sábado, 27 de janeiro de 2018

General José Antônio Mattos Netto - Zeca Netto


"Nasceu por volta de 1854, no atual 5o. subdistrito de Canguçu, no seio da família Mattos, a qual pertencia sua mãe Rafaela Mattos, mulher afeita às lides guerreiras, viúva de dois militares e no terceiro casamento com Florisbelo Neto, veterano farroupilha, irmão do general Antônio Neto. Era sobrinho do Ten. Cel. GN Theófilo de Souza Mattos que comandaria os canguçuenses na Guerra do Paraguai. Nasceu após a guerra contra Oribe e Rosas. Viveu em Canguçu até cinco ano de seu vilamento.

O Rio Grande já vivia o clima de guerra próxima que ocorreria em 1864-70, quando viveu a parte de sua juventude, dos 14 aos 20 anos.

Foi um autêntico campeiro e tapejara (conhecedor dos caminhos) do Rio Grande. 'Gabava-se de ser capaz de ir a cavalo de Camaquã até Montevidéu sem molhar as patas do seu cavalo'. Criou-se entre os Mattos e os Netos, destacados e tradicionais revolucionários do Decênio Heróico.

Sobre sua vida e obra, além do que já abordamos ao tratarmos da Revolução de 23, em Canguçu, dele escreveu nosso ilustre confrade Arthur Ferreira Filho e veterano dessa revolução do lado governista:

'José Antônio Neto, sobrinho do farroupilha general Antônio de Souza Neto, era abastado fazendeiro no município de Camaquã.'

Na Revolução de 93 comandou um corpo de patriotas castilhistas no posto de tenente coronel. Mais tarde rompeu com o chefe de seu Partido, sendo em 1923 dos primeiros a sair a campo contra o Governo de Borges de Medeiros. Sua coluna que se chamou '4a. Divisão do Exército Libertador', ficou famosa pela rapidez de movimentos com que, em parte, supria a deficiência de material bélico. E graças à grande mobilidade que imprimiu à sua tropa, logrou furtar-se a encontros decisivos com os coronéis Hipólito Ribeiro (filho) e Francelino Meireles que tenazmente o perseguiam.

Bateu-se vantajosamente no Passo do Mendonça, contra o coronel José Lucas Martins, conseguindo livrar-se do cerco que lhe preparava a Brigada Juvêncio de Lemos. Sempre perseguido de perto, o caudilho cruzou durante meses a região de suas proezas, Camaquã, S. Jerônimo, Canguçu, Encruzilhada, Pinheiro Machado, Pelotas, sem nunca de deixar surpreender.

Apenas uma vez, reprimido por Hipólito Ribeiro, viu-se obrigado a lutar em condições desfavoráveis, em Canguçu Velho, sujeitando-se a séria derrota.

Ali perdeu muitas praças e vários oficiais, escapando-se ele próprio a duras penas. Foi quase ao findar da Revolução que Zeca Neto realizou sua maior façanha. Surpreendeu e tomou a cidade de Pelotas, ocupando-a quase totalmente, por algumas horas, não obstante a valorosa resistência oposta pela pequena guarnição republicana. A ocupação de Pelotas não foi propriamente uma vitória militar, não apenas pela desproporção numérica, entre as forças atacadas, como porque fora incompleta e efêmera. A ocupação não alcançou toda a área da cidade, não conseguiu silenciar a totalidade dos pontos de resistência, e durou umas poucas horas, somente.

Mas fora, inegavelmente, um feito útil à Revolução, tanto pela repercussão política favorável, como porque, na rica cidade sulina, onde o caudilho contava com inúmeros simpatizantes, fácil lhe fora se abastecer dos víveres e munições de que carecia com premência.

Ademais, o fato de conseguir atacar a segunda cidade do Estado, sem que a Brigada Juvêncio de Lemos, o impedisse, deve ser levado a crédito de Zeca Neto, velho caudilho de setenta e dois anos, que assim dava provas de uma capacidade de agir e movimentar tropas que só deveria esperar de um fogoso guerreiro de trinta anos. Houve um momento, na Revolução de 1923, em que Zeca Neto, numa de suas meteóricas incursões, chegou a estar à vista da Capital do Estado, na atual cidade de Guaíba, naquele tempo chamada Pedras Brancas.

