Mercado Público de Pelotas link original desta imagem: http://olhares.sapo.pt/torreao-do-mercado-publico-de-pelotas-foto1884044.html |
Trecho extraído de: SOARES, Paulo Roberto Rodrigues. A cidade meridional do Rio Grande do Sul: cidade pampeana ou brasileira. Doutorando em Geografia Humana na Universidade de Barcelona/Espanha. (Artigo)
"O tabuleiro de xadrez na Campanha
Em seu traçado
inicial, a
cidade de Pelotas estava delimitada pelos
acidentes geográficos do terreno. Discorrendo
sobre a formação da cidade brasileira, o arquiteto Murilo Marx , aponta que “as baixadas e pântanos também se constituiram impedimentos
para o avanço do tecido urbano, que os evitou até que pudesse conquistá-los através de grandes obras de engenharia. Ou melhor, até que tal conquista se fizesse necessária e desejável”.
Em Pelotas,
o limite
norte da cidade era uma larga
rua
projetada -
todavia não ocupada - chamada Rua
do Passeio,
onde logo se
construiu o primeiro cemitério da cidade, transladado desde o terreno da Igreja matriz. Os termos leste e oeste estavam nas baixadas em direção às margens dos cursos d' água: à oeste, a rua Boa Vista, seguindo a margem
do arroio Santa Bárbara e
à leste, a rua das Fontes, cujo nome
indica
de
onde provinha parte
do abastecimento de água da população. O limite meridional era a rua da Palma, um caminho quase desocupado e que a partir da ampliação da cidade rumo ao sul se converteria no centro do
núcleo urbano. As ruas foram ordenadas exatamente de acordo com a direção dos pontos cardeais, seguindo uma tradição do urbanismo romano que também foi aplicada em outras regiões da América espanhola.
No centro se interrompiam
três ruas no sentido longitudinal
e uma rua no sentido leste-oeste, em função da abertura da praça da Igreja. Eram justamente estas as
ruas que concentravam o maior número de construções e
onde os moradores mais ricos (os estancieiros e charqueadores)
construíram suas casas. O número de edifícios construídos, de acordo com a planta de 1815, foi de 107 e as ruas próximas ao templo eram as mais edificadas. De acordo com as descrições de época do núcleo urbano, as outras ruas eram ocupadas por pequenos ranchos onde se realizava o cultivo de alimentos. A
própria toponímia indicava esta situação (como por exemplo pela existência da rua da
Horta),
além de outros usos (rua das Lavadeiras, por exemplo).
Pela mesma planta de 1815 se pode verificar que a cidade pouco se desenvolveu na direção leste, com suas ruas pouco ocupadas na etapa inicial.
Um dos relatos mais famosos sobre Pelotas no século passado foi o realizado pelo viajante francês Auguste de Saint-Hilaire, que com a assistência de um dos principais proprietários da cidade, Antonio Gonçalves Chaves, conheceu a cidade em detalhe em 1820 e descreveu-a desta maneira:
Situada em uma vasta planície, foi eregida a
sede da paróquia e conta com mais de cem casas. Se adotou um plano regular na
construção da aldeia. As ruas são bem largas e alineadas; a
praça pública onde está construída a Igleja é
pequena, porém mui bonita. A frente da maior parte das casas é asseada. Não se vê em São Francisco de Paula um único casebre, tudo aqui denuncia bem-estar. Na verdade as casas somente têm um pavimento, porém estão muito bem construídas,
cobertas de telhas e guarnecidas de vidros (Saint-Hilaire,1974:82).
Em 1825 mediante doação do governo provincial para a Freguesia de São Francisco
de Paula se criou o Logradouro
Público da Tablada.
Tratava-se de um vasto terreno (1.428,8 hectares) situado ao
norte
da cidade no qual o gado da Campanha era agrupado para ser
comercializado. A feira da Tablada, que foi situada na porção mais ao sul do terreno, ou
seja, mais próxima do núcleo da cidade, era uma ampla praça que concentrava as relações de compra e venta
do
gado, que
envolviam estancieros (criadores)
e
charqueadores (produtores de carne salgada).
A estrutura da Tablada correspondia ao que Randle chama de “remate-feira”, o local de compra e
venda
do gado pampeano. Sua implantação teve diversas repercussões no desenvolvimento da cidade, fomentando o crescimento das atividades comerciais e de serviços, uma
vez que
proprietarios
e peões, depois
de
realizarem
seus
negócios e seus
trabalhos, buscavam a cidade para a compra de bens e
mercadorias, assim como para diversão. Nas décadas posteriores, a Tablada exerceria a função de
atração do crescimento da cidade na direção norte, atuando simultaneamente como estruturante do espaço urbano, pois as estradas que ligavam a área ao núcleo central e às áreas produtoras de charque se transformaram em vias urbanas importantes.
Os negócios
efetuados na Tablada impulsionaram as
atividades produtivas,
tanto rurais, como urbanas. O já citado estudo de Gutiérrez aborda a combinação, no espaço produtivo das charqueadas, através da
utilização da
força de trabalho escrava, da atividade de
produção de charque (que era exercida nos meses estivais) com a produção de ladrilhos e telhas (nos meses sem tarefas com o gado). Esta relação complementaria repercutia no
espaço urbano, pois produzia uma ampla disponibilidade de materiais para a construção civil
à baixo custo, que
servia como alternativa de investimento urbano dos grandes proprietários.
Desta maneira não é
difícil considerar como bastante fiéis à
realidade os relatos dos viajantes sobre o bom aspecto e a pujança das casas na cidade de Pelotas.
