sábado, 18 de junho de 2022

Festa Junina em Recife em 1859

 



Retrospecto semanal

Tivemos a festa de São João, com as suas fogueiras, suas sortes, o milho verde de rigor, suas lendas populares, os bôlos tradiccionaes e a cangica proverbial. Um amigo nosso, versado na archeologia culinaria, assegura-nos que este delicado composto de milho, assucar e leite, é precisamente a divina ambrosia, esse invento maravilhoso da phantasia poetica da Grecia, por muito tempo reputado um mytho, e cuja receita fôra aqui de nova descoberta por um acaso feliz, que é quasi sempre a Providencia dos genios. De todas as suas essenciaes qualidades, porém, aroma suave e sabor delicioso, só perdeu, baixando á terra, o dom de immortalisar aquelles que a provavam, quando fabricada pelos artistas cosinheiros de Jupiter, nas summidades ethereas do Olympo.

A noite de São João seria effectivamente uma das mais alegres e apraziveis do anno, se não fôra a grossa chuva que costuma rega-la, o ingrato estalo dos foguetes da India, e o estouro incessante dos diversos outros productos da industria pyrotechnica, invenção que nos veio do inferno para tormento de nossos ouvidos.

Esta, usança, bem como as do nosso antigo carnaval, protesta altamente contra o nosso progresso e a nossa civilisação. É tempo, em nosso conceito, de supprimi-la do programma da grande festividade de 24 de junho, harmonisando-a assim com as conveniencias da época e as commodidades do publico.

Acabamos com as innundações e outras amenidades do entrudo, fonte perenne de molestias, de assuadas e de rixas, que as vezes terminavam tragicamente. É tempo de acabar igualmente com as fogueiras nas vias publicas, com o fogo de artificio tanto nas ruas como da janella das casas.

Alem do embaraço que oppõe semelhante abuso ao livre transito, do risco que a cada passo corre quem nessas noites se aventura nas ruas, principalmente a cavallo ou a carro, accresce o atordoamento de nossos ouvidos pelo estrepito discorde e continuo dos foguetes, que se prolonga até alta noite e nos comdemna á insomnia, e finalmente o perigo real de accidentes mais ou menos serios, que dahi podem se originar.

Ha cerca de dous annos, com effeito, tivemos de deplorar a explosão no largo do Terço, fatal a tantas vidas e propriedades. E se este anno escapamos felizmente á tamanha desgraça, não ficamos todavia isemptos de successos causados pelo imprudente divertimento com materias inflammaveis e explosiveis, das quaes varias chegaram ao nosso conhecimento, embora despidas de sinistra gravidade e importancia.

Reclamamos, pois, da policia, que ponha de ora em diante em inteiro vigor as posturas municipaes respectivas. Abrigando-nos dest'arte contra funestos successos, e protegendo aquelles que por ventura não acham prazer nesse innocente brinquedo a percorrer livremente as ruas da cidade, todos entregues ao saturnal do fogo de artificio, como outr'ora no entrudo, a saturnal d'agua, da lama, do mel de furo e outras asquerosidades inventadas pela fertil imaginação dos amadores desse passatempo. Os exercicios pyrotechnicos, a que alludimos, não só incommodam e assustam os que transitam pelas ruas, que se tornam quasi desertas, como aggrava os soffrimentos dos doentes para quem o socego é quasi sempre a melhor e mais salutar de todas as medicinas.

(...)

Fonte: DIARIO DE PERNAMBUCO (Recife/PE), 27 de Junho de 1859, pág. 01, col. 05

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