sábado, 2 de junho de 2018

A grande invasão de Jaguarão em 1865


"Rio Grande do Sul.

Tinha invadido a fronteira do Jaguarão uma partida de blancos, commandada por Bazilio Munhoz, cuja missão é assolar no territorio brazileiro as povoações indefezas, ou que apenas lhe possam offerecer uma debil resistencia. Considerando neste caso a cidade de Jaguarão, atacou-a Munhoz no dia 27 do passado com 1,500 homens de cavallaria, que foram repellidos com galhardia.

O tenente-coronel José Auto, que já se achava em Bagé, tinha sido obrigado a voltar para Jaguarão dando montada á todo o seu batalhão.

Eis o que encontramos nas folhas do Rio-Grande sobre este acontecimento:

O Diario de 31 de Janeiro diz:

<<Infelizmente vão se realizando as más novas que desde sabbado corriam com referencia a approximação de forças blancas á fronteira de Jaguarão.

<<As ultimas noticias recebidas em Pelotas por um segundo proprio são datadas de 28, e confirmam a passagem de mil e tantos assassinos pelo passo da Armada, que ficavam em frente a cidade de Jaguarão, tendo já havido algum tiroteio.

<<O inimigo acampara-se nos arrabaldes da cidade, entre os cemiterios, tendo horas antes desligado uma força de 400 sicarios, talvez que para assaltarem os pequenos povoados do Arroio Grande ou Herval, que estão completamente abandonados de forças imperiaes.

<<Jaguarão, porém, julgava-se forte, capaz de resistir e repellir o vil inimigo.

<<Além da força de 600 homens que alli se acham, e do 10o. batalhão de infantaria, esperado a todos os momentos de Bagé, aggregaram-se á ella todos os guardas nacionaes da reserva, e muitos estrangeiros, como se fossem Portuguezes, Orientaes colorados, Allemães e Francezes, offerecendo-se estes ultimos para tomar conta das peças dos vapores Apa e Cachoeira e a do lanchão da mesa de rendas, que foram immediatamente postas em terra e a elles entregues.

<<Além desses recursos, que os julgamos sufficientes para rechaçar o inimigo, o Sr. Presidente da Provincia fez seguir para alli, domingo pelas 7 horas da manhã, no vapor Rio Grandense, 50 guardas nacionaes da secção da cidade de Pelotas, commandados pelo Sr. Tenente Julião José Tavares: e hontem embarcaram tambem para aquella cidade, no vapor Especulação, duas peças com todos seus petrechos e munições.

<<Ainda que um pouco tarde, as providencias se vão tomando; mas muito melhor teris sido se já se houvesse tomado, porque então esses bandidos não teriam tido o arrojo de invadir nosso territorio.

<<Será para estimar que a licção aproveite, e nesta convicção pedimos a S. Exc. o Sr. Presidente da Provincia que quanto antes mande engrossar, não só as guarnições das fronteiras, como as das importantes cidades do Rio-Grande e Pelotas.>>

A mesma folha de 1 do corrente accrescenta:

<<O estafeta de Jaguarão chegou hontem de tarde, com cartas de 29 as 7 horas da noite.

<<Os blancos atacaram de facto aquella cidade, mas não a penetraram e foram repellidos com toda a energia, apezar da falta de recursos que se fazia sentir.

<<A carta que em seguida apresentamos, que é escripta por pessoa fidedigna e dirigida á um Sr. Commerciante desta praça, orientará plenamente o leitor do que alli houve.

<<O inimigo retirou-se com direcção a Bagé, depois de 30 horas de resistencia, arrebanhando para mais de tres mil cavallos e muitos escravos, e saqueando todas as casas que encontravam.

<<Uma carta, porém, do Arroio Grande noticia que o numero de escravos arrebatados pelos vandalos subia a cem.

<<A' Jaguarão deveriam ter chegado hontem 1,600 homens, sob o commando do Sr. Coronel Barão de Serro-Alegre, sendo 1,200 de cavallaria e 400 infantes do 10o. batalhão, com ordem de perseguir o inimigo até Taquary, no Estado Oriental.

<<Eis a carta á que nos referimos:

<<Sobre a madrugada do dia 27 principiou a força blanca ao mando do general Bazilio Munhoz com 1,500 homens de cavallaria a transpor a nossa fronteira pelo passo denominado da Armada. Os nossos dous corpos de cavallaria da guarda nacional com 300 e tantos homens, que estavam de observação proximo ás fronteiras, vieram fazendo guerrilhas com o inimigo, até que se viram forçados a entrar dentro da cidade a galope, deixando apenas um espaço de 100 passos do inimigo quando [nota nossa: trecho ilegível] que entrou o nosso ultimo soldado, a brava 3a. companhia avulsa da guarda nacional ao mando do intrepido capitão Emygdio José de Sant'Anna fez sobre o inimigo uma vivissima descarga, que o obrigou a retirar-se, ficando nessa occasião alguns mortos e perto de vinte feridos do inimigo. Esta força que esperou o inimigo guarnecia a unica bocca da rua que estava sem trincheira, em frente á casa de Polydoro A. Costa.

