quinta-feira, 31 de maio de 2018

A História das Bebidas Destiladas

"As bebidas são destiladas por meio de dois processos diferentes. O primeiro se dá no alambique tradicional e mais artesanal. Chamado de pot still, esse alambique é constituído de um tacho de cobre em que se aquece a matéria-prima a ser destilada e de uma serpentina que leva o vapor até o condensador, onde volta ao estado líquido. O outro método é conhecido como continuous. Neste processo, utiliza-se outro tipo de alambique, formado por duas colunas de metal de até 25 metros de altura. O líquido frio entra na primeira coluna, passa por tubos em espiral, é aquecido por vapor e vai para a outra coluna. Ali, ele é resfriado, voltando em seguida ao estado líquido. Depois, é redestilado, num sistema contínuo e mais rápido.

(...)

Armagnac
Ao contrário do que muita gente pensa, o armagnac não é um tipo ou variedade de conhaque. Mas, apesar de não ser o mais conhecido, é o mais antigo destilado da França. Documentos do século XIV já mencionam uma eau de vie - aguardente - da região de Armagnac, que começa no sul da cidade de Bourdeaux e se espalha em direção às montanhas dos Pirineus, divisa com a Espanha. Segundo a lenda, o armagnac era a bebida favorita de D'Artagnan, o famoso mosqueteiro do romance de Alexandre Dumas inspirado no marechal Charles de Batz. Foi criada até uma confraria, a dos 'Mousquetaires', que ainda se reúne na cidade de Auch, para beber e divagar sobre o destilado.

Vários detalhes fazem a diferença entre o conhaque e o armagnac: este é produzido a partir do vinho branco feito com uvas que nascem em solo arenoso; e o conhaque, de uvas de solo calcário. O clima de Armagnac é rigoroso, muito quente; enquanto o de Charentes, terra do conhaque, na região de Cognac, é marítimo, doce e brumoso. O conhaque é feito por um processo de dupla destilação; e o armagnac, obtido de uma única destilação. Por fim, o armagnac não pode ser produzido por meio de cortes (misturas de produções de anos e lotes diferentes). Já o conhaque é feito através do blend de vários barris. Três zonas produtoras fazem parte da região de Armagnac: Haut-Armagnac, que faz um produto considerado menos nobre; Bas-Armagnac e Ténarèze, responsáveis pelos melhores produtos. O armagnac recebe as seguintes denominações, entre um e três anos de envelhecimento; V.S.O.P. (iniciais da expressão inglesa very special old pale), que significa apenas que a bebida foi envelhecida por mais de quatro anos; e hors d'âge (em português, muito velho), mais de seis anos. Além deles, existem os millesimés - ou seja, de safras excepcionais, considerados as elites dos armagnacs - , que especificam no rótulo o ano em que foram produzidos. Boas marcas de bebidas são o Leberdolive, o Francis Darroze, o Janneau e o Marquis de Montesquieu.

Arak
Existem vários destilados que levam esse nome, todos originários de países do Oriente,
como Índia e Arábia Saudita, e da Europa Oriental, caso da Grécia. São feitos a partir de álcool de grãos de cereais, tâmaras ou da seiva de coqueiros, prensados para fermentar e que são, depois, destilados. Alguns países, durante a destilação, aromatizam a bebida com anis. Na Índia fabrica-se o arak destilando-se a seiva fermentada da palmeira ou grão de arroz. No Egito, prefere-se utilizar as tâmaras. A Grécia faz o seu arak com álcool obtido de grãos. Nessa categoria de destilado, o melhor tipo, o Batávia Arak, é produzido na ilha de Java, na Indonésia, a partir da mistura de arroz fermentado e melado de cana-de-açúcar. Esta bebida, aromatizada com anis, envelhece entre sete e dez anos. Deve ser servida como aperitivo ou digestivo em pequenos cálices.

Aquavit
Vem dos países escandinavos, principalmente Dinamarca e Suécia. É destilada de cereais ou batatas, e comercializada pura ou aromatizada com ervas e especiarias. Na Suécia, onde teria surgido por volta de 1498, a bebida também é conhecida como snaps, e destilada inicialmente do vinho. Apenas no século XVIII é que se começou a utilizar batatas na produção da aquavit. Depois de descascadas, elas são fervidas no vapor, misturadas com malte de cevada e com outros grãos. Essa pasta é então fermentada e destilada, quando perde o sabor acentuado da batata. Grãos de cominho e laranjas amargas conferem aroma à bebida.

