quarta-feira, 9 de maio de 2018

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Escandinavos no Brasil


"Quase ninguém sabe que a vinda de escandinavos para nosso país remonta aos tempos da chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro. Sua história é parcamente documentada e, segundo os pesquisadores e biógrafos que se dedicaram ao assunto, a imprecisão relativa às nacionalidades dificulta a identificação dos fluxos migratórios entre os povos considerados germânicos de uma maneira geral. Mesmo sendo poucos, alguns escandinavos que desembarcaram em terras brasileiras entre 1808 e as primeiras décadas do século XX desempenharam papel de relevo na ciência, na arte e na indústria nacionais, e até lutaram pela pátria.

Com D. João VI, a família real, os fidalgos e os altos funcionários do Reino de Portugal também vieram para o Rio de Janeiro representantes diplomáticos de cortes europeias amigas. Um deles foi o barão Johan Albert Kantzow, primeiro representante sueco em terra brasileira. Pode-se apenas imaginar o quão pitoresco deve ter parecido para este escandinavo o traslado e o estabelecimento de toda a administração de um reino europeu nos trópicos.

Após a independência do Brasil, com o advento das revoltas separatistas e da Guerra Cisplatina, o capitão de mar e guerra dinamarquês Johan Carl Peter Prytz ofereceu seus serviços à Marinha Imperial brasileira. Prytz era um veterano das guerras napoleônicas, havendo comandado uma flotilha de canhoneiras na defesa de Copenhague contra os ingleses, em 1811. Na década seguinte, como muitos oficiais europeus, seguiu o exemplo de lorde Cochrane (o Lobo dos Mares) e se destacou na defesa do território do Brasil independente nas campanhas navais do rio da Prata, contra a Argentina, de 1826 a 1828.

Promovido a almirante, João Carlos Pedro Prytz (ele abrasileirou seu nome) ainda recebeu a incumbência de levar a Lisboa Dona Maria da Glória (a filha de Pedro I que seria, ao final, impedida de assumir o trono de Portugal) e de escoltar, no caminho de volta para o Brasil, a noiva do imperador (em segundas núpcias), a princesa da Baviera Amélie de Beauharnais. Em seguida à abdicação do trono por D. Pedro I, o almirante Prytz retornou à Dinamarca, onde manteve vínculos estreitos com o Império do Brasil na função de cônsul-geral e encarregado de negócios entre 1835 e 1848.

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Na mesma época, o também dinamarquês Peter Lund trouxe para o país outro tipo de habilidade, de natureza científica, e acabou sendo reconhecido como 'pai da paleontoloia brasileira'. Em 1825, aos 24 anos, formado em Medicina e imbuído de curiosidade científica pelas zonas tropicais ainda pouquíssimo exploradas, Lund passou alguns meses no Rio de Janeiro com o intuito de realizar estudos botânicos e zoológicos. Três anos depois, voltou para o Brasil com o firme propósito de expandir sua área de pesquisa, em andanças pelo interior de São Paulo e Minas Gerais. Ouviu falar da existência de grutas e dirigiu-se para a região de Lagoa Santa, ao norte de Belo Horizonte.

Ao entrar na gruta de Maquiné, deixou anotado: 'nunca meus olhos viram nada mais belo e magnífico nos domínios da natureza e da arte' (Maquiné e Lapinha se estendem, cada uma, por quase meio quilômetro de galerias, à profundidade de até 40 metros). Durante anos, Lund coordenou escavações, com seu auxiliar e ilustrador norueguês Peter Brandt; e encontrou uma quantidade enorme de fósseis de animais extintos como a preguiça-gigante (4 metros de comprimento e 4 toneladas de peso) e o tatu-gigante (3 metros de comprimento e 1,5 metro de altura). Na gruta do Sumidouro, o dinamarquês desenterrou crânios e ossos humanos de características específicas, distantes dos indígenas das Américas e datados de 11 mil a 8 mil anos. Esses vestígios ficaram conhecidos nos estudos de paleontologia como o Homem de Lagoa Santa.