Registrou-se, então, considerável susto popular em Porto Alegre. As famílias recolheram-se ante a expectativa de um combate. Os estrategistas de cafés revisavam seus cálculos, enquanto os boatos de todas as cores fervilhavam nas ruas.

O velho Largo dos Medeiros manteve seu prestígio, fazendo-se o centro das informações alarmantes.

Já alguns governistas cumprimentavam com mal disfarçada subserviência, certos figurões da oposição, como quem aplaina o terreno para o futuro incerto.

Aníbal estava às portas de Roma.

Entretanto, a aproximação de Zeca Neto era de todo inofensivo, pois, mesmo que não houvesse o rio Guaíba pelo meio, restaria ainda a circunstância decisiva de não possuir o caudilho a menor condição material para atacar uma cidade bem guarnecida, como se achava Porto Alegre naquela ocasião.

Nem Zeca Neto pretenderia mais do que se mostrar à sede do Governo para efeito de prestígio e propaganda. Feita a paz de Pedras Altas, (14-12-1923), Neto voltou às atividades de fazendeiro, dedicando-se também ao aliciamento eleitoral para as fileiras da oposição. Mas, em face de novo surto de rebeldia no Estado, em 1926, não se conteve. Emigrou para o território uruguaio e lá reuniu apreciável grupo de companheiros à frente dos quais cruzou, de regresso, a fronteira rio-grandense, invadindo o Estado em tropel de guerra. Estava, então, com setenta e cinco anos de idade. Seu vigor físico era ainda perfeito, podendo, como demonstrou, montar a cavalo sem se utilizar dos estribos, mas já não encontrou ambiente para repetir as façanhas anteriores. Companheiros de valor, como Dario Crespo e outros da passada campanha, desta vez, não o quiseram acompanhar, e o caudilho se deixou cercar por indivíduos tais como João Castelhano, de tenebrosa memória. À sombra do nome caudilho foram praticados crimes repulsivos, como o degolamento do delegado de polícia de S. Sepé, Capitão da Brigada Militar, homem benquisto por gregos e troianos naquela cidade.

Zeca Neto já não podia conter os impulsos inferiores de seus comandados.

Essa campanha felizmente durou pouco. Depois de algumas escaramuças, o caudilho foi derrotado pelo coronel Hipólito Ribeiro e perseguido, sem quartel, pelo comandante de vanguarda do 'Destacamento Hipólito', tenente coronel Delfino Silveira, sendo obrigado a regressar à República vizinha, desanimado e sem condições para tentar novas aventuras.

Zeca Neto que era homem educado, de feitio aristocrático, gostando de trajar com elegância, deixara crescer a barba, prometendo não a raspar enquanto Borges de Medeiros estivesse no Governo.

Cumpriu a curiosa promessa, mas, para isso, teve que esperar até 1928, quando o estadista republicano venceu o último qüinqüênio.

Com a barba longa e grisalha, um tanto hirsuta, o caudilho apresentava não o aspecto de um bondoso avô, ou de um velho homem da ciência, mas o de um sanhudo veterano da Guerra do Paraguai.

Após a Revolução Constitucionalista, emergência em que o caudilho libertador ficou solidário com a ditadura de Getúlio Vargas, veio a exercer um lugar de direção no partido fundado e chefiado por Flôres da Cunha.

Como o golpe de 1937, que implantou o Estado Novo, extinguindo os partidos políticos e proibindo qualquer atividade partidária, afastou-se para sempre da vida pública.

Viveu muito ainda. Conservou até o fim uma rara fortaleza de ânimo e acentuado espírito de luta.

Com mais de noventa anos, ainda exercitava, diariamente, no tiro ao alvo.

Aos que manifestavam estranheza, ante o treinamento bélico do general nonagenário, ele respondia com visível convicção:

'Ninguém sabe o que nos reserva o dia de amanhã."

Nota: Zeca Netto faleceu em 1947.

Fonte: BENTO, Cláudio Moreira. Canguçu reencontro com a História: um exemplo de reconstituição de memória comunitária. Barra Mansa/RJ: ACANDHIS/Gráfica e Editora Irmãos Drummond Ltda., 2007, 2a. ed., p. 267-271


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