terça-feira, 21 de março de 2017

A ocupação da região do Sangradouro da Mirim no século XVIII


Trecho extraído de: GUTIERREZ, Ester J.B. Negros, charqueadas e olarias: um estudo sobre o espaço pelotense. Pelotas/RS: Ed. Universitária/UFPel, 2001, p. 50-52

"Propostas para o Sangradouro da Mirim
No início do último quartel do século XVIII, o engenheiro militar Francisco João Roscio executou um levantamento físico/espacial do Rio Grande, que resultou em três mapas. Acrescentou às cartas uma descrição do território levantado onde relacionou as questões de segurança com os espanhóis e a economia. Chamou o texto de “Compêndio noticioso do Continente do Rio Grande de S. Pedro até o Distrito do Governo de Santa Catarina, extraído dos meus diários, observações, e notícias, que alcancei nas jornadas que fiz ao dito Continente nos anos de 1774, e 1775”. Quanto aos dos campos neutrais informou:

'Nas cabeceiras desse rio [Negro] se encontram também muita quantidade de vaca brava e errante que se avalia em mais de 50.000 cabeças. Cuido que são as sobras das fazendas de portugueses abandonadas na língua de terra entre a lagoa Mirim e a costa do mar por ocasião da guerra e entrada dos castelhanos em 1763.'

Em seguida, fez considerações sobre as vantagens da região da lagoa Mirim sobre a vila de Rio Grande, quanto à segurança e os recursos materiais.

'Toda esta segunda parte do terreno, de que tenho tratado ou campos dobrados é de boa terra e produtivo. Nele se acham diferentes qualidades de madeiras, barros e pedreiras, como costuma suceder em países de semelhante natureza. Os campos altos pela maior parte são limpos de mato: mas as bordaduras dos rios e regatos e alguns vales ou baixadas são emboscados e cobertos de arvoredo como também as faldas e encostas dos montes mais elevados e toda a serra ou cordilheira Geral como já disse.'

O secretário da junta da Fazenda do Rio Grande do Sul de 1775, Sebastião Francisco Bettamio, fez considerações bastante aproximadas das de Roscio. No texto “Notícia particular do Continente do Rio Grande do Sul, segundo o que vi no mesmo Continente, e notícias, que nele alcancei com as Notas, do que parece necessário para o aumento do mesmo Continente, e utilidade da Real Fazenda” , entregue ao vice-rei Luís de Vasconcelos, em 1780, entre muitas observações, sugeriu a mudança para Pelotas, considerando o freqüente sepultamento dos edifícios de Rio Grande pelos combros de areia.

'Sendo a mudança para o campo chamado das Pelotas, onde o terreno é melhor, e tem pedra, há os descontos de ficar distante da barra mais de dez léguas [66km]; e não poder fortificar ou guardar pela parte do campo sem uma numerosa guarnição. É bem verdade que o continente nada o guardará se não for uma paz sólida e permanente [...].'

Sobre esta proposta, fez 29 observações. Entre elas, informou:

'[...] entrando-se pelo sangradouro da Mirim, três ou quatro léguas [19,8 a 26,4km], há muitas e admiráveis rochas de boa pedra, havendo portos de mar que dão lugar à entrada de embarcações grandes, e chegam quase ao pé dos cerros; que ali se transporte a pedra para a vila, [...] uma companhia de cento e cinqüenta ou duzentos índios trabalhadores, e que estes se empreguem de baixo da direção de pessoa inteligente em quebrar e arrancar pedras de toda a qualidade...........................................................................................................................................................................................
9ª.- No mesmo sítio em que se corta pedra, há barro para telha e tijolo, e como na aldeia há índios que sabem fazer estes dois materiais, ................................................................................................................................................
No continente pode-se fazer cal de marisco, tanto em uma caieira que há no sítio de Mostardas, [...] mas bom será fazer-se exames, ou experiência com a pedra das margens do sangradouro, se será boa para cal, e também averiguar se há saibro, ou areia própria para a fábrica de edifícios.[...]
12ª.- Nas mesmas margens do sangradouro da Mirim em pequena distância,
consta-me haverem excelentes madeiras, em cujo corte se podem empregar
alguns índios, [...].'

Estavam relacionadas todas as condições materiais para o desenvolvimento da área. Sobre os campos chamados de S. Gonçalo, das Pelotas, ou do Serro Pelado, disse que só deveriam ser ocupados depois de estar concluída a linha divisória do Tratado de 1777: “[...] e tendo visto praticar pelo contrário, porque não só tem repartido, mas até se tem vendido de um particular a outro a posse por um título que não é, nem podia ser, e tal e qual foi adquirido ainda antes da invasão que os castelhanos fizeram no Rio Grande, em cujo tempo não pertencia à coroa de Portugal aquele terreno.” Era de parecer favorável à instalação das fazendas de gado, desde que as vivendas de seus donos se localizassem dentro do recinto da vila.

Em 1778, Moniz Barreto, em “Observações relativas à agricultura, comércio e navegação do continente do Rio Grande de São Pedro no Brasil”, propôs:

[...] que as terras sejam repartidas de outro modo, diferente do que se havia praticado para que ‘em lugar de haver muitas fazendas grandes, haja muitas pequenas, segundo a força dos agricultores’; identifica ramos do comércio a serem incentivados, como ‘as carnes salgadas que devem ser exportadas a este reino em lugar das que vem da Irlanda’, e o cultivo do linho cânhamo, que dispensaria as importações da Rússia.

Dois anos depois, em 1780, começou a distribuição formal das propriedades. Em relação ao distrito do Serro Pelado, verificou-se que houve coincidência entre as observações dos autores assinalados e as doações de terras, realizadas pela coroa portuguesa. Quanto à região platina, constatou-se que, tanto no caso da aparente gratuidade das concessões portuguesas, como no da venda espanhola, houve a monopolização das terras, por parte dos comerciantes, militares e abastecedores do exército."



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