sábado, 5 de maio de 2018

O Touro Negro de Norroway


"Antigamente vivia em Norroway uma velha dama que tinha três filhos. Um dia a filha mais velha lhe disse: 'Mamãe, prepare uns bolinhos, pois vou partir em busca do meu destino'.

A dama obedeceu, e a moça ganhou a estrada. Chegando à casa de uma lavadeira bruxa, perguntou-lhe o que fazer para encontrar seu destino. 'Espere na porta dos fundos', respondeu a megera.

A moça assim fez e durante dois dias inteiros esperou inutilmente. Por fim, no terceiro dia, avistou um belo jovem numa carruagem puxada por seis cavalos. 'Eis aí seu destino!', a bruxa falou. A jovem entrou na carruagem feliz da vida.

Na manhã seguinte a filha do meio chegou à casa da lavadeira e esperou na porta dos fundos até surgir na estrada uma carruagem puxada por quatro cavalos, conduzindo um bonito rapaz. 'Eis aí seu destino!', a bruxa lhe disse.

Então a filha caçula pediu à mãe: 'Por favor, prepare uns bolinhos, pois também vou partir em busca de meu destino'. Feito isso, foi à casa da lavadeira e, como suas irmãs, aguardou na porta dos fundos.

No terceiro dia um grande touro desceu a estrada, em meio a uma nuvem de poeira, e parou diante da porta. 'Eis aí seu destino!', a bruxa exclamou. Bem que a moça gritou e chorou, mas teve de montar o touro e partir.

A viagem parecia não ter fim, e em dado momento a jovem avisou: 'Vou desmaiar de fome e de sede!'. O touro lhe explicou que em sua orelha direita encontraria o que comer e em sua orelha esquerda encontraria o que beber. Esperou até ela saciar a fome e a sede e prosseguiu.

Então chegaram a um castelo esplêndido. 'Pertence a meu irmão mais velho', o animal informou. 'Podemos passar a noite aqui'.

O castelão e sua esposa serviram uma lauta refeição à moça, deram-lhes roupas limpas e a acomodaram num amplo aposento. Quanto ao touro, levaram-no a um imenso prado verde, onde poderia pastar à vontade e descansar.

De manhã eles deram à viajante uma maçã, dizendo-lhe que só a mordesse quando se visse na situação mais difícil que alguém poderia enfrentar.

Ao fim do segundo dia de viagem a moça e o touro chegaram a outro castelo. 'Pertence a meu irmão do meio', o animal explicou. 'Podemos passar a noite aqui'.

Pela manhã os castelões deram à jovem uma pêra, recomendando-lhe que só a mordesse quando se visse na situação mais difícil que alguém poderia enfrentar.

Os viajantes seguiram caminho e, ao entardecer do terceiro dia, foram ter a outro castelo, o maior dos três em que haviam pernoitado. 'Meu irmão caçula mora aqui', o touro declarou.

Os anfitriões deram à hóspede uma ameixa, dizendo-lhe que só a mordesse quando se visse na situação mais difícil que alguém poderia enfrentar.

Novamente os viajantes partiram e horas depois chegaram a um vale sombrio e deserto. O touro pôs a moça no chão e falou: 'Agora devo ir enfrentar o diabo. Sente-se naquela pedra e não se mova até eu voltar. Se você se mexer, não poderei encontrá-la. Se tudo a sua volta ficar azul, é porque venci a luta; se ficar vermelho, é porque o diabo me derrotou'.

A jovem sentou na pedra e não moveu um músculo. Muito tempo depois, tudo a seu redor ficou azul, e ela, feliz com a vitória do touro, cruzou as pernas.

Ora, o animal era na verdade o duque de Norroway, que fora condenado a viver como touro até eliminar o diabo. Ele venceu a luta e recuperou sua forma humana, mas, como a moça havia se mexido, não a encontrou ao voltar.

Sozinha, ali, sentada na pedra, a pobre jovem esperou durante muito tempo, chorando de aflição e de medo. Por fim se levantou e partiu, sem saber para onde.

Caminhou, caminhou e foi ter a uma montanha de vidro. Tentou escalá-la, tentou contorná-la, porém não conseguiu. Entrou então na oficina de um ferreiro e lhe pediu que fizesse uns sapatos de ferro para que ela pudesse escalar a montanha. 'Eu faço', o homem respondeu, 'se você me servir durante sete anos'.

Assim, ela trabalhou para o ferreiro e, no final do prazo estabelecido, recebeu os sapatos que queria. No entanto, quando chegou ao topo da montanha, encontrou-se novamente na casa da lavadeira. 'Lave estas camisas', a velha falou, 'e eu a ajudarei a encontrar seu verdadeiro amor'.

A bruxa não lhe contou que as camisas estavam manchadas com o sangue do diabo e pertenciam ao duque de Norroway, que jurara se casar com quem conseguisse limpá-las. A lavadeira e sua filha bem que tentaram remover as manchas, mas não tiveram êxito. A moça, no entanto, deixou as camisas imaculadamente brancas.

Muito satisfeita com o resultado, a megera as entregou ao ilustre hóspede, dizendo-lhe que sua filha as lavara. E ele, fiel à palavra dada, anunciou que se casaria com a autora da façanha.

Quando a moça percebeu que fora vítima de uma trapaça, mordeu a maçã que ganhara no primeiro castelo e descobriu que a fruta continha jóias. Com as preciosas peças na mão, procurou a filha da bruxa e lhe propôs: 'Se você adiar seu casamento por um dia, eu lhe darei estas jóias'. A noiva aceitou o trato, mas sua mãe preparou um sonífero para o duque, e a moça não conseguiu acordá-lo para lhe contar toda a tramoia.

No dia seguinte a jovem mordeu a pêra e encontrou jóias mais esplêndidas que as encerradas na maçã. Novamente as ofereceu à filha da bruxa para que adiasse o casamento, e novamente a megera serviu um sonífero ao hóspede, que dormiu como uma pedra a noite inteira.

No terceiro dia o duque saiu para caçar. Seus amigos lhe contaram que nas últimas duas noites ouviram soluços e suspiros em seu quarto. Ele ficou perplexo, pois nada escutara, mas decidiu prestar atenção.

Enquanto isso a moça mordeu a ameixa e se deparou com riquezas maiores que as contidas na pêra. Mais uma vez as usou para convencer a filha da bruxa a adiar o casamento. Mais uma vez a megera preparou um sonífero para o hóspede, porém ele não o tomou.

Naquela noite, o duque estava cochilando, quando a moça entrou em seu quarto e cantou:

Sete anos de criada servi por você,
A montanha de vidro escalei por você,
As camisas manchadas lavei por você, 
Mas só quero que acorde e olhe para mim!

O duque abriu os olhos e, quando soube de tudo o que acontecera, abraçou a amada docemente e lhe prometeu que nunca mais se afastariam um do outro. Estão abraçados até hoje, lá em Norroway, enquanto a bruxa e sua filha sumiram no tempo."

Fonte: PHILIP, Neil. Volta ao mundo em 52 histórias. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005, p. 154-157.

2 comentários:

Unknown disse...

Por acaso existe algum fime deste conto

Joaquim Dias disse...

Em português não. Também não há nada legendado. Existe um episódio de 1966 da BBC, mas não está no YouTube.

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