"O processo de independência no Rio da Prata foi complexo envolvendo várias facções regionais assim como agentes políticos internacionais. Enquanto Buenos Aires rompia com o domínio espanhol no início da década de 1810, Montevidéu permaneceu como um bastião lealista no Rio da Prata até 1814. Durante esse período, as elites de Montevidéu mantiveram a centralidade dos pueblos como fonte de soberania na área, o cabildo de Montevidéu exerceu influência sobre o território de toda a província, ao mesmo tempo que a exploravam as diversas brechas legais das políticas comerciais para aumentar o intercâmbio comercial com potências estrangeiras, especificamente com a comunidade comercial do Rio de Janeiro. A diferença nas maneiras como as elites políticas e econômicas de Buenos Aires e Montevidéu reagiram à crise monárquica em Espanha constituíram o ápice de disputas que já se desenrolavam desde as últimas décadas do período colonial.
A expulsão dos portugueses da Colônia do Sacramento, em 1777, provocou profundas mudanças econômicas, políticas e sociais no estuário do Rio da Prata. No final da década de 1770, quando Buenos Aires tornou-se a capital do recém-fundado Vice-Reinado do Rio da Prata, Montevidéu tornou-se o principal porto atlântico no estuário do Rio da Prata. Montevidéu foi beneficiada pelas Reformas Bourbônicas tornando-se o porto de escala obrigatório para todos os navios que entram no Rio da Prata a partir do Oceano Atlântico, o único porto autorizado para o desembarque de escravos, e a base da frota naval espanhola Sul (e teve as Malvinas assim como os assentamentos patagônicos sob sua jurisdição). Além disso, Montevidéu foi sede da recém-criada Comandancia del Resguardo (órgão encarregado de reprimir o comércio ilegal, tanto marítimo como terrestre). Esta nova arquitetura imperial na região permitiu o surgimento de novos grupos comerciais e políticos baseados em Montevidéu, bem como exigiu que comerciantes de Buenos Aires passassem a manter procuradores e apoderados em Montevidéu, a fim de encaminhar as operações e agências comerciais através de autoridades Montevideanas.
O status imperial recém-adquirido não foi a única variável que contribuiu para o crescente papel comercial de Montevidèu no final do século XVIII. Após a queda da Colônia do Sacramento, Montevidéu tornou-se o centro das relações comerciais com os comerciantes portugueses e britânicos. Uma vez que as tropas espanholas conquistaram Sacramento em 1777, ricos e bem conectados comerciantes luso-platinos mudaram-se para Montevidéu, onde eles criaram alianças com a emergente elite Montevideana. Estes indivíduos ocuparam papéis estratégicos ao reconectar o comércio do Rio da Prata com a América Portuguesa. Entre 1778 e 1806, mais de 500 embarcações navegaram entre a América Portuguesa e Montevidéu, muitas vezes utilizando-se de diferentes pretextos legais para introduzir bens manufacturados europeus, açúcar, tabaco, e escravos em territórios espanhóis. Por volta de 1800, Montevidéu era o principal porto da região no que diz respeito ao comércio transatlântico, e as elites de Montevidéu contavam com redes de comércio de longa data com comerciantes luso-brasileiros.
