domingo, 30 de dezembro de 2018

A Colônia de Três Forquilhas - Parte 01


"Transcorre em Novembro proximo o primeiro centenario da Colonia das Torres que, desde sua fundação, abrange os nucleos de Tres Forquilhas e São Pedro de Alcantara situados nos municípios de Conceição do Arroio e Torres.

A colonia das Torres foi um desmembramento da de S. Leopoldo cujo centenario passou em 1924.

Pouco se ha escripto sobre a colonia das Torres situada no extremo Nordeste do Estado, pelo que, julgamos interessante sob o ponto de vista historico o trabalho organisado pelo nosso correligionario sr. Manoel E. Fernandes Bastos, advogado residente em Conceição do Arroio, e cuja publicação a 'Federação' hoje inicia:

1. - Fundação

Estava a provincia do Rio Grande sob a administração de José Feliciano Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo, em 1824, quando entrou a prosperar a freguezia das Torres.

A recente emancipação politica do Brasil determinara a necessidade de se levantarem alli algumas obras de defeza, aproveitando-se as circumstancias especiaes do terreno que offerecia tres excellentes elevações proximas uma das outras, á beira mar e com baze de rocha, tres verdadeiras torres - a do Centro, a do Norte e a do Sul.

Como encarregado das obras de fortificação seguiu para alli o tenente-coronel Francisco de Paula Soares (Frantz Paul, como o chamavam os primeiros colonos).

Foi dado áquelle reducto o nome de Presidio das Torres, sendo nomeado seu commandante o referido tenente-coronel Soares.

Marchou para aquelle logar um parque de artilharia com palamenta e munição. Remetteu-se ao commandante um pavilhão nacional para tremular sobre o baluarte que se levantara e ao qual fôra dado o nome de Ypiranga. Seguiram com o mesmo destino uma guarnição de trinta soldados guaranys com tres officiaes, um cirurgião encarregado da vaccina, que levou tambem uma botica, e 16 presos sentenciados da justiça, assim como a necessaria ferramenta de mover terra.

A fundação do Prezidio trouxe comsigo apreciaveis vantagens.

A principal dellas foi a vinda de muitas familias da visinha provincia de Santa Catharina, especialmente da costa do rio Araranguá, as quaes se estabeleceram nas Torres, sendo arranchadas no logar ainda hoje chamado Potreiro.

Esses novos moradores, em geral, cuidavam da pesca, industria que confirmaram a exercer nas Torres com mais proveito por ser ahi muito abundante o peixe.

Desenvolvida essa industria nas Torres, iniciou-se o commercio de exportação para o mercado da Laguna. O transporte do peixe secco e salgado era feito em carretas tiradas por bois.

O Prezidio das Torres teve os seus dias de gloria. Em 5 de dezembro de 1826, por exemplo foi arvorado no baluarte Ypiranga  o pavilhão brasileiro e a artilharia poude salvar com 101 tiros o Imperador D. Pedro I quando fêz sua entrada na Provincia.

*****

Em fevereiro de 1824 passou pelas Torres o Visconde de São Leopoldo. As suas observações trouxeram-lhe algumas ideias tendentes a melhorar as condições do logar. Achou possivel a construcção de salinas e a abertura de uma estrada entre a torre pequena (a do Sul) e a do Meio. Recebeu, emfim, a melhor impressão do logar.

Francisco de Paula Soares, logo que concluiu as obras da Egreja e do Cemiterio, junto ao Prezidio,  passou a tratar da abertura de uma estrada para os campos de Cima da Serra, partindo do Mampituba e pela margem esquerda d'esse rio, e de outra que tambem conduzisse a Cima da Serra, pelo valle do rio Tres Forquilhas ou rio das 3 forquilhas como então se lhe chamava.

Em 1824 funda-se na Feitoria Velha a colonia de São Leopoldo com os colonos procedentes na Alemanha.

Essa colonia povoou-se rapidamente e o Visconde de São Leopoldo, Presidente da Provincia, passou a encontrar serios obstaculos para collocar os novos transportes de immigrantes allemães.

Subiram a tal ponto essas difficuldades, que o dito Presidente tomou a resolução de dirigir-se em officio á Côrte, o que fez em 22 de Maio de 1825, ponderando que, no caso de posteriores remessas de colonos, ou elles haviam de ser amontoadas em São Leopoldo, o que necessariamente traria perturbação e desarranjo, ou se lhe ordenasse a elle Presidente para collocal-os no despovoado districto das Missões ou beirando a estrada nova que se trabalhava por fazer praticavel entre o Prezidio das Torres e os habitantes de Cima da Serra.

Era necessario fundar uma nova colonia. Uma circumstancia veiu apressar esse acontecimento, como vamos ver.

Existiam em São Leopoldo dois pastores ou padres evangelicos. Os colonos se dividiram em dois partidos. Um partido apoiava o pastor João Jorge Ehlers, aliás o que exercia a funcção de director espiritual da colonia desde sua fundação. Percebia elle o ordenado de 400$000 annuaes pago pelo Governo Imperial. O outro partido era sympathico ao pastor Carlos Leopoldo Voges, chegado ao Brasil posteriormente.

Os colonos sympathicos a este ultimo pastor endereçaram á Côrte uma petição que pedia que o Governo Imperial concedesse identico ordenado ao pastor Voges, visto como este nada percebia e isso não era justo.

A Côrte, em officio de 17 de Maio de 1826 determinava que sobre o assumpto informasse o Presidente da Provincia.