<<O cantão immediato, junto á casa do major Simplicio, foi igualmente atacado pelos blancos e com energia repellidos.

<<Cumpre observar que quando estes malvados vieram de marcha batida sobre a cidade foi na certeza de não a encontrarem com trincheiras, estas foram começadas na tarde do dia 25 e terminadas ao escurecer do dia 26, e, se hoje estamos com vida, devemos á inaudita actividade do ex-primeiro tenente da armada Pedro Maria Amaro da Silveira, que de motu proprio tomou sobre si essa tarefa, contra a vontade de muita gente, e com especialidade das nossas autoridades militares, que diziam que os blancos cá não vinham.

<<Ao meio-dia do dia 27 mandou o chefe dessa horda de canibaes um parlamentar com officio ao coronel commandante desta guarnição, intimando-o a que nos rendessemos e entregassemos a cidade, sob pena de ser este responsavel com sua vida pelas desgraças, que sobreviessem no caso de não acceder a essa intimação: a resposta foi energica e condigna com os brios da nação brazileira.

<<O inimigo durante todo o dia conservou-se em frente á cidade, e á noute retirou-se para fóra, levando os feridos em carretilhas, depois de haverem enterrado os mortos.

<<De nossa gente apenas perdemos um homem velho que nas guerrilhas cahio do cavallo, ao qual, depois de o lancearem, lhe tiraram os olhos, castraram-o e o estrangularam! Veja que humanidade!!

<<Tivemos dous feridos inclusive o major Anacleto Porto, que supponho não escapará. Nos arrebaldes da cidade saquearam horrivel e desapiedadamente, não exceptuando a mais insignificante choupana: o que não podiam levar quebravam, estragavam e reduziam a ruinas. As casas de Hypolito Passos e João de Farias Santos sofreram prejuizos no valor de mais de... 16:000$: e a algumas casas lançaram fogo. Roubaram cavalhada em numero de mais de 3,000; enfim, foi um disforço do que fizeram em Paysandú, não a nossa gente, mas sim os seus proprios compatriotas.

<<Não finalizo sem render um tributo de homenagem aos estrangeiros aqui residentes, e com especialidade os Portuguezes, que se portaram como verdadeiros guerreiros, fazendo a guarnição dos cantões e sahindo muito fóra das trincheiras em grande distancia, para provocar o inimigo a que chegasse, e a fazerem fogo com vontade de brigar. Estes homens estavam como leões, e em seus semblantes se notava o desejo ardente que tinham de destroçar o inimigo.

<<Hoje (29) consta que o inimigo seguio com direcção ao Herval, onde pretende continuar na sua cruzada de devastação e pilhagem!

<<E' preciso, meu amigo, providencias do nosso governo, que se tem tornado pouco previdente, para evitar que estes malvados não se approximem de nossas fronteiras; e, se de prompto não forem tomadas, acredite que esta provincia muito terá que soffrer.

<<De muito nos serviram aqui as duas canhoneiras que, collocadas nos flancos da cidade, a deffenderem energicamente, quer deste lado, quer do outro em Artigas, e muito concorreram para afugentar o inimigo.

<<Estamos á espera de recursos do Presidente da Provincia, e até esta hora (6) ainda nada dahi veio apenas hontem á tarde chegou um lanchão de guerra de Pelotas com 50 tercerolas, algumas lanças e munição: o mais necessario, que eram espingardas, não veio.

<<Conservam-se fóra e em distancia da cidade piquetes de avançada para descobrir o inimigo, e todos neste pequeno Sebastopol estão promptos a resistir.

<<O estafeta está proximo a partir e não me sobra tempo para ser mais minucioso nas peripecias deste ataque.

<<Até esta data não consta que se tenha movido força alguma do general Flores em perseguição desses assassinos.

Antes deste ataque expedira Munhoz, que se intitula general em chefe do exercito da vanguarda, uma proclamação declarando que vinha reconquistar o territorio que o Imperio havia usurpado!

A força invasora é acompanhada por um Andel Muniz, chefe do departamento do Serro-Largo, segundo declara, o qual tambem proclama chamando as armas todos os que puderem empunhál-as para acompanhar aquelle caudilho na sua obra de roubo e de devastação.

Na previsão de novos ataques no mesmo ou em outros pontos, tomava o Presidente da Provincia medidas para que os invasores recebessem uma boa lição.

Por sua parte as populações desenvolviam grande enthusiasmo."

Fonte: JORNAL DO RECIFE (PE), 25 de Fevereiro de 1865, pág. 02, col. 01-03


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