segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O crime do Aldeamento de Nonoai


"Aldeamento de Nonohay

Ainda escripto e gravado se acha em letras de sangue, os tristes acontecimentos perpetrados pelos indigenas.

Ainda de toda a parte se ouvem os echos lamentaveis da viuva, e dos orphãos lançados ao desespero e miseria pela crueldade dos selvagens, que, despresando os mais doces afagos e saudaveis conselhos, prestes se apresentão em empolgar a seta mortífera contra aquelle que, com os mais sollicitos cuidados esparge sobre elles exemplos de virtude, e amor paternal.

Ainda com dôr commemora-se o dia 8 de Janeiro de 1856, em que teve lugar o assassinato na pessoa do digno cidadão Clementino dos Santos Pacheco, que, albergando carinhoso os Indigenas, teve por premio no albor de seus dias, uma morte cruel, deixando em inconsolavel dôr a terna esposa, e perda irremediavel à patria, e amigos: mas, ainda assim, os habitantes deste malfadado municipio (Passo Fundo) nutrirão esperanças com a directoria do mui digno tenente coronel José Joaquim de Oliveira, que, incorruptivel em sua sã moral e virtudes, administra com docil genio e cathequese de Nonohay; e decorridos hão tres annos e cinco mezes depois de tão memorial acontecimento, quando surge de novo no meio do paz e harmonia, a discordia, e o crime entre os dous toldos administrados por tão illustre director, com estado de achar-se hoje o mesmo, e mais habitantes do municipio, em sentinella alerta, esperando a cada instante serem victimas de tão irreconciliaveis filhos das selvas, brutaes indigenas; porquanto tendo desapparecido dois indios do toldo de baixo, o cacique Jacintho e outro de nome Salvador, presumen os mais indios do dito toldo, que forão elles assassinados pelos indios do toldo de cima, em razão da rivalidade que ha muito reina entre elles; cuja presumição deu lugar, a que se retirasse do aldeamento o indio Antonio Prudence, e cacique Fongue, com todos os mais indigenas alojados no mesmo toldo, e se fossem acampara na costa do matto; cujo procedimento sendo estranho ao digno director Oliveira, foi ter com elles afim de conduzil-os ao aldeamento mas que! qual não foi o sobresalto deste, quando chegando ao lugar onde elles estávão acampados, em vez de ser recebido com o respeito e humildade de que sempre foi credor, é aceito no meio das lanças e ar carrancudo d'aquelles que sempre lhe renderão homenagens?! O septuaginario e virtuoso director indifferente a tão estranho proceder, exhorta-os, chama-os ao gremio da paz, procede ás mais sérias investigações no descobrimento dos dois indios: mas que! nada descobre, e, em desharmonia permanece os dois toldos, e só se espera o momento de apparecer a luta entre elles, o assassino, e o roubo entre os habitantes do municipio, caso não houver providencias energicas a respeito.

Eis pois, a exposição fiel d'um Passo-Fundense, que, amante da paz e da ordem, e conhecedor do perigo de que está imminente leva ao conhecimento do publico o procedimento dos indigenas, afim de que seja sua exposição tomada em consideração, e se administre ao digno director Oliveira os recursos necessarios para manter a ordem e tranquilidade dos indigenas.

Passo Fundo, 20 de julho de 1859."

Fonte: O CONCILIADOR (RS), 10 de Agosto de 1859, pág. 02, col. 03, pág. 03, col. 01
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...