Não administrava mais a provincia o Visconde de São Leopoldo. Substituira-o o Dr. José Egydio Gordilho de Barbuda. Este Presidente, empenhado em resolver a contenda, seguiu para São Leopoldo.

Depois de inteirar-se de que occorria e vendo que difficilmente poderia contentar as duas facções, lembrou-se de fazer insinuar ao referido Pastor Carlos Leopoldo Voges que informaria satisfactoriamente o pedido dos colonos que o apoiavam (a elle Voges), si o dito Pastor quizesse fazer parte da nova Colonia que se projectava fundar nas Torres.

Acceita a proposta, o referido Presidente deu conhecimento d'essa resolução á Côrte, propondo que se arbitrasse ao Pastor Voges o mesmo ordenado de 400$000 annuaes o Pastor João Jorge Ehlers.

Foi definitivamente resolvida a fundação da nova Colonia das Torres. Faltava escolher a pessoa que pudesse desempenhar satisfactoriamente essa tarefa.

Ninguem mais competente e capaz de desempenhal-a que o Tenente-Coronel Franciso de Paula Soares, que continuava no posto de Commandante do Prezidio. Homem zeloso e, sobretudo conhecedor perfeito da zona escolhida para a nova Colonia, d'elle lembrou-se logo o Presidente Gordilho de Barbuda.

Dirigido por este um officio ao referido Tenente-Coronel e acceito o convite, foi elle nomeado Director da nova Colonia. A Junta da Real Fazend Publica lhe arbitrou a gratificação de 30$000!! pelo exercicio d'essa funcção.


Tudo projectado e resolvido, passou-se á sua execução.


Em principios de Outubro de 1826 o proprio Presidente da Provincia foi a São Leopoldo para tratar pessoalmente dos assumptos que se prendiam ao estabelecimento da nova Colonia.


Fez constar que as familias e individuos solteiros que ainda não tivessem recebido datas de terras, e bem assim os que não estivessem contentes com as que haviam recebido, poderiam alistar-se para seguir com destino as Torres.

Regressando a Porto Alegre, poucos dias depois, recebia elle a relação dos colonos destinados á nova Colonia, relação essa que fôra organisada pelo Inspector da de S. Leopoldo.

Passou o Governo da Provincia a tratar das ultimas providencias para o encaminhamento dos colonos.

Por essa occasião chegava a Porto Alegre uma nova remessa de immigrantes encaminhados da Cõrte. Esses immigrantes ficaram naquella cidade, aguardando a chegada dos de São Leopoldo, afim de se encorporarem a estes.

Em fins de Outubro chegavam á Porto Alegre os colonos procedentes de São Leopoldo e afinal, em 27 do referido mez, largavam do porto da Capital cinco hiates conduzindo-os com destino á nova Colonia das Torres.

A viagem até á barra do rio Capivary, na lagoa dos Patos, foi feita sem incidentes. Alli aguardavam a chegada dos hiates vinte carretas toldadas, tiradas a bois, enviadas pelos Commandantes da Villa de Santo Antonio e da Freguezia de Conceição do Arroio para o transporte dos colonos até á lagoa da Pinguella, donde proseguiram em sua viagem embarcados.

Ao mesmo tempo que o Presidente da Provincia tomava todas essas providencia, ordenava em officio de 5 de Outubro d'aquelle anno ao Commandante do Districto de Cima da Serra que comprasse com a possível brevidade, para os colonos das Torres e mediante a melhor escolha, 300 bois, 150 vaccas, 150 cavallos e 300 eguas, conservando esses animaes á disposição do Tenente-Coronel Francisco de Paula Soares, com quem deveria entender-se.

Ao chegarem os colonos ao seu destino, o Tenente-Coronel Francisco de Paula Soares tomou a resolução, aliás muito acertada para evitar qualquer dissidio entre elles, de formar dois nucleos coloniaes.

Como os colonos protestantes não precisassem do socorro espiritual do Cura das Torres, os estabeleceu junto á estrada de Tres Forquilhas, em duas linhas parallelas, nas margens do rio do mesmo nome.

Os catholicos, que careciam d'aquelle socorro, foram arranchados ao longo da estrada recem aberta, junto aos rios Mampituba e Verde.

Mais tarde transferiram-se estes para os terrenos devolutos que havia entre as lagoas do Morro do Forno e do Jacaré, por motivo de uma grande innundação que destruiu varias habitações d'elles.

Estavam formadas as duas novas colonias allemãs.

Uma d'ellas passou a denominar-se das Tres Forquilhas: a outra recebeu o nome de São Pedro de Alcantara, em homenagem ao primeiro Imperador. Encontra-se frequentemente em documentos antigos a denominação commum de Colonia de São Pedro das Torres ou, simplesmente, Colonia das Torres.

Não é possível fixar, de accordo com os documentos e obras consultadas nem com as informações colhidas in loco,  o dia em que chegaram ás Tres Forquilhas os primeiros colonos.

Conhecida, entretanto, a data de sua partida da Capital da Provincia (27 de Outubro de 1826, officio da Presidencia da Provincia da mesma data), é presumivel que chegassem ao Capivary entre 29 e 30 do mesmo mez. Na viagem entre Capivary e Pinguella empregaram-se nunca menos de tres dias e entre Pinguella e o rio do Deposito (Tres Forquilhas) outros tres, de modo que, incluindo-se quatro dias para estadia nos portos de baldeação, pode-se acceitar como sendo o dia 10 de Novembro de 1826 a data que marcará em 1926 a passagem d'aquella Colonia."

Fonte: A FEDERAÇÃO (RS), 20 de Outubro de 1926, pág. 01, col. 05-07, pág. 02, col. 01




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