segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Os primórdios da colonização italiana no Rio Grande do Sul


"Ao chegarem à colônia, durante um ou pouco anos, as famílias ficavam instaladas na sede, em um grande barracão de mais ou menos 20 ou 30 metros quadrados. As primeiras instalações foram cobertas com madeiras rachadas, palhas, ramagens e samambaias. A estrutura da construção e da cobertura era erguida com troncos de coqueiros ou xaxim. Tramas de taquara ou cipó, com ou sem barro, formavam as taipas das paredes.

A permanência nesse local deveria ser curta para dar lugar a outros imigrantes. Entretanto, as dificuldades, que iam do acesso à necessidade de demarcação dos lotes, levaram os colonos a permanecerem meses mal-acomodados, mal-alimentados e mal-assistidos nesses barracões. Os recém-chegados emprestavam sua força de trabalho para a dura tarefa de abrir e construir os caminhos que os levariam ao tão sonhado pedaço de terra. Esse trabalho era remunerado.

Ao chegar ao lote rural, abriam clareiras, cortavam madeiras e retiravam pedras de basalto nas zonas mais altas e pedras de arenito, mais raras que as primeiras, nas áreas mais baixas, para poder plantar as roças de milho e trigo. Enquanto esperavam o tempo de colher, com os materiais retirados, iniciavam provisoriamente a construção de suas vivendas.

O acesso a um ponto de abastecimento de água foi um condicionante decisivo na escolha e organização do lote colonial. Os lavradores não aceitavam assentar-se quando não existisse água na propriedade. Se, por um lado, os agrimensores do governo não adequaram o traçado reticulado à topografia acidentada do planalto rio-grandense, a necessidade de água nos lotes rompeu com a trama concebida por esses técnicos. Mesmo assim, alguns lotes estavam desprovidos de água. O Código de Posturas Municipais de Caxias e região, de 1893, obrigava o proprietário do lote rural em que havia fonte natural a consentir que seu vizinho em cujas terras não existisse água potável dela se servisse.

O preço dos terrenos variava conforme a qualidade do precioso líquido. Os colonos valorizavam mais os regatos que as fontes. Quanto a estas, apreciavam as que nasciam em terrenos de cristal de rocha. Usualmente, entre as pedras, abriam nichos dos mais diversos tamanhos para armazenar a água, que se mantinha em temperaturas agradáveis para o consumo humano.

Em último caso, na ausência das fontes, os poços abasteciam-nos de água potável. Com grandes dificuldades, cavavam até encontrar o veio. Levantavam uma alvenaria de pedras ou tijolos, aproximadamente um metro acima do chão, e a fechavam com um tampo de madeira, com um abertura no centro. Em algumas propriedades, utilizaram canalizações de taquara, fazendo até mesmo a condução da água através de toscas canaletas de madeira. Em outros lotes, onde as moradias estavam acima das fontes, costumavam amarrar cordas e, mais tarde, fios de arame para descer os baldes até a água.

Com a topografia acidentada e uma média de 25 hectares, o lote rural foi quase sempre ocupado da mesma maneira. Diferentemente do que acontecia nas casas dos povoados na península itálica, onde, comumente todas as funções estavam reunidas em um só prédio, no Rio Grande, nas construções coloniais italianas, cada atividade quase correspondia a sua própria edificação.

No lugar de mais fácil acesso - a circulação perto da estrada, distante uns 200 m dos seus vizinhos lindeiros - , levantavam no mínimo três edificações, correspondentes à casa, à cozinha e ao galpão.

Mais afastado da casa e da cozinha, construíam o galpão de utilidade variada, depósito de implementos agrícolas, pequena oficina e abrigo dos animais.

O restante do lote, dependendo de suas peculiaridades, era organizado com áreas de plantio, horta, pomar, chiqueiro e uma parte de reserva de mato nativo. Inicialmente produzidos para o consumo doméstico, os vinhos, em seguida, tornaram-se um dos principais produtos de comercialização. Daí o aumento dos parreirais, que passaram a ocupar muitos dos hectares de diversas propriedades.

A horta cercada, ficava, perto de casa. As sempre presentes árvores frutíferas podiam estar definidas em uma área, ou espalhadas pela propriedade.

As demais culturas situavam-se na zona posterior do terreno. As benfeitorias existentes no lote diziam respeito aos espaços destinados aos animais, como galinheiros, chiqueiros e potreiros; construídos com muros de pedras irregulares, inicialmente eram limitados por arbustos de espinhos e galhos entrelaçados.

As propriedades podiam contar com coelheiras, pombais, apiários, pesqueiros, oficinas, alambiques, saleiros - cochos para sal dos animais, que, às vezes recebiam coberturas de duas águas - e variados depósitos, para armazenar cereais, lenhas e forragens. Colocados nos mais diversos lugares, a propriedade podia contar com o rebolo, para afiar as ferramentas de corte; a moenda, para fabricar o açúcar mascavo, e, por influência luso-brasileira, o monjolo, para quebrar o milho."

Fonte: GUTIERREZ, Ester. Arquitetura e assentamento ítalo-gaúchos 1875-1914. Passo Fundo: UPF, 2000, pág. 43-47.
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