"Muitos dos nossos apelidos provêm de nomes de localidades, donde os respectivos indivíduos ou os seus maiores eram naturais ou onde residiram. Cardoso, como já em 1883 eu disse na Mocidade de hoje (revista portuense), faz parte dessa classe, e significa originariamente 'terreno abundante de cardos'. Deve entender-se que a princípio a expressão plena seria chão cardoso, terreno cardoso, ou outra análoga, e que por elipse do substantivo ficou só o adjectivo determinante, isto é, cardoso, com funções substantivas. Num cardoso ou chão cardoso edificaram-se casas, para aí viverem os proprietários; com o tempo a população aumentou, e formou-se um casario, de que depois se desenvolveu um lugar maior ou menor: assim pode explicar-se a origem dos campos, quintas, herdades, e povoações que se chamam Cardoso nas províncias do Minho, Beira, etc. A par de Cardoso há Cardosa, isto é, na origem: terra cardosa. Da formação adjectival, que aqui se vê, ministra a toponímia outros exemplos, e muitos abundantes, quer com relação a flora: Aveloso, Azinhoso, Carregosa, Cercosa, Feitosa, Figueirosa, Folgosa, Folgoso, Freixiosa, Gestosa, Matoso, Murtosa, Relvosa, Sabugosa, Salgueirosa, Salgueiroso, Silvoso, Teixoso, Tojoso, Vimioso, quer com relação a outros elementos da Natureza: Coelhoso, Pedrosa, Seixoso, Terroso, Vermelha (sc. terra).
Em expressões como monte da Cardosa (Alentejo), onde monte significa habitação, casal das Cardosas, quinta do Cardoso, e congéneres, as palavras Cardosa, Cardosas, Cardoso significam, quanto a mim, apelidos de antigos proprietários, embora na origem fôssem nomes geográficos.
Um fulano natural de um lugar ou sítio chamado Cardoso ou aí residente chamou-se F. de Cardoso, ou F. Cardoso, com de ou sem de, segundo o que escrevi na Rev. Lusitana, XXI, 316 ss. (vid. adiante) e o apelido transmitiu-se aos descendentes ou vindouros. Os próprios genealogistas, no que toca à nobreza da família dos Cardosos, dizem que o solar era a quinta de Cardoso, junto a Lamego, por exemplo Villasboas, Nobiliarchia Portuguesa, Lisboa, 1676, pág. 256. Mas isto é um caso particular; os exemplos seriam mais gerais, e tanto entre nobres como entre não nobres. Usualmente diz-se hoje F. Cardoso, mas todos conheceram um maestro cujo nome soava Cyriaco de Cardoso. Da analogia de Cardoso com cardo também os genealogistas tiveram suspeita, pois dão à família como brasão esta planta."
Fonte: LEITE DE VASCONCELLOS, J. Opusculos, volume III. Coimbra/Portugal: Imprensa da Universidade, 1931, pág. 28-30.
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