As tensões entre as comunidades mercantis de Buenos Aires e Montevidéu emergiram durante a década de 1790 sob a forma de uma série de casos legais. Os comerciantes porteños questionaram legalmente o status de Montevidéu como porto de escala obrigatório para todos os navios atlânticos que entram no estuário, e questionaram também a jurisdição das autoridades Montevideanas sobre a repressão do contrabando marítimo. Apesar da dependência das elites comerciais de Montevidéu dos mercados e do capital de Buenos Aires, os comerciantes de Montevidéu não só defenderam o status legal do porto da Banda Oriental, mas também peticionaram à Coroa seu próprio Consulado de Comércio como uma tentativa de aumentar sua autonomia em relação às elites mercantis de Buenos Aires. A divergência de interesses entre as comunidades de Montevidéu e de Buenos Aires ficou ainda mais explícita depois das invasões britânicas de 1806-1807. Após a expulsão das forças invasoras de Buenos Aires, os comerciantes britânicos puderam permanecer em Montevidéu por sete meses. Durante este período, os comerciantes de Montevidéu lucraram com a aquisição de bens britânicos a preço de pechincha. Essa manobra provocou revolta entre os círculos mercantis de Buenos Aires. Além disso, depois das invasões britânicas, Santiago de Liniers, vice-rei provisório do Vice-Reino do Prata, apoiado pelas elites e forças militares de Buenos Aires, tentou despojar Montevidéu de sua condição de base da frota do sul, bem como da jurisdição da cidade sobre as Ilhas Malvinas e sobre os assentamentos patagônicos. Em 1808, as elites de Buenos Aires e de Montevidéu estavam em desacordo entre si em matérias políticas, legais e comerciais.
A crise política desencadeada pela invasão de Napoleão à Península Ibérica colocou as duas principais cidades portuárias do Rio da Prata em uma encruzilhada. Como resultado, o Cabildo Abierto de Montevidéu criou sua própria Junta que jurou lealdade à Junta Suprema de Sevilha, não reconhecendo a liderança de Buenos Aires. Tal dissensão foi reforçada em maio de 1810, quando os cabildantes de Montevidéu recusaram-se a seguir a radicalização da Junta de Buenos Aires e deposição do vice-rei Cisneros (1809-1810), o último vice-rei de Buenos Aires. A partir desse momento, Montevidéu tornou-se o centro do lealismo espanhol no Rio da Prata. As elites de Montevidéu proclamaram Montevidéu como a nova capital do vice-reinado, e, o então governador da cidade, Francisco Javier de Elío, como novo vice-rei do Rio da Prata. As elites de Montevidéu mantiveram as instituições administrativas do antigo regime, o projeto monárquico, e o princípio de soberania particular de los pueblos, com os cabildos como fonte de poder local. Este projeto, no entanto, não foi unânime, e no interior da Banda Oriental, projetos políticos rivais, republicanos, contaram com a adesão de um grande segmento da população rural.
Entre 1810 e 1814, Montevidéu manteve-se fiel à monarquia espanhola e manteve relações comerciais ativas com a América Portuguesa, com os Estados Unidos e com a Grã-Bretanha. O bastião lealista de Montevidéu caiu frente os ataques de forças revolucionárias de Buenos Aires (1814), posteriormente a cidade passou ao controle das forças da confederação de Artigas (1815), e por fim as forças do Império Luso-Brasileiro ocuparam Montevidéu e a Banda Oriental (1816). O controle luso-brasileiro sobre Montevidéu e a Banda Oriental, sob a hábil liderança de Carlos Lecor, o Barão de Laguna, perdurou até a independência brasileira, em 1822. A independência formal do Brasil provocou uma divisão entre tropas leais ao rei lusitano e tropas portuguesas em favor do imperador brasileiro. Após a independência do Brasil, tropas leais à monarquia portuguesa ocuparam Montevidéu, deslocando as tropas brasileiras sob o comando de Lecor para o interior da Banda Oriental. O conflito entre estas duas facções durou até 1824 e foi um dos mais longos e violentos movimentos de resistência à independência brasileira. No rescaldo da 'guerra civil' luso-brasileira, um grupo de caudilhos, os chamados 33 Orientais (1825), invadiu a Banda Oriental para acabar com o governo luso-brasileiro na região. Este foi o estopim da guerra entre o Brasil e as Províncias Unidas e, finalmente, culminou na independência do Uruguai em 1828. Durante a ocupação luso-brasileira (1817-1822), houve um aumento significativo do comércio com portugueses, britânicos e norte-americanos. Essas relações comerciais tiveram sua origem nas últimas décadas do período colonial."
Fonte: PRADO, Fabrício. Conexões Atlânticas: redes comerciais entre o Rio da Prata e os Estados Unidos (1790-1822). In: Anos 90, Porto Alegre, v. 24, n.45, jul. 2017, p. 136-139