Além do conjunto de grutas e cavernas estudadas pela primeira vez por Lund e Brandt, o estado de Minas Gerais abriga o município com o curioso nome de Catas Altas da Noruega. A 'cata' se refere, compreensivelmente, à procura e ao garimpo do ouro, pelos idos do século XVIII, quando o povoado pertencia à administração de Vila Rica de Ouro Preto. Mas é forçoso reconhecer que o complemento 'da Noruega' não terá sido uma alusão ao país nórdico, mas um conceito dele derivado (provavelmente pelos pescadores portugueses de bacalhau). Segundo o dicionário Houaiss, noruega significa 'terra úmida e sombria na encosta sul da montanha que recebe pouco sol'.

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Poucos imigrantes escandinavos decidiram rumar ao sul e refazer sua vida no Brasil. A cidade de Joinville foi fundada por cerca de cem famílias alemãs, suíças e escandinavas, quando ali se instalou a Colônia Dona Francisca, em 1849. As listas de desembarque no litoral catarinense relacionam cerca de 400 suecos e noruegueses, mas alguns seguiram viagem para a Argentina. O Rio Grande do Sul recebeu cerca de 50 famílias de pioneiros suecos, que passaram aos descendentes brasileiros os sobrenomes Hellström, Sundström, Anderson, Danielson, Petterson, Olsen, Pettersen, Hansen, Nilsson. Os finlandeses, por sua vez, fundaram sua colônia em Penedo, perto do Parque Nacional de Itatiaia, na divisa do Rio de Janeiro com Minas Gerais. Chegam em período mais recente, por volta dos anos 1930-1940.

Quem diria que as Casas Pernambucanas, com este nome, tinham sua gênese a participação de um jovem empreendedor sueco que desembarcou no Recife em 1855? Herman Lundgren fundou uma fábrica de pólvora e uma manufatura têxtil, que seu filho Frederico Lundgren transformou, graças aos baixos custos do algodão nordestino, numa das mais importantes plantas industriais do Brasil, sob a denominação de Companhia de Tecidos Rio Tinto. A partir de 1908, os tecidos fabricados pela Rio Tinto passaram a ser distribuídos pelas Pernambucanas, uma rede comercial varejista que rapidamente se expandiu por todo o país. Um descendente da quarta geração de Lundgren ainda controla a empresa que, curiosamente, já não possui filiais em Pernambuco.

A Companhia Antarctica Paulista foi outro importante empreendimento de origem escandinava. Fundada em 1891, a fábrica de gelo e cerveja (com câmaras frias para armazenagem de alimentos perecíveis) tinha entre seus acionistas o dinamarquês naturalizado brasileiro Adam Ditrik von Bülow, proprietário de uma importadora de máquinas e equipamentos industriais. Em poucos anos, Bülow e seu parceiro alemão, naturalizado brasileiro, Antônio Zerrenner, assumiram o controle da companhia. A Antarctica, cuja cerveja adquiriu o rótulo com a imagem do pinguim em 1935, disputou durante décadas o gosto do consumidor brasileiro com a Brahma. Até a fusão das duas empresas no grupo AmBev (hoje InBev, terceiro fabricante de cerveja do mundo), a família Bülow detinha 38% das ações da companhia cervejeira.

Quando, em 1919, a Ford norte-americana decidiu tornar-se o primeiro fabricante de veículos a se estabelecer no Brasil (com capital inicial de 25 mil dólares da época), o gerente da primeira filial do Bom Retiro, em São Paulo, foi o dinamarquês Kristian Orberg. No primeiro ano de operações, foram vendidos 2.447 dos históricos automóveis Modelo T e caminhões TT. Dois anos depois, eram montados na fábrica da rua Solon 4.700 automóveis (40 por dia) por cerca de 120 operários. O dinamarquês Orberg permaneceu na gerência da Ford Brasil até 1953.

Na seara artística, o pintor norueguês Alfred Andersen, que chegou ao estado do Paraná na virada para o século XX, passou para a História como o iniciador da pintura paranaense e seu protagonista até o ano de 1935. O navio em que Andersen viajava fez escala no porto de Paranaguá por problemas mecânicos e ele decidiu não reembarcar. Durante mais de trinta anos, retratou as autoridades e a burguesia de Curitiba, bem como as paisagens do estado, com predileção para os panoramas de montanhas e pinheirais - quadros que guardam nítida relação com o cenário de sua Noruega natal, porém com mais luminosidade e com o colorido brasileiro."

Fonte: GUIMARÃES, Paulo. Os escandinavos. São Paulo: Contexto, 2016, p. 242-245.
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