sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Jardim América em 1986

Encontrei, por puro acaso, um trabalho acadêmico de 20 anos atrás que chamou-me muita atenção. Possui informações, sobretudo, sobre o bairro Jardim América. Não é um histórico, mas uma análise sociológica que foi realizada na época sobre a questão da migração e do êxodo rural. O nome da produção é "Integração do Migrante Rural-Urbano e Análise de Variáveis que influenciam o processo. Capão do Leão,RS.", de Manoel Mendieta Araújo. Trata-se de uma dissertação de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade de Santa Maria (UFSM), de 1986. Não consegui identificar a razão pessoal a qual motiva este pesquisador a analisar Capão do Leão e, mais especificamente, o bairro Jardim América. Pelo prefácio, pude concluir que ele não é daqui. Adiante ele coloca as razões metodológicas da escolha. É uma obra de um tamanho médio, mas não significa que tenha muitas informações sobre o município ou sobre o bairro. Na maior parte, o pesquisador analisa o problema do êxodo rural no país, no estado e na região. Há muita explicação sobre seus critérios estatísticos. Selecionei o que considerei mais relevante sobre o Capão do Leão e o bairro Jardim América.
Trecho a seguir dá uma descrição do bairro à época:
"A seleção do Jardim América como área de estudo, justifica-se pelo fato de o mesmo se caracterizar como um bairro urbano, formado na sua maioria por migrantes rurais que se deslocaram de seus municípios de origem, provavelmente pertencentes na sua quase totalidade à região sul do Rio Grande do Sul, como Pelotas, Canguçu, Piratini, Pedro Osório, Arroio Grande e São Lourenço do Sul, entre outros,(...).
O loteamento do Bairro Jardim América foi planejado em 1954, sobre a área total de 234 hectares pertencentes a uma antiga fazenda, tendo a seguinte localização: sua exposição é frente para o sudoeste, sendo os seus limites assim demarcados: ao sul, encontra-se a estrada de ferro Pelotas-Bagé, estando o fundo o campus universitário da UFPel e a área da UEPAE/Pelotas, da EMBRAPA; ao norte, acha-se a estrada rodoviária que liga Pelotas à Bagé, e ao fundo um outro loteamento próximo a um areal, e também o distrito industrial; ao leste, a estrada rodoviária que liga Pelotas ao campus universitário da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), tendo ao fundo o bairro Fragata, de Pelotas; e ao oeste, é cortado pela BR 116 que liga Porto Alegre a Jaguarão, e, ao fundo, apresenta a sede do município de Capão do Leão.
O lotemaento foi subdividido em 4000 lotes, possuindo em média, cada terreno, uma área de 360 metros quadrados.
Foram reservadas áreas verdes, distribuídas por todo o bairro, que deveriam constituir-se em praças e jardins, a fim de propiciar recreação e lazer aos moradores, o que hoje não se verifica pelo motivo de estarem quase todas elas em regime de ocupação.
Os recursos e serviços de infra-estrutura, como água, luz, esgotos, coleta de lixo, pavimentação de ruas, entre outros, têm-se constituído em motivos de intensas reivindicações da população e em fatores que dificultam o desenvolvimento do bairro.
Os moradores dispõem de serviços na área médica, prestados por dois postos de saúde localizados no próprio bairro, sendo um da responsabilidade da administração municipal, estando o outro sob a orientação da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Pelotas.
Contam, igualmente, com os serviços de um posto policial, cuja inauguração veio atender aos apelos da população local, no sentido de terem garantidas as condições de maior segurança e de manutenção da ordem, necessárias ao seu bem-estar.
Jardim América é o bairro mais populoso de Capão do Leão, sendo conhecido como bairro-cidade. Dista 10 km do centro de Pelotas e 12 km do centro de Capão do Leão.
Por motivo de a emancipação do município de Capão do Leão ter ocorrido num curto prazo de apenas quatro anos, ou seja, em três de maio de 1982, o referido bairro ainda depende, em grande parte, em seus aspectos econômicos e sociais, do município de Pelotas." (pág. 40-43)
Mais adiante o pesquisador fala-nos sobre o município e alguns aspectos sociais, econômicos e educacionais, novamente reenfocando o Jardim América:
"Quanto ao município de Capão do Leão, devido à sua recente emancipação política e territorial, possui poucos dados estatísiticos, através de pesquisas e censos, e, portanto, mais confiáveis.
Dados fornecidos pela Prefeitura Municipal indicam que a sua população é de, aproximadamente, 20000 habitantes para uma área de 720 Km quadrados.
Após a sua primeira eleição, ocorrida em 15 de novembro de 1982, os esforços vêm sendo dirigidos no sentido de organizar a estrutura social, política, econômica, religiosa e cultural necessária ao seu desenvolvimento.
(...)
A atividade econômica é fundamentalmente ligada ao setor primário. Possui uma pedreira que ainda é explorada e administrada por Pelotas, apresentando-se, atualmente, com déficit econômico.
Seu distrito industrial é composto por indústrias armazenadoras e transformadoras de produtos primários, como frigoríficos e outras.
Observa-se que o maior excedente de mão-de-obra ocorre nas atividades braçais, ou seja, naquelas em que se exige um menor nível de qualificação profissional.
O emprego sazonal da força de trabalho é maior nos períodos de safras agrícolas: nas atividades ligadas à indústria de conservas, nos meses de dezembro a fevereiro; nas atividades ligadas a frigoríficos, nos meses de outubro a abril.