Os posteriores loteamentos que ampliaram a cidade mantiveram o
mesmo estilo de traçado em tabuleiro de xadrez, racional, reticulado, heterogêneo (pois as quadras não eram todas a mesma dimensão), com predomínio da
quadrícula sobre os retângulos. Tal traçado manifestava uma nítida
diferenciação com
a
típica
cidade
colonial brasileira,
de origem
portuguesa,
que apresentava sobretudo um traçado irregular, de ruas estreitas e
tortuosas. Sem embargo, como aponta a citada tese de Yunes, o modelo quadriculado foi predominante no estado do Rio Grande do Sul, con exceção da cidade de
Rio Grande, primeiro núcleo urbano gaúcho,
implantado em 1737, ou seja, em data anterior à provisão real de povoações.
As novas ruas
traçadas
eram
mais
largas que
as do núcleo primitivo e a cidade experimentou um cambio na direção de sua expansão se tornando mais extensa no sentido norte- sul. Houve
a hierarquização
das
ruas: as longitudinais
- alargadas
em direção
ao sul, até as margens
do São Gonçalo - passaram a ser as ruas principais; as de
sentido leste-oeste foram consideradas como transversais e não se produziu a ampliação de seu traçado, mas a cidade ganhou mais 16 ruas nesta direção. A cidade se organizou então em 23 ruas transversais e 12 ruas longitudinais (principais),
com um total de 35 ruas e 142 quadras, das quais 40 somente estavam somente delimitadas, sem ocupação.
O lugar designado à nova praça central, para qual se trasladaria a
Igreja Matriz era novamente o ponto mais proeminente do sitio urbano e a rua de São Miguel assumia o papel de rua principal, pois além de ser a de maior extensão, cruzando a cidade de norte à sul, estava situada na cúspide do sitio urbano, seguindo todo o divisor de águas das bacias do Santa Bárbara e do Arroio Pelotas. Não é por acaso que a igreja projetada tería sua porta principal para esta rua.
Foram planejados
e demarcados
os espaços
para as futuras praças
(um total de cinco) e
se produziu uma nova centralidade urbana na cidade. Ao redor da nova praça da matriz se construiram
a Câmara Municipal
- o principal órgão político-administrativo do município-, o Teatro 7 de Abril e se demarcou o terreno para a nova igreja matriz, que, contudo, nunca seria construída nesse local. As ruas de conexão entre o centro antigo e o novo centro foram as que mais se desenvolveram, entre elas as ruas das Flores, São Miguel, da Igreja e do Comércio, como se pode observar na planta da cidade de 1835.
Nesta planta estão delineados os seguintes equipamentos: a
nova praça da Matriz e demais praças projetadas, o cemitério, o quartel, o presídio, o terreno destinado ao hospital e
uma
nova ponte que seria construída sobre o arroio Santa Bárbara.
A planta indica também as ruas já ocupadas e aquelas que estavam apenas em projeto. Assinala, ademais, os pontos já edificados do núcleo urbano, o que, realizando uma comparação com a planta anterior, nos permite deduzir
que a cidade consolidava seu núcleo com maior densidade de construções entre as duas praças principais e se extendia com mais velocidade em direção ao sul, para as margens do São Gonçalo. Provavelmente, o plano de construção de um hospital (que foi inaugurado em 1857), a
presença do cais e o projeto de construção do porto nesta área valorizavam-a e atraíram novos habitantes.
Nicolau Dreys,
viajante que esteve em Pelotas
em 1839, considerou-a
como uma cidade nova e populosa, além de “exemplo espantoso da rapidez que cresce a população” e o “desenvolvimento da prosperidade no Novo Mundo”. Deixou, incluso, uma das mais significativas descrições da vida social da cidade neste período:
A cidade de Pelotas está levantada num terreno alto que principia na margem esquerda do rio São Gonçalo, e se extende entre os rios Pelotas e Santa Bárbara; seu rápido adiantamento resulta de sua proximidade das charqueadas e,
por conseguinte, do concurso dos charqueadores, homens prósperos e que geralmente adotam
posições
liberais; sua vontade era, de fato, suficiente para operar a transformação que se faz notar: eles quiseram que o lugar prosperasse e o lugar prosperou; cada um
deles
tem ali
sua casa
urbana;
e quando nos domingos ou dias santos, a
população das charqueadas se junta na cidade para assistir o serviço divino e depois se dispersa em visitas recíprocas ou em busca dos tecidos que as lojas ostentam com igual asseio e abundância, é
difícil fazer-se idéia do ambiente de vida e opulência que respira a cidade de Pelotas (Dreys, 1961:116)
Não obstante, também lançou sua mirada aos aspectos formais do centro urbano e
de seu crescimento em direção às povoações periféricas:
As ruas
principais da
cidade de
Pelotas
seguem quase
todas uma direção perpendicular
ao rio São Gonçalo; são
largas e
direitas, com seus
corretos ladrilhos nas paredes das casas: vantagens que compartilha com todas as
vilas recentes do Brasil (...) A cidade parece tender a aproximar-se do rio São Gonçalo e quando chegue a
extender seu caes pela margem daquele rio majestoso, com o qual já está em comunicação pelo porto onde fazem a descarga as embarcações
que lhe são destinadas, e pelo Passo Rico ou Passo dos Negros, que já se pode considerar como um subúrbio, a cidade de Pelotas, que já tomou acento entre as mais asseadamente edificadas do
Brasil, poderá ser contada como uma das mais importantes praças de comércio (Dreys, 1961:117)."
(páginas 04 a 07)
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