domingo, 7 de janeiro de 2018

As feijoadas brasileiras no século XIX

"FEIJOADAS

Estou vendo a leitora aristocratica torcer o rozeo narizinho diante d'este titulo e exclamar com enfado:

-Ora esta! Que lembrança infeliz! Pois este homem não podia achar assumpto menos prosaico para o folhetim de hoje?!

Estou vendo tambem o leitor elegante, de perfumado charuto entre o fura bolo e o pae de todos mettido em luxuoso robe de chambre, encolher os hombros, atirar a Gazeta para um lado, e dizer-me com o mais desdenhoso dos sorrisos:

-Meu caro amigo, outro officio.

A' vista do exposto, corre-me o dever de entrar em explicações.

E ahi vão ellas:

A palavra - feijoada, cuja origem perde-se na noite dos tempos d'El-Rei Nosso Senhor, nem sempre designa a mesma coisa.

Na acepção commum feijoada é a iguaria appetitosa e succulenta dos nossos antepassados, baluarte da mesa do pobre, capricho ephemero do banqueiro rico, o prato essencialmente nacional, como o theatro do Pena e o sabiá das sentidas endechas de Gonçalves Dias.

No sentido figurado aquelle vocabulo designa a patuscada, isto é, - <<uma funcção entre amigos feita em logar remoto ou pouco patente>>.

Constancio, que assim define a patuscada, accrescenta o seguinte:

<<De ordinario é comezana lauta, em que se bebe muito, e muitas vezes com moças.>>

E' n'esta accepção e não n'aquella, que vou tratar de feijoadas.

Já vêm, pois, a leitura aristocratica e o leitor elegante, que não é meu fito irritar-lhes os nervos com a pintura minuciosa d'essas negras caldeiradas onde a cabeça de porco e o toucinho de Minas unindo-se me fraternal amplexo ao rubicundo paio d'além mar, fallão em prol da grande naturalisação mais eloquentemente que todos os deputados reunidos.

A razão por que chama-se feijoada a patuscada é porque aquella geralmente é um pretexto para esta.

Dadas as explicações conveniente, passo a classificar as feijoadas em tres grandes cathegorias:

Feijoadas propriamente ditas.

Pick nicks, ou feijoadas aristocraticas.

Feijoadas carnavalescas.

As feijoadas propriamente ditas vão cahindo em desuso.

Se uma ou outra apparece, já não traz aquella physionomia franca e expansiva dos tempos d'outrora.

Imaginem este travesso Rio de Janeiro ha trinta annos passados.

O macadam ainda não era conhecido, o parailelipipedo era um sonho, o gaz um ideal!"

Fonte: O MONITOR CAMPISTA, 06 de janeiro de 1878, p. 02, c. 1-2. 



"Ha quatro principais tipos de feijoada que appetecem o paladar do sr. Rodrigues. A mais commum de entre todas se affirma que  e' aquella consumida pelo povoréu nos dias de festas, seja nos suburbios d'esta cidade, ou ainda nas zonas agrestes onde abunda a matta virgem e os homens rusticos. Basicamente, acompanha-lhe o feijão preto e varios e diversos pedassos da mais gorduroza carne de porco.

Na casa aristocratica, o custume é accrescentar varias especiarias ao feijão e juntal-o com bacalháo, de tal modo que o peixe esteja levemente fervido antes de sua apotheotica coroação ao legume.

Nas Minas Gerais, é dito que a feijoada é melhor e fica mais saborosa com puro toucinho de qualidade e o xarqui de boa proccedencia. Não sabemos porem as minucias do gosto de tal iguaria.

Pelo ultimo, ha quem diga que nas casas de pasto d'outrora se via uma caldeirada de feijão acompanhada táo somente de pequenos pedaços de galinha - o que muito maudosamente os detrattores dizem ser pombos ou rolas de rocio."

Fonte: O QUINZE DE ABRIL, 17 de março de 1858, p. 1, c. 3


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