domingo, 9 de maio de 2021

O Vulcão do Jarau



 "O Jarau

Um vulcão na fronteira - Os naturalistas - Cumpre-se a prophecia - Quarahy ameaçado.

O nosso colega El Deber, de S. Eugenio, deu ha dias a seguinte noticia, que foi transcripta por muitos jornaes:

'Um visinho de S. João Baptista (Quarahy) nos communica que tendo chegado a esse localidade dois sabios naturalistas, geologos, mineralogicos, encontraram umas quantas pedras pomes ao pé de um vulcão extincto, nos cerros do Jarau, e com grande admiração observaram que desse extincto vulcão saía fumaça impregnada dum forte cheiro de enxofre.

Dizem os sabio alludidos que si chega a fazer erupção esse vulcão, a ardente lava que elle arrojará invadirá o rio Quarahy, transbordando as ambas margens e convertendo-o em um mar de fogo e petroleo.'

A noticia que ahi fica, um canard arromba impingido aos incautos leitores do collega visinho, foi transmittida telegraphicamente a bem informada, espalhafatosa e exagerada imprensa de Montevidéu para alguns jornaes do Rio e para o não menos nem informado Correio do Povo, de Porto Alegre, que, por sua vez, addicionou, á monumental rodella do vulcão do Jarau, algumas notas originaes e fidedignas.

A Fronteira, que foi a causante desse gemer de prelos em editar uma innocente troça, assistia impassivel esse avolumar de factos em torno de um argueiro que, finalmente, pelos collegas foi elevado á cathegoria de cavalleiro.

A origem dessa noticia, podemos asseverar, foi a seguinte piada que, na secção Mosquiteiro, o nosso companheiro Etesbão, o furão, publicou na edição d'A Fronteira de 31 de maio ultimo:

'Devido á erupção de diversos vulcões está o nosso povo muito impressionado com a nossa visinhança com o Jarau, que de um momento para outro é capaz de tambem nos fazer a finesa de dirigir-nos saudações de...lava.

(...).'

Varias pessoas, ou porque tomassem o caso a serio, ou no intuito de fazer o espirito, transmittiram-no, correcta e consideravelmente augmentada, e como quem conta um conto... a alguem da visinha villa de S. Eugenio, chegando aos ouvidos do nosso collega El Deber, que por sua vez editou-a com alguns ponto mais...

De ponto em ponto, como o ovo do marido, da fabula, a noticia foi correndo mundo e adquirindo fóros de verdade. O que era um calembourg e mero gracejo foi transformando se em trovoadas terríveis, crateras expellindo fumo, pedras pomes, chegada de sabios, mineralogicos, naturalistas, e finalmente o rio Quarahy convertido em um oceano de fogo, transbordando pelas margens e inundando tudo, tudo...

Nós, pobresitos! que foramos os causantes de tanta cousa, assistindo de longe ao desencadear das lavas... dos noticiaristas, já meio assustados pensavamos ser a cousa séria quando accudiu-nos á memoria aquella historia do barulho no beco, em que o proprio auctor da pilheria, vende tão grande ajuntamento ali, ia sendo victima de sua troça, e chegámos mesmo a pensar que o Jarau, apesar das boas tres e meia leguas que o dista de nós, já nos circundava de lavas, reduzindo-nos á triste condição de torresmos!

Mas, como tudo tem a sua causa, começámos a cogitar: os vendedores d'agua, cantando do alto de suas pipas, os verduleiros annunciando seus generos, os trabalhadores procurando o sustento no seio da grande mãe terra; tudo isso veio nos fazer duvidar de que verdadeiramente estivessemos torrados, e, para mais nos certificarmos, corremos á casa do amigo Olympio Giudice, cuja fazenda fica ao sopé do carrancudo morro, e ao vermol-o, surpresos, com vida interpelamol-o acerca da terrivel catastrophe, ao que gentil e risonhamente nos respondeu ser inveridica a nova, porquanto os bois mais gordos que pretende vender nesta safra sustentam-se do pasto da cratera do Jarau, e que tal fumaça notada pelo nosso collega El Deber devia ser do enorme cigarro de palha de seu capataz, que tinha o singular habito de parar-se no alto do Jarau, soltando fumaradas para o céo, e que o cheiro de enxofre devia ser, forçosamente, de algum terneiro ao qual o mesmo capataz lhe houvesse curado a bicheira.

Eis ahi, leitores, a explicação do facto de como o vulcão imaginado pelos collegas em plena ebullição ainda não nos queimou a todos.

Collegas do Prata o mesmo da capital do Estado pretenderam-nos dar um furo de pyramidal reportagem, ficando no emtanto furados pela innocente troça.

Queira Deus que o Jarau, para fazer a delícia dos noticiaristas indigenas, não nos fure o bolo, pregando-nos alguma peça quando menos o esperarmos.

Em tempo.

No principio do plano inclinado do Jarau, ha um grande laranjal cujos fructos amarellos, como esterlinas, capazes de tentar ao proprio Santo Antonio caem de maduros, e ahi, como é natural vaão procurar seu sustento grande vara de porcos, que ao disputar a prosa roncam desbragadamente.

Os trovões ouvidos pelos sabios geologos, mineralogos, botanicos, naturalistas, presumimos seja o rouco dos supracitados porcos.

Fica deste modo scientificamente provada a não existencia do vulcão do Jarau.

(Da Fronteira, de Quarahy)."

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 15 de Agosto de 1902, pág. 02, col. 01

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