Já na Dinamarca ela é conhecida como schnapps. A destilação também é feita de grãos e batatas e o produto é, depois, aromatizado com ervas e especiarias. O país produz, desde 1846, a marca de aquavit mais famosa e exportada do mundo, a Aalborg Akvavit.

Apesar de fazer menos espirituosos que a Suécia e a Dinamarca, a Noruega é o país que tem mais rituais para a preparação da bebida. Apostando na crença de que a qualidade melhora se passar um período no mar, os noruegueses colocam o destilado em tonéis de xerez, e os mandam para uma viagem, em cargueiros, de ida e volta até a Austrália - cruzando duas vezes a linha do Equador. Os fabricantes garantem que o balanço do navio, as mudanças de temperatura no percurso e a maresia tornam o aquavit ainda melhor. Sua marca mais famosa é a Linie Aquavit.

A aquavit deve ser bebida bem gelada, em pequenos cálices previamente colocados no congelador.

Bagaceiras e aguardentes portuguesas
Praticamente todas as regiões de Portugal produzem um destilado de uvas vínicas.
Começaram sendo feitas em pequenas quintas apenas para consumo familiar, passando depois a ser produzidas nas cantinas de forma artesanal e em pequena escala. As bagaceiras são provenientes da destilação direta dos bagaços frescos da uva em grandes caldeiras. Geralmente, é tomada como digestivo. Já as aguardentes velhas provêm de vinhos previamente destilados e que envelhecem em barris de carvalho. A região dos Vinhos Verdes de Lafões e a do Ribatejo têm os melhores produtos, com aromas finos e delicados. Boas marcas são Anticua, Carvalho Ribeiro, Ferreira, Palácio da Brejoeira e Aveleda. São servidas na temperatura ambiente em pequenos cálices.





Bourbon e Tennessee whiskey
Um pregador protestante foi o responsável pelo surgimento do Bourbon. Elijah Craig, ministro batista, instalou-se no Estado de Kentucky, nos Estados Unidos, em 1786, onde ergueu uma igreja e começou a plantar e destilar milho. O milho era misturado com cereais para preparar o malte e destilado em alambique de cobre. Atualmente, a bebida não pode ser fabricada com menos de 51% de grãos de milho (o restante da composição é feito com centeio e malte de cevada) e descansar por, no mínimo, dois anos em barris de carvalho branco, queimados por dentro com carvão vegetal - quando adquire cor, suavidade e buquê característicos. As principais marcas são o Jim Beam e o Wild Turkey.

Produzido de forma artesanal, desde 1866, na cidade de Lynchburg, no Estado americano do Tennessee, o Jack Daniel's difere um pouco do bourbon, e recebe o título de Tennessee Sour Mash Whiskey. As diferenças começam em sua composição, que leva 80% de milho e os 20% restantes de cevada maltada e centeio. Esse mosto é fermentado e destilado, num processo igual ao do bourbon. Em seguida, é filtrado gota a gota em colunas de carvão vegetal, e parte depois para um merecido repouso em tonéis de carvalho. O descanso vai durar entre quatro e seis anos, dependendo sempre da quantidade de calor, já que com temperaturas mais quentes ele envelhece mais rápido.

Calvados
A melhor aguardente de maçã do mundo é originária da região francesa que lhe empresta
o nome, na Normandia. O destilado teria surgido no século XVI, na península de Contentin, a oeste de Calvados. Seu sucesso fez com que, em 1946, ele recebesse uma denominação de Appellation Contrôlée, a Calvados du Pays d'Auge, sistema francês que garante que a bebida veio de determinada região e que foi produzida conforme determinadas regras. As maçãs são espremidas e depois fermentadas por pelo menos seis semanas. Em seguida, o mosto é destilado duas vezes em alambique tradicional, e vai para os barris de carvalho, onde deve repousar por no mínimo dois anos. Uma curiosidade que cerca a bebida e a região diz respeito ao seu nome. O galeão El Calvador, da armada espanhola, encalhou, em 1588, na costa normanda e, segundo a lenda, deu seu nome à região e à bebida. A mistura de café com calvados faz o maior sucesso nos cafés parisienses. O Calvados Busnel e o Boulard estão entre as melhores marcas.

