quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Um funeral na Guiné em 1884


"OS FUNERAES NA GUINÉ

Transcrevemos de um jornal portuguez:

<< É excentrico o modo com que nas povoações gentilicas se faz um funeral, a que dão a resignação de choro.

<< Retumbantes tiros de espingarda annunciam o fallecimento de um gentio. Uma enorme eça é logo levantada defronte da porta do fallecido e n'ella depositam o cadaver adornado com as suas melhores alfaias.

<< Continúa o troar dos tiros, e se o defunto estava na flor da idade, o povo cobre-se de lama.

<< No fim de vinte e quatro horas é enterrado o cadaver em um poço que se abre para tal fim.

<< Segue-se um banquete de carne e vinho de palma. As lutas gymnasticas, a bacchanal, a pilheria e a gargalhada concomitante são o frequente enxertamento de taes exequias.

<< Se o findao for mulher, ou velho, então os folguedos, os lautos jantares e as dansas calorosas não têm limites. Amigos e visinhos apresentam-se em ranchos, e, empunhando ramos e bandeiras, ordinariamente feitas de lenços, percorrem as ruas da povoação dansando, cantando e batendo palmas com um estrondo infernal.

<< Eu creio que esses pobres negros exprimem a seu modo a philosophia da vida, como elles a comprehendem; tristeza, se se perde na flor dos annos uma existencia, muitas vezes promettedora, e que podia ser util á sociedade; alegria, se a morte vem ceifar uma vida já cançada e cheia de amarguras, ou inutil á tribu.

<< Na Europa, o costume é chorar sempre pelo morto. Parece-me que os negros da Guiné levam n'isto alguma vantagem sobre os povos civilisados: não são hypocritas.

<< Mostram elles tambem, com taes manifestações, o pouco ou nenhum caso que fazem da vida. O bijagoz, por exemplo, que nunca ouvio fallar de Pythagoras, mas segue a doutrina de transmigração das almas, o ferreo bijagoz degola-se - por dá cá aquella palha - porque diz elle, não morre, e vai incontinenti reviver no corpo de qualquer outro bicho de sua escolha. Se, por exemplo, elle aposta uma corrida de cahor e o parceiro lhe passa adiante, o diacho do homem leva o sabre ou navalha ao grasnete, e... está servido! Eil-o ahi transformado immediatamente em um passaro qualquer, e chegando primeiro á meta desejada!"

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 16 de Maio de 1884, pág. 01, col. 05, pág. 02, col. 01

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