"Antigamente vivia em Norroway uma velha dama que tinha três filhos. Um dia a filha mais velha lhe disse: 'Mamãe, prepare uns bolinhos, pois vou partir em busca do meu destino'.
A dama obedeceu, e a moça ganhou a estrada. Chegando à casa de uma lavadeira bruxa, perguntou-lhe o que fazer para encontrar seu destino. 'Espere na porta dos fundos', respondeu a megera.
A moça assim fez e durante dois dias inteiros esperou inutilmente. Por fim, no terceiro dia, avistou um belo jovem numa carruagem puxada por seis cavalos. 'Eis aí seu destino!', a bruxa falou. A jovem entrou na carruagem feliz da vida.
Na manhã seguinte a filha do meio chegou à casa da lavadeira e esperou na porta dos fundos até surgir na estrada uma carruagem puxada por quatro cavalos, conduzindo um bonito rapaz. 'Eis aí seu destino!', a bruxa lhe disse.
Então a filha caçula pediu à mãe: 'Por favor, prepare uns bolinhos, pois também vou partir em busca de meu destino'. Feito isso, foi à casa da lavadeira e, como suas irmãs, aguardou na porta dos fundos.
No terceiro dia um grande touro desceu a estrada, em meio a uma nuvem de poeira, e parou diante da porta. 'Eis aí seu destino!', a bruxa exclamou. Bem que a moça gritou e chorou, mas teve de montar o touro e partir.
A viagem parecia não ter fim, e em dado momento a jovem avisou: 'Vou desmaiar de fome e de sede!'. O touro lhe explicou que em sua orelha direita encontraria o que comer e em sua orelha esquerda encontraria o que beber. Esperou até ela saciar a fome e a sede e prosseguiu.
Então chegaram a um castelo esplêndido. 'Pertence a meu irmão mais velho', o animal informou. 'Podemos passar a noite aqui'.
O castelão e sua esposa serviram uma lauta refeição à moça, deram-lhes roupas limpas e a acomodaram num amplo aposento. Quanto ao touro, levaram-no a um imenso prado verde, onde poderia pastar à vontade e descansar.
De manhã eles deram à viajante uma maçã, dizendo-lhe que só a mordesse quando se visse na situação mais difícil que alguém poderia enfrentar.
Ao fim do segundo dia de viagem a moça e o touro chegaram a outro castelo. 'Pertence a meu irmão do meio', o animal explicou. 'Podemos passar a noite aqui'.
Pela manhã os castelões deram à jovem uma pêra, recomendando-lhe que só a mordesse quando se visse na situação mais difícil que alguém poderia enfrentar.
Os viajantes seguiram caminho e, ao entardecer do terceiro dia, foram ter a outro castelo, o maior dos três em que haviam pernoitado. 'Meu irmão caçula mora aqui', o touro declarou.
Os anfitriões deram à hóspede uma ameixa, dizendo-lhe que só a mordesse quando se visse na situação mais difícil que alguém poderia enfrentar.
Novamente os viajantes partiram e horas depois chegaram a um vale sombrio e deserto. O touro pôs a moça no chão e falou: 'Agora devo ir enfrentar o diabo. Sente-se naquela pedra e não se mova até eu voltar. Se você se mexer, não poderei encontrá-la. Se tudo a sua volta ficar azul, é porque venci a luta; se ficar vermelho, é porque o diabo me derrotou'.
A jovem sentou na pedra e não moveu um músculo. Muito tempo depois, tudo a seu redor ficou azul, e ela, feliz com a vitória do touro, cruzou as pernas.
Ora, o animal era na verdade o duque de Norroway, que fora condenado a viver como touro até eliminar o diabo. Ele venceu a luta e recuperou sua forma humana, mas, como a moça havia se mexido, não a encontrou ao voltar.
Sozinha, ali, sentada na pedra, a pobre jovem esperou durante muito tempo, chorando de aflição e de medo. Por fim se levantou e partiu, sem saber para onde.
Caminhou, caminhou e foi ter a uma montanha de vidro. Tentou escalá-la, tentou contorná-la, porém não conseguiu. Entrou então na oficina de um ferreiro e lhe pediu que fizesse uns sapatos de ferro para que ela pudesse escalar a montanha. 'Eu faço', o homem respondeu, 'se você me servir durante sete anos'.
Assim, ela trabalhou para o ferreiro e, no final do prazo estabelecido, recebeu os sapatos que queria. No entanto, quando chegou ao topo da montanha, encontrou-se novamente na casa da lavadeira. 'Lave estas camisas', a velha falou, 'e eu a ajudarei a encontrar seu verdadeiro amor'.
A bruxa não lhe contou que as camisas estavam manchadas com o sangue do diabo e pertenciam ao duque de Norroway, que jurara se casar com quem conseguisse limpá-las. A lavadeira e sua filha bem que tentaram remover as manchas, mas não tiveram êxito. A moça, no entanto, deixou as camisas imaculadamente brancas.
Muito satisfeita com o resultado, a megera as entregou ao ilustre hóspede, dizendo-lhe que sua filha as lavara. E ele, fiel à palavra dada, anunciou que se casaria com a autora da façanha.
Quando a moça percebeu que fora vítima de uma trapaça, mordeu a maçã que ganhara no primeiro castelo e descobriu que a fruta continha jóias. Com as preciosas peças na mão, procurou a filha da bruxa e lhe propôs: 'Se você adiar seu casamento por um dia, eu lhe darei estas jóias'. A noiva aceitou o trato, mas sua mãe preparou um sonífero para o duque, e a moça não conseguiu acordá-lo para lhe contar toda a tramoia.
No dia seguinte a jovem mordeu a pêra e encontrou jóias mais esplêndidas que as encerradas na maçã. Novamente as ofereceu à filha da bruxa para que adiasse o casamento, e novamente a megera serviu um sonífero ao hóspede, que dormiu como uma pedra a noite inteira.
No terceiro dia o duque saiu para caçar. Seus amigos lhe contaram que nas últimas duas noites ouviram soluços e suspiros em seu quarto. Ele ficou perplexo, pois nada escutara, mas decidiu prestar atenção.
Enquanto isso a moça mordeu a ameixa e se deparou com riquezas maiores que as contidas na pêra. Mais uma vez as usou para convencer a filha da bruxa a adiar o casamento. Mais uma vez a megera preparou um sonífero para o hóspede, porém ele não o tomou.
Naquela noite, o duque estava cochilando, quando a moça entrou em seu quarto e cantou:
Sete anos de criada servi por você,
A montanha de vidro escalei por você,
As camisas manchadas lavei por você,
Mas só quero que acorde e olhe para mim!
O duque abriu os olhos e, quando soube de tudo o que acontecera, abraçou a amada docemente e lhe prometeu que nunca mais se afastariam um do outro. Estão abraçados até hoje, lá em Norroway, enquanto a bruxa e sua filha sumiram no tempo."
Fonte: PHILIP, Neil. Volta ao mundo em 52 histórias. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005, p. 154-157.
2 comentários:
Por acaso existe algum fime deste conto
Em português não. Também não há nada legendado. Existe um episódio de 1966 da BBC, mas não está no YouTube.
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