terça-feira, 11 de setembro de 2018

Crime na charqueada


"O Correio Mercantil de Pelotas narra o seguinte assassinato:

<< Ás 2 horas da madrugada de hontem (14), no segundo districto deste termo, na xarqueada do Sr. Domingos Soares Barbosa, arrendada ao Sr. João Theodosio Gonçalves, um preto de nome Faustino, escravo do Sr. Antonio dos Taipes, alli alugado, assassinou barbaramente o capataz do mesmo estabelecimento, Antonio Martins de Oliveira Graça, maior de 30 annos, solteiro, natural de Portugal. O crime foi revestido das circumstancias aggravantes - premeditação, emboscada e noite.

Os escravos, ao serviço da xarqueada, tinhão principiado o trabalho de empilhar couros, faltava, porém, o preto que tratamos. O capataz foi procura-lo e encontrou o na senzala occulto atrás de uma porta.

Mal o vio, o preto, agil e forte, como a féra que salta do covil, lançou-se sobre a victima que havia designado para recuperar a liberdade em troca da prisão perpetua, tirou-lhe um cacete que habitualmente trazia e com elle descarregou-lhe a primeira bordoada sobre a cabeça, tão desesperadamente que o prostrou sem sentidos.

Depois, para completar a obra, para chegar a seus fins depravados, com o mesmo cacete fez-lhe muitos ferimentos no rosto e na cabeça, que ficárão como se estilhaços de artilharia os tivessem destruido. Tudo isso passou se a pouca distancia do lugar onde trabalhavão os outros escravos. Mas o infeliz capataz nem gritar pôde, porque o primeiro golpe tirou-lhe a voz e as faculdades.

Assim o sanguinario preto consummou o attentado, tanto mais sendo a sua victima um homem assaz bondoso, incapaz de fazer offensa ao mais altaneiro dos escravos da xarqueada, de quem era o principal protector sempre que se tratava de applicar qualquer castigo.

Logo apoz a horrivel scena que acabamos de descrever, o preto homicida internou-se pelos vallos, emquanto era noite, e ao romper do dia, sem que fosse presentido, veio apresentar-se á guarda da cadêa, confessando o crime e declarando que teria feito o mesmo a qualquer outro que lhe apparecesse, porque o seu fim era trocar a condição de escravo pela vida do calceta!>>"

Fonte: JORNAL DO COMMERCIO (RJ), 23 de Janeiro de 1880, p.01. c.05
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