segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

A caçada às crianças



 Caçada de creanças

Um facto contristador e ao mesmo tempo repugnante está sendo apreciado diariamente nesta cidade e serve de assumpto á geral conversação.

Um tremendo e barbato recrutamento está sendo feito em creanças, sendo algumas até menores de sete annos!

Contra a expressa disposição da lei se arranca do seio da familia brasileira inermes, innocentes e inoffensivas creaturinhas para atira-las á bordo da Tapajoz, quartel da companhia de aprendizes marinheiros, sendo previamente retidas no quartel da força policial!

Tem-se dado casos até de serem arrancadas dos braços de suas proprias mães essas infelizes victimas da prepotencia de um deshumano presidente de provincia.

Um facto pelo menos nos foi referido de uma creança recrutada indo pela mão de sua mãe, que ficou só na rua no mais lamentavel estado de desespero, vendo seu misero filho levado pela mão de um barbaro e feroz recrutador, insensivel ás lagrimas de ambos!

Factos taes não temos noticia que jamais se déssem neste desgraçado paiz.

A reacção medonha de 1868, com o seu hediondo cortejo de algemas, surras e crucificação, respeitou as creanças.

O Brazil de todos os tempos e de todos os governos, respeitou as creanças.

A enorme somma dos presidentes de provincias, despachados desde o começo desta mais que todas fatal situação politica que tem tido o imperio, respeitou as creanças.

O proprio Sr. Bandeira de Gouvêa, o mais inepto e máo de todos esses presidentes de provincia, respeitou as creanças!

Os povos extrangeiros, até mesmo alguns d'entre os barbaros, respeitão as creanças, acatando o direito sagrado da familia.

Roma, - a Roma que atirava sob as garras do leão e da panthera o pobre escravo, e que se ria ao ver-lhe as ensanguentadas entranhas semivivas servirem de pasto áquellas feras, poupava as creanças.

Um homem porém appareceo nesta malfadada terra de Santa Cruz que mandou caçar creanças na capital de uma provincia! Um homem que não trepidou deante do que de mais sagrado e mais fraco tem a familia, a creança! Isso no anno de 1872... chama-se Guilherme Cordeiro Coelho Cintra!

Fica ahi estampado este nome para servir de pasto á admiração do genero humano, que o ha de chamar: O caçador de creanças.

A iniquidade não está só no facto do recrutamento sobre meninos, ella sobressahe pela selecção que se faz dos filhos da parte mais pobre e infeliz da sociedade. Qual a isenção que milita á favor dos filhos dos ricos, e dos grandes admittida a hypothese que seja permittido o recrutamento sobre menores?

Ha quem a isso responda que os ricos e os grandes tem meios para educar seus filhos e os pobres não os têem.

Primeiramente não podemos reconhecer isenções que não estejão na lei e essa não está. Em segundo lugar diremos: se os ricos e os grandes tem maior somma de meios para a educação da prole, os pobres fazem consistir sua riquesa nos proprios filhos, que os auxilião na vida desde a mais tenra infancia, de sorte que com o recrutamento desses fracos entes são elles privados da garantia unica que tinhão de um melhor futuro, de um amparo na velhice, de um auxilio na vida ordinaria, de um consolo nos transes da cruel adversidade.

É pois uma atroz iniquidade o recrutamento, sobretudo feito com uma tão injusta selecção.

É certo que existem companhias de aprendizes marinheiros, compostas de menores; mas os meios de obtel-os estão marcador na lei, e são: 1o. menores voluntarios ou contractados a premio; 2o. orphãos, e desvalidos, que forem remettidos pela auctoridade competente.

Parece que seria ocioso demonstrar que as autoridades competentes para remetter menores orphãos e desvalidos para as companhias de aprendizes marinheiros são os juizes de orphãos.

Como pois recrutal-os?

Ainda mais: como arrancar do poder de seus paes filhos menores para sentar praça na marinha?

Pois a lei não se refere a orphãos e desvalidos?

Um menino que vive sob o poder de sua propria mãe, que o veste e o manda á escola, está comprehendido na letra da lei?

Quando estivesse, o juiz de orphãos seria o competente para remettel-o á autoridade que tem o direito de o fazer sentar praça na companhia de aprendizes marinheiros. E se assim fosse, estamos convencidos que a capital desta provincia não presenciaria o triste, espectaculo de que está sendo victima e que não se daria caça á crianças, Outros meio, e mais humanos seriam empregado: nunca o barbaro recrutamento que estamos vendo todos os dias.

Não se lançaria mão de homens grosseiros e estupidos, como alguns dos encarregados desta triste missão, para tão melindrosa e delicada incumbencia.

Seja dito de passagem que é esta a unica falta que increpamos ao digno commandante da força policial, em quem temos a satisfação de reconhecer as melhores intenções. S. S. que se acha encarregado desta tão ingloria tarefa, tem escolhido mal os seus agentes, que abusão grosseiramente da confiança que nelles se deposita.

A lei porém, não autorisou o recrutamento de menores; é elle um atentado ao sagrado direito dos pais ou d'aquelles que fazem suas vezes; é um esbulho audaz e escandaloso do mais querido e estremecido penhor do amor paternal; é o anniquilamento da familia, base da sociedade civil.

Alerta pois; a invasão do lar domestico não vae longe. A liberdade cahe despedaçada aos golpes da prepotencia, o despotismo se apresenta sem mascar, ataca-nos de frente, alerta.

Quando o salteador nos ataca, ou ataca a nossa propriedade, é licito repelli-lo com a força, ainda mesmo que no portador do bacamarte reconheçamos o agente da autoridade.

Alerta, cidadãos: é preciso que a autoridade se mantenha na orbita de suas attribuições. Se ella sahir do circulo que lhe é traçado pela lei, se invade a nossa casa, se ameaça a nossa familia, façamos reconhecer á autoridade, que ainda nos resta para nossa defesa o direito da força, autorisado pela força do direito.

Fonte: A REGENERAÇÃO (Florianópolis/SC), 13 de Junho de 1892, pág. 02, col. 02-04

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