terça-feira, 20 de junho de 2017

O Estado Jesuítico da América do Sul


Trecho extraído de: TREUE, Wilhelm. A Conquista da Terra. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1955, 2a. ed., p. 231-232

"A segunda exceção vem do lado oposto - da Igreja. Os casos de Pizarro e Balboa já provariam por si sós, que a finalidade da cristianização representou um papel importante nas descobertas da América do Sul e Central. A intenção de servir a Deus, ao Papa e ao cristianismo, de libertar os nativos da situação de pagãos, não se deve contestar nem mesmo a um brutal lansquenete e espadachim da envergadura de Pizarro. Seria diminuir a interessante multiplicidade de aspectos psicológicos dêste e de muitos outros conquistadores, não acreditar nos seus planos cristãos e vê-los como hipócritas que punham simplesmente a fé a serviço de seu amor ao poder. No fim de contas, a descoberta de Colombo não deixou de ter sido facilitada pelo auxílio da Igreja; Estado e Igreja estavam estritamente unidos.

Já em 1547, havia um bispado em Assunción, de cuja colonização já falamos, como filha da de Buenos Aires. Franciscanos e dominicanos foram os primeiros a vir à América do Sul. Em 1586, os jesuítas se seguiram a êstes, a convite do bispo de Tucuman. Deveriam ali representar um papel destacado. As missões ambulantes que estabeleceram no comêço estavam fadadas a malograr, como logo se verificou. Os índios julgavam todos os brancos de acôrdo com as experiências que tinham feito com os espanhóis, e estas não eram de molde a despertar confiança.

No início do século XVII, os jesuítas encetaram um nova modalidade de conversão. Em 1606, êles transformaram o Paraguai em uma província da Ordem com um provincial jesuíta à frente; juntaram os índios em aldeias recém-formadas e começaram a dar-lhes instrução. Em 1630 já havia uma dúzia destas aldeias nas quais se encontravam, sobretudo, os guaranis, e que se localizavam, pouco mais ou menos, na região do atual estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Os progressos nessa nova espécie de catequese levaram à fundação de aldeias maiores e de suntuosas igrejas; praças foram construídas, construções de material levantadas. Em hortas de legumes e em pomares, os índios aprendiam os trabalhos agrícolas. Oficinas e prisões faziam também parte dessa sociedade organizada; as palissadas defendiam a comunidade contra os ataques de fora; severo policiamento garantia a ordem interna. Córdoba era o ponto central dêste Estado original. Como, desde a metade do século XVIII, se formava na Europa uma vasta frente contra os jesuítas, começou a despertar interêsse o Estado jesuítico da América do Sul. Achava-se, então, que os jesuítas tinham nas mãos todo o comércio da América do Sul, o que representava um perigo para as potências ocidentais. Em 1767, em um dia só, os jesuítas foram todos presos e mandados para a Europa. Foi um julgamento sumário e severo, mas nem entre os índios nem por parte das ordens houve a menor resistência. Depressa desmoronavam-se as colônias; os índios abandonaram os aldeamentos e regressaram para a selva. A destruição das colônias jesuíticas foi completada pelas guerras do século XIX.

Nos duzentos anos de sua atuação na América do Sul, além de serviços culturais e de civilização, prestados aos nativos, realizaram coisas importantes no que diz respeito aos descobrimentos. Êles se dedicaram, como era natural, menos às descobertas geográficas do que ao estudo etnológico, de que possuímos documentos em várias obras de memória e narração."

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