quinta-feira, 2 de julho de 2015

A juventude de Hipólito José da Costa e suas ligações familiares com a região

Trecho extraído de: LARANGEIRA, Álvaro Nunes. Mapeamento documental dos anos dourados de Hipólito José da Costa com a coroa portuguesa. In: INTERCOM - SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DE COMUNICAÇÃO, XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Caxias do Sul, 2 a 6 de Setembro de 2010.


"A história da história do Hipólito José da Costa remonta à segunda década do século 18, quando em 18 de fevereiro de 1718, na Colônia do Sacramento, desembarcaram 60 casais oriundos da região portuguesa Trás-os-Montes. Portugal intensificava a colonização daquele protetorado encravado no estuário latino e razão das freqüentes discórdias com a Espanha. Faziam parte do grupo Vicente Pereira e Madalena Martins Pinto de Mesquita. Natural de São Pedro de Alfândega da Fé, freguesia pertencente a Bragança, o casal teve onze filhos, sendo Ana Josefa Pereira de Mesquita o último.

A caçula dos Pereira nasceu em 5 de setembro de 1741 e em Sacramento mesmo casou em junho de 1773 com o militar fluminense – natural de Saquarema – Félix da Costa Furtado de Mendonça. No ano seguinte, em março, dia 25, paria o primeiro dos quatro filhos do casal, e em homenagem à irmã Luiza Hipólita de Almeida, falecida em 1771, batizou o primogênito como Hipólito. O menino ficou na terra natal por pouco tempo. 

Em 3 de junho de 1777 a Colônia de Sacramento capitulou diante do exército espanhol. O general Pedro Seballos descumpriu a promessa de enviar todos os moradores de Sacramento ao Rio de Janeiro e remeteu para Buenos Aires quem não tivesse dinheiro para pagar a propina da viagem à capital do Brasil. Na capital platina, dois meses depois, nasceu Felício, o primeiro irmão de Hipólito, e as famílias Costa e Pereira ficaram sob o julgo espanhol até 1778, quando Portugal e Espanha colocaram em prática o Tratado de Ildefonso e a delimitação territorial no sul da América. A Colônia do Sacramento passou em definitivo para a Espanha, restando aos antigos moradores as terras conturbadas do Continente de São Pedro. 

O governo português, para garantir o território demarcado entre Laguna e a Colônia do Sacramento, concentrou a realocação dos conterrâneos expulsos nas regiões do rio Camaquã, do canal São Gonçalo e da lagoa Mirim, localizados na parte meridional do Rio Grande do Sul. A vila de Rio Grande, recém-reconquistada dos espanhóis, acolheu a maior parte da diáspora da Colônia de Sacramento e por ali e arredores aportaram as famílias Costa e Pereira, esta constituída pelos irmãos Pedro Pereira Fernandes de Mesquita (sobrenome por parte da avó materna), Antônio Pereira Fernandes de Mesquita, Antônia Pinto de Mesquita e Maria Pereira de Mesquita, além da mãe do Hipólito. 

O nascimento de José Saturnino em Rio Grande, em novembro de 1780, e a cessão de datas de terra em fevereiro de 1781 selaram a permanência do grupo na região. Obtiveram as porções de terra o pai de Hipólito José da Costa e os dois tios clérigos. O alferes da infantaria da praça da Colônia do Sacramento Félix da Costa Furtado de Mendonça recebeu o terreno nas primeira e segunda forquetas do rio São Gonçalo e aos padres Antônio Pereira e Pedro Pereira foram concedidas propriedades no Rincão de Pelotas.

A concessão da segunda leva de terras à família teve a participação do agora estudante da Universidade de Coimbra. Preparado para a única universidade do império pelo tio Pedro Pereira, chamado de padre doutor por causa do bacharelado em Cânones obtido em 175211, Hipólito saiu de Rio Grande em direção a Coimbra no início de 1792, realizou os exames de Latim e Filosofia Racional e Moral – exigidos para ingressar na universidade – e em 29 de outubro do mesmo ano ingressou no primeiro ano de Filosofia, procedimento obrigatório para cursar Leis.

Em janeiro de 1793 a Casa da Provedoria da Fazenda Real, em Porto Alegre, recebeu a justificação do pedido de sesmaria por parte de Hipólito José da Costa e mais as do pai e do tio Pedro Pereira. Em 13 de novembro de 1794 foram oficializados os registros de sesmaria. Os três receberam propriedades contíguas na parte setentrional do sangradouro da lagoa Mirim.
A segunda recorrência de Hipólito José da Costa na questão das terras familiares ocorre em abril de 1801, quando o já bacharel e servidor da coroa solicita ao príncipe-regente D. João ordem para o governador do Rio Grande do Sul confirmar as cartas de sesmaria dele, do pai e do tio, em função do questionamento da posse “por pessoas que, em razão da falta de clareza de títulos, que há nas terras de todo aquelle continente, poderião perturbar a posse das mesmas fazendas”. (p. 3-5)


"O interrogatório seguinte dá-se na prisão do Limoeiro, decorridos dois meses da detenção, entre o inquisidor e Hipólito, na sessão denominada in genere pelo Regimento do Santo Ofício19: 
“Em que idade começou a estudar?
- Não poderei dizer com certeza.
Fixe ao menos com probabilidade a época em que deixou o mestre de ler e escrever, para passar ao estudo da gramática latina?
- Seria aos nove anos.
Sabe ou suspeita a razão por que de tão tenra idade o fizeram entrar para o estudo da gramática latina?
- Não. 
O compêndio da gramática latina era o antigo dos jesuítas ou algum dos modernos?
- O Novo Método do Padre Antônio Pereira. 
Que línguas mortas estudou além da latina?
- Grega. 
Que línguas vivas estudou?
- Todas aquelas que na Europa são mais necessárias... 
Que motivos teve para estudar estas línguas?
- O desejo de me pôr em estado de poder aprender as ciências, o que não poderia bem fazer sem entender os livros que nessas línguas estão escritos.”

A conversa ilustra bem a intenção do interrogador em associar o réu ao jesuitismo e ao jacobinismo, por meio da educação e da leitura dos livros estrangeiros, e reforça a formação precoce e consistente do interrogado graças ao privilégio de conviver com dois tios formados em Coimbra – Antônio Pereira também se formou em Cânones. Em Rio Grande, por exemplo, Pedro Pereira reservou uma peça na casa e contratou um professor de Porto Alegre específico para lecionar gramática latina a quem se interessasse, enquanto o religioso ensinava outras disciplinas aos sobrinhos, com vistas a Coimbra." 
(p. 7-8)





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