terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

O contrabando no Rio Grande do Sul no início do século XX



(...)

Mais ainda, senhores: os brasileiros occupam o segundo logar entre os proprietarios estabelecidos justamente nos departamentos da linha da fronteira e suas proximidades, quer do lado de terra, quer dos rios Uruguay e Jaguarão, assim discriminados:

Departamento de Rocha..... 313 proprietarios

Departamento de Paysandú..... 623 proprietarios

Departamento de Salto..... 791 proprietarios

Departamento de Artigas..... 484 proprietarios

Departamento de Rivera..... 1.271 proprietarios

Departamento de Cerro Largo..... 764 proprietarios

Departamento de Taquarembó..... 916 proprietarios

Departamento de Treynta y Trez..... 303 proprietarios

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Total..... 5.465 proprietarios

Convem notar que estes departamentos são justamente aquelles cujas areas juntas representam 108.212 kilometros de superficie total do territorio da Republica Oriental, calculada em 186.925 kilometros quadrados, desprezadas as fracções; isto quer dizer que 5.465 brasileiros são proprietarios na porção mais considerada da campanha oriental, emquanto que nestes mesmos departamentos existem sómente 5.413 proprietarios de vinte nacionalidades diversas.

Nestas condições é facil ter-se uma idéa exacta da importancia da colonia brasileira no Estado Oriental, e por conseguinte o cuidado que requer a confecção de qualquer ajuste commercial, ou de medidas que regulem o transito e a fiscalisação das mercadorias internadas por via de Montevidéo ou importadas na campanha Oriental por via do Rio Grande do Sul.

Tratando-se de contrabando, senhores, não se distingue facilmente nacionalidades na fronteira, a protecção é mutua.

Quando estive ultimamente em Montevideo, referiu-me uma auctoridade oriental, com relação á protecção que gozam os contrabandistas na fronteira, o seguinte caso alli verificado:

Um fiscal aduaneiro da fronteira aprehendeu uma grande partida de fumo em rolo, passado por contrabando vindo do Rio Grande e como tal foi remettido para Montevidéo. Immediatamente a aprehenção foi protestada e documentada a petição de forma a provar-se que o fumo era de producção oriental, embora todos os caracteristicos levassem o fisco a considerar o producto brasileiro contrabandeado.

Eis, porém, que o fiscal aduaneiro de Montevidéo, bem inspirado, mostrou que o fumo tanto era de origem brasileira, que além do mais o páo em que estava o fumo enrolado era de qualidade especial que não existe nas mattas do Rio da Prata, e sim de Minas Geraes, e ainda mais comparando com muitos outros rolos de fumo da mesma qualidade importados do Brasil, pelo porto de Montevidéo, todos tinham as mesmas marcas - "Pomba", "Rio-Novo", "Goyano", etc., etc.

Quando tudo parecia estar concluido e a apprehensão do contrabando julgada boa, eis que apparece um pedido de reconsideração do despacho, em que se procurava demonstrar com documentos officiaes que os páos tinham sido importados do Estado de Minas Geraes, no Brasil, para se enrolar fumo no Estado Oriental!...

Realmente, senhores, este caso mostra que tanto o Brasil como o Estado Oriental são enrolados pelos contrabandistas da fronteira.

A isto dá-se o nome de contrabando legal!!!

Foi por estas e outras informações, senhores, que em data de 2 de maio do anno passado disse ao ministerio das relações exteriores em officio:

"Fumos: Quasi dous terços deste artigo entram por contrabando no Estado Oriental pela fronteira do Brasil.

Para impedia o contrabando tomou-se a providencia de estabelecer-se uma taxa protecionista para fumos do Rio Grande do Sul, com excepção do fumo em corda, que paga muito pouco.

Isto, porém, não impediu que o contrabando continuasse cada vez maior e fossem repellidos do mercado os fumos da Bahia e em proveito unico do fumo do Rio Grande do Sul e dos contrabandistas.

Entendo que a uniformidade das taxas deve ser exigida para abrir-se de novo o mercado oriental para o fumo de todas as procedencias brasileiras."

Senhores, para dizer o que é o contrabando na fronteira do Rio Grande do Sul basta reproduzir nesta occasião o que está registado no relatorio de 1902 do proprio ministerio da Fazenda do Brasil.

Diz o inspector da alfandega do Rio Grande do Sul:

"A receita de importação soffreu sensivel decrescimento no anno que findou, pois, comparada com a do anterior, produziu menos 4.612:105$369.

Esse decrescimento provém de tres causas conhecidas e a que mais attenção carece dos poderes publicos é o contrabando, que ultimamente tem-se desenvolvido na fronteira, prejudicando o commercio licito e concorrendo para o enfraquecimento da arrecadação."

O inspector da alfandega de Uruguayana diz, por sua vez:

"Esta alfandega, pela sua posição na extensa e populosa zona de fronteira, devia apresentar rendimento muitissimo superior ao que tem; mas á medida que são creados elementos de repressão ou prevenção do contrabando, COMPANHIAS DE CONTRABANDISTAS SE ORGANISAM OSTENSIVAMENTE, animadas da mais admiravel audacia, ao ponto de introduzirem nesta cidade importantes contrabandos, escoltados por numerosa força armada que não trepida offerecer lucta quando é descoberta."

Finalmente o inspector da alfandega de Sant'Anna do Livramento informa:

"O contrabando, este terrivel destruidor das rendas da União, continúa a imperar na fronteira, encontrando pouco embaraço em sua marcha.

Vos digo isso com toda a lealdade e franqueza, pois julgo do meu dever não emittir á vossa apreciação.

O governo do Estado oriental é demasiado proteccionista do seu commercio em todos os pontos de vista."

Eis aqui, senhores, em synthese, a exposicção do contrabando na fronteira do Rio Grande do Sul, feita pelos proprios delegados do ministerio da fazenda.

Agora, senhores, estudando como se fazem as operações commerciaes da campanha do Rio Grande do Sul e da banda Oriental, chega-se facilmente a conhecer e este mappa indica que a fronteira não depende commercialmente das praças do littoral, nem a barra do Rio Grande é única arteria importante.

(...)

Fonte: GAZETA DE NOTICIAS (Rio de Janeiro/RJ), 26 de Janeiro de 1903, pág. 02, col. 03-04

 

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