Gim
O nascimento do gim, uma bebida seca e perfumada, é bastante curioso. Sua fórmula original é atribuída ao médico holandês Franciscus de La Boe, um catedrático do século XVII da Universidade de Leiden, a 39 quilômetros de Amsterdã. Ele buscava um medicamento barato para curar os colonizadores holandeses na Índia atacados pela febre amarela. A receita do professor Franciscus aliava o álcool destilado dos cereais, como malte, cevada e milho, ao zimbro, uma planta utilizada como componente medicinal muito respeitada na Europa naquela época. O gim, a exemplo da vodca, é uma bebida destilada e retificada, ou seja, destilada novamente para eliminação de impurezas. A redestilação do gim é feita na presença de bagos de zimbro e de substâncias vegetais aromáticas, como raízes de alcaçuz e cascas de limão e laranja, canela e erva-doce.

Da Holanda, o gim naturalizou-se inglês, levado para a Inglaterra por soldados do exército que retornavam de combate nos Países Baixos. Os gins produzidos anualmente na Inglaterra e nos Estados Unidos contêm um álcool altamente retificado e neutro. Já os gins holandeses apresentam sabor mais distinto, pois são fabricados segundo os antigos métodos, para preservação das características originais dos cereais, que passam duas vezes por alambique de cobre, sendo, depois, misturados ao álcool neutro.

Os holandeses tomam o gim sem qualquer mistura - puro, muito gelado, em pequenos copos, como um aperitivo ou drinque forte. Fora da Holanda a bebida quase não é tomada pura. Seus apreciadores preferem consagrá-la nos coquetéis, como o Gim Tônica e Dry Martini. Boas marcas são Gordon's, Tanqueray, Beerfater e Bombay Sapphire.

Grappa
Produzida na Itália, é um destilado de bagaços e talos de uvas brancas. A origem da
grappa - produzida hoje predominantemente nas regiões de Veneto, Friuli e Piemonte - remonta ao século XI, em Veneza, quando era uma bebida doméstica, com várias famílias produzindo seu próprio destilado. Sua elaboração começa com as uvas ainda nos cachos, quando se escolhem as mais perfumadas, que darão ao produto final um aroma genuíno e elegante. As uvas são prensadas nas adegas e fermentam por um período entre oito e quinze dias. São necessários 100 quilos de bagaço para obter de 9 a 11 litros da bebida. A destilação é feita por sistema de vapor direto, em pequenos alambiques de cobre. Em seguida, ela descansa por no mínimo três meses, durante os quais adquire maciez e equilíbrio de aromas e sabores bastante pronunciados. Na Itália é servida na temperatura ambiente, em pequenos cálices. No Brasil são encontradas belas marcas artesanais, como as das destilarias Bottega, Maschio Libarna e Ciemme Friuldoro.

Pisco
É o destilado de vinhos menos conhecido. Feito a partir de uvas moscatel, tem sua origem disputada por dois países, Chile e Peru. O mais certo é que a bebida tenha nascido em território peruano, na província de Ica, perto do porto de Pisco. Mesmo assim, é o Chile que parece se importar mais com a qualidade da bebida, tendo criado, inclusive, uma Denominação de Origem Controlada para supervisionar a produção da aguardente. Em ambos os países, as uvas são prensadas delicadamente e destiladas em alambiques do tipo pot still. O envelhecimento pode acontecer em barris e, na maioria dos casos, em recipientes de barro. Seu sabor é marcante e mais suave do que a grappa. As melhores marcas são a peruana Inca e as chilenas Control e Tres Cruces.

Poire e Kirsch
Além desses dois tipos, o primeiro feito de peras, o segundo de cerejas, existe uma grande variedade dos chamados álcoois brancos. Todos feitos de frutas, obedecem, basicamente, ao mesmo processo de destilação e são igualmente apreciados. Na fabricação procura-se obter um álcool que conserve o gosto original da fruta. Elas são colocadas para fermentar, destiladas em alambiques aquecidos com vapor e, depois, retificadas. Os melhores produtos são os da Alsácia, na França, Floresta Negra, na Alemanha, e na porção setentrional da Suíça.

São necessários 30 quilos de cerejas para conseguir onze garrafas de kirsch. O melhor vem das planícies e dos cumes dos montes de Vosges, na Alsácia. Os primos mais próximos são os destilados de ameixas amarelas (o mirabeille) e roxas (o quetsche). Mais delicada, a framboesa (framboise) também entrou para a turma - mas passando por maceração em álcool antes da destilação, pois tem baixo teor de açúcar para sustentar a fermentação. Também originário da região da Alsácia, são precisos 30 quilos da fruta para produzir uma única garrafa.

