oso, que significa 'inteiro', 'ileso', 'são'.
A etimologia não está pois ainda suficientemente esclarecida. As opiniões citadas permita-se-me juntar outra: não será Osorius metátese de Orosius, provocada pela terminação, mais corrente, -orius? Como é sabido, Osorius existiu na Península, no séc. V, como sobrenome de um historiador (Paulus Orosius); e já anteriormente a esta data houvera Orosius, vir Christianus, na Cilícia, e Orosius, prespiter Romanus."
Fonte: LEITE DE VASCONCELLOS, J. Opusculos, volume III. Coimbra/Portugal: Imprensa da Universidade, 1931, pág. 32-41.
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