O setor educacional constitui-se em área prioritária de atuação, visto o município possui apenas uma escola de 1o. Grau completo, estando para ser implantada uma de 2o. Grau. Possui, ao todo, 23 estabelecimentos de ensino, sendo 19 escolas municipais e 4 estaduais.
No Jardim América há uma única escola, dividida em três prédios pequenos, que oferece até a 4a. série do 1o. Grau.
(...)
Conforme dados fornecidos pelo Setor de Cadastro da Secretaria Municipal de Finanças de Capão do Leão, residem, atualmente, no bairro Jardim América, um total de 1146 famílias, das quais 80,0% são provenientes do meio rural, perfazendo, portanto, uma população total de 917 chefes de família migrantes." (pág. 48-49)
Numa outra parte há um estudo sobre o nível de vida das pessoas no bairro àquela época:
"NÍVEL DE VIDA
(...)
Os dados coletados, no que se refere à habitação, permitam afirmar que 83,7 % dos indivíduos amostrados moram em casa própria, 11,3 % alugam casa para morar, 3,8 % residem em casa de parentes, e apenas um elemento mora em casa cedida por um amigo, para repará-la.
(...)
Salienta-se, também, que 15,0 % da população estão morando em áreas verdes, no sistema de ocupação, enquanto que 61,0 % encontram-se com a situação regularizada, faltando apenas escriturar definitivamente em seus nomes.
Quanto aos tipos de casas encontradas, 58,7 % são de alvenaria, sendo que destas, 21,3 % dos proprietários ainda não conseguiram recursos para rebocar suas paredes; 5,0 % das casas são mistas, 6,3 % são de madeira e 30,0 % da população residem em barracos.
Esses barracos são pequenas casas de madeira, velhas, a maior parte delas sem forro, de chão batido ou de cimento, com problemas de abertura, de telhado e de conservação.
A relação número de pessoas/número de peças da casa é satisfatória para 43,7 % dos casos, sendo que para os outros 56,3 % entrevistados, o tamanho da casa não é adequado às suas famílias.
(...)
No tocante às facilidades higiênico-sanitárias, ressalta-se que 52,0 % da população possuem água encanada, tendo como fonte os poços artesianos coletivos no bairro (32,0 %), ou então, ligada à rede de água do frigorífico Rio-Pel (20,0 %), localizado bem próximo ao bairro.
A inexistência de uma rede de fornecimento de água à população do bairro, faz com que muitas famílias (29,0 %) sejam obrigadas a buscá-la, de balde, nas bicas (torneiras públicas), a uma distância que varia até um quilômetro de suas casas.
Para as residências mais afastadas no bairro (15,0 %), a água é fornecida em carros-tanque da Prefeitura Municipal de Capão do Leão, duas vezes por semana, sendo depositada em bombonas plásticas com capacidade de 200 litros, pertencentes a cada família, apresentando toda a espécie de inconveniências de manter uma água parada por muito tempo.
Poucos são os lares (5,0 %) que dispõem de poço de algibre em seu terreno." (pág. 75-77)
Há uma análise sobre a representatividade política e o enganjamento social na época no bairro Jardim América:
"Quanto à participação em associações, conclui-se que somente dois elementos, ou seja, 2,5 % dos entrevistados, são sócios da Associação do Bairro Jardim América. Tal fato demonstra um descrédito muito grande, por parte da população, a uma entidade que deveria exercer o importante papel de representação e reivindicação dos seus direitos e benefícios.
Muitos chefes de família afirmaram não conhecer bem o que seja uma associação. Outros salientaram que a mesma não pode e nem deve servir de instrumento para a promoção de atividades políticas com fins meramente eleitoreiros, pois tais fatos afastam os sócios que pensam ser a associação uma entidade onde devem ser debatidos os verdadeiros problemas da comunidade, e analisadas as possíveis buscas de soluções para os mesmos.
Participam de outras associações religiosas e sócio-recreativas 10,0 % dos indivíduos amostrados, sendo que em associações políticas não se encontrou representatividade, isto é, nenhum chefe de família entrevistado tem participação política direta em partidos e/ou agremiações, o que caracteriza uma quase que completa alienação da população em termos políticos.
É importante atentar-se para o fato de que, embora a inexpressiva participação política da população local, o bairro encontra-se atualmente representado por quatro vereadores, inclusive pelo Presidente da Câmara de Vereadores do Município de Capão do Leão." (pág. 79-80)
Sobre os níveis educacionais no bairro, ele conclui o seguinte:
"Verifica-se, também, que, um em cada dois chefes de família é analfabeto, um em cada três possui baixa escolaridade e um em cada cinco tem uma média escolaridade.
Essa situação caracteriza, portanto, uma população com muito baixo nível de escolaridade." (pág. 88)
A última parte que selecionei intui sobre a formação do bairro. Além de apontar a origem dos migrantes que vierem para o Jardim América, leva crer que este processo foi, particularmente, intenso nos anos 80. Eis o trecho:
"Os dados tabulados mostram ainda que 68,8 % da população residem no bairro há menos de 10 anos". (pág. 94)
" Quanto ao local de origem do migrante, tomando-se por base sua naturalidade, ou seja, o município onde nasceu, (...), que a maioria dos entrevistados, 45,0 %, são naturais do meio rural do município de Canguçu, seguidos de 22,5 % de Pelotas, 11,3 % de Pedro Osório, 10,0 % de Piratini, e de pequena representatividade de outros municípios pertencentes à região sul do Estado (Arroio Grande, São Lourenço do Sul, Pinheiro Machado, Passo Fundo, Encruzilhada do Sul). (pág. 100)



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