O poire, o primo mais famoso no Brasil, foi o último a chegar. Como a produção dessa eau-de-vie exige grandes quantidades de frutas, a pêra do tipo William, de pele fina, como é de fácil cultivo, resolveu o problema. A bebida ganhou fama no país por ter sido a preferida do falecido deputado Ulysses Guimarães, que comandava a chamada 'turma do poire', durante a Nova
República. Mas, na verdade, o dr. Ulysses nunca foi chegado a essa aguardente - ele gostava mesmo era de um bom scotch 12 anos. Alguns fabricantes costumam prender garrafas nas árvores para que as peras nasçam dentro delas. Isso é mais um efeito visual. Não melhora a bebida.

Para servir essas preciosidades o ideal é gelar bem um cálice pequeno, colocar o líquido em temperatura ambiente e sorver em pequenos goles.






Rum
'Um calor no rosto, Yo, Ho, Ho! e uma garrafa de rum'. Todo filme de pirata que se preze
tem essa canção na trilha sonora. Afinal, o rum era um dos primeiros itens na lista de tesouros que os bandidos do mar procuravam conquistar. Desde que foi trazida pelos espanhóis, no século XVI, para sua colônia de São Domingos - atual República Dominicana - , no Caribe, a cana-de-açúcar é destilada, sendo o carro-chefe das bebidas da região. Destilado de canas frescas trituradas em moinhos ou com melaço - resíduo que fica depois de fervido o caldo para fazer açúcar - , o rum é transparente e cristalino ao sair do alambique. A coloração dourada obtida por alguns tipos de rum é resultado do envelhecimento em tonéis de carvalho ou, na maioria dos casos, pela adição de corantes de caramelo. Os envelhecidos, como o añejo cubano, que repousa por sete anos e tem buquê digno dos melhores conhaques, não devem ser usados em coquetéis. Os mais exigentes recusam-se a bebê-lo com gelo. Já o carta branca é o ideal para preparar drinques. Hoje, cada ilha caribenha produz seu tipo de rum: CUBA - onde em 1861 surgiu a marca mais famosa do mundo, a Bacardi, fora do país desde o início da revolução socialista - produz um rum leve e aromático; a JAMAICA faz uma bebida mais encorpada e forte, como o rum appleton; o HAITI, mais aromático; PORTO RICO, onde se faz hoje o Bacardi, produz uma bebida com pouco corpo e seca; a MARTINICA, fino e rico em aromas; BARBADOS, leve e com muito aroma; TRINIDAD, leve e sem grandes qualidades; GUIANA, não muito frutado, mas o rum com mais cor.

Steinhäger
Bebida popular da Alemanha, surgiu no século XV, na região da Westfália, na pequena aldeia de Steinhägen. Em sua produção as frutinhas da planta de zimbro são esmagadas junto com grãos de trigo. A pasta formada é fermentada e, depois, destilada em alambiques do tipo pot still. Segundo a Lei do Monopólio da Aguardente, que regula as normas do processo de fabricação do Steinhäger na Alemanha, nenhum produto químico pode ser adicionado à mistura de zimbro e trigo. Na Alemanha é tomado à temperatura ambiente, suavemente gelado, ou à temperatura de freezer, a exemplo da vodca. A melhor marca vendida no Brasil é o Schlichte.

Tequila
A bebida nacional do México tem sua origem creditada aos povos maias e astecas, que,
em rituais religiosos e festivos. brindavam com um fermentado que chamavam de pulque. Anos mais tarde, em 1519, o conquistador espanhol Hernán Cortez e sua tropa provaram essa mistura e gostaram. Logo a batizaram Tequila, nome da cidade em que estavam na ocasião e que hoje faz parte do Estado mexicano de Jalisco, principal zona de plantação do agave azul, o ingrediente básico da bebida. Com o tempo, os espanhóis passaram a destilar o fermentado. As frutas do agave azul passam por um cozimento de aproximadamente 72 horas. Em seguida, são espremidas e moídas para a extração dos açúcares. Depois de fermentado o líquido, parte-se para um dupla destilação, cada uma com duas horas de duração, em alambiques de cobre. Boas marcas são José Cuervo, Sauza, Cancún e Camino Real."

Fonte: CASTILHO, Ricardo. O mundo dos destilados. Playboy, setembro de 1996, p.131-136.
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