terça-feira, 17 de outubro de 2017

Georges Karivalis


Fonte: DE LEÓN, Zênia. Guardiões da Memória - Crônicas das Relíquias Históricas. Pelotas/RS: Signus Comunicação, 2008, p. 174-179.

"Mas fui buscar esta história. Uma história de muita coragem e de muito empenho pela sobrevivência. Foi uma neta do grego Georges Karivalis quem me contou que ele veio da Grécia como fugitivo político. Engenheiro, de natureza corajosa, embrenhou-se no sul do Brasil ainda jovem, indo trabalhar no Capão do Leão. Veio residir em Pelotas achando de atuar como embarcadiço, quer dizer, marinheiro no transporte de cargas, em barcos menores, de rios e canais de que Pelotas é tão rica desse manancial.

Era pelos arroios que o transporte se fazia preferido e por esta razão se instalaram bem ali as fábricas Leal Santos, Ceval e Naoli, (conservas e óleo) cujas ruínas assustam pela grandiosidade do que foram no passado, com seus paredões semi-destruídos, altos como se quisessem morrer em pé como as árvores morrem, mas que sucumbem sucateados pelos oportunistas que subtraem tijolos e moirões. Os arcos das aberturas se foram logo do fechamento das indústrias.

Aqui o Grego casou com dona Emma Verneesheimer, uma alemã voluntariosa que pegava firme no trabalho junto ao marido. De tanto ver os juncais das ribeiras e, sabendo de seu aproveitamento para a construção de telhados e para enrestiar cebolas, decidiu-se a entrar no negócio. Para o aproveitamento era necessário amassar o junco, que se fazia em bancadas a golpes de engenhocas rústicas de madeira. Foi então que lembrou o trabalho no Capão do Leão no lidar com a pedra. E veio a ideia de fazer um amassilho, um socador de junco para aquele vegetal agreste que melhor aproveitamento teria se amassado. Da engenharia estudada na Grécia vieram-lhes ideias, cálculos e modelos. Desenhou, traçou o maquinário matematicamente num caderno - pedra e grossos caibros de madeira, hastes de ferro e cravos, embraçadeiras, roldanas... fazia parte do projeto que pôs logo em prática mandando vir de caminhões as pedras já recortadas.

A produção prosperou. Comprou um barco, aumentou o galpão, contratou empregados. Dona Emma trabalhando junto. Vizinhança e parentes passaram a empregados. Havia união e trabalho. Chegavam embarcações abarrotadas de junco, vinham caminhões e carroças com cargas altas do material que deveria passar pelo amassilho.

Aos domingos a família recebia visitas e o amassilho servia de cenário para as fotos. 

(...)

A fábrica de conservas Ceval, em pleno apogeu, erguia-se no início da rua Barão de Santa Tecla, nas cabeceiras da bela ponte do Ramal que foi inconsequentemente demolida depois do aterramento do arroio Santa Bárbara. O trem passava sobre a ponte e zorras passavam por baixo, beirando o arroio, a serviço das fábricas próximas. Movimento intenso de barcos no arroio também fazia vida na região que sucumbiu pela força da crise pela qual atravessava o país. Só quem ficou para contar esta história foi o amassilho que ainda subsiste de teimoso a contemplar as sombras de um passado senão exuberante, de tantas perspectivas, mas glorioso pela reflexão que oferece aos que pretendem ainda ter força para erguer a nossa economia.

Caminhões abarrotados de junco amassado deixavam a empresa com nova carga para um bom lucro a pagar empregados e o sustento da família do Grego. Um negócio que durou até a década de 70. Os filhos se educaram, seguiram outros rumos profissionais, os pais morreram, os negócios pararam e a cebola foi sendo vendida como por unidade ou a quilo, e ninguém mais quis saber do sovador de juncos. Ele está lá como um troféu. Alguém teve a ideia de levantá-lo sobre a base de pedra como quem ergue um tributo ao trabalho e ao desempenho numa época de primitivos costumes, mas de eternos preceitos de bem viver servindo com desprendimento, pois assim estaria cumprindo desígnios impostos aos homens. Hás trabalhar para poder viver participando da vida coletiva com teu suor e tua luta, por um mundo melhor."

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