A proposito das linhas que, recentemente publicamos, com relação ao elevados preços - mais que elevados, escandalosos - por que no mercado de Porto Alegre, se vendem as fructas e as passas de fructas originarias do Estado, recebemos de Pelotas a extensa carta que abaixo reproduzimos, em todos os seus detalhes:
<<Illustre sr. redactor da Federação - Porto Alegre.
Foi ha dias a proposito das viagens do vapor Salacia destinado ao transporte de peixe, fructas e legumes, publicado nesse jornal um escripto sobre o commercio de fructas, com considerações que exigem informações, que podem dar pessôas mettidas em chacaras, como eu.
Não alcancei o tempo em que, como refere o escripto, <a nossa producção de laranjas, uvas, maçãs, peras, melancias e melões, não só abastecia fartamente o Estado, como ainda chegava para exportar para o RIo em grande escala, originariamente, e sob a fórma de conservas e doces, que tinham ali alta cotação e davam resultados renumerativos>.
Modernamente testemunho: o mercado de Pelotas, e certamente todos os do sul do Estado, são dessas fructas e de outras mais como ameixas, marmellos, kakis e pecegos verdadeiramente inundados com enjôo da população, que farta e aborrecida de tanta fructa, já não quer nem vel-a, quanto mais compral-a!
Alguns chacareiros não sabendo como tirar proveito de tamanha producção, tractaram de experimentar a industria de compotas, passas, e semelhantes. Não encontrando procura, por sua conta expediram para o norte a consignação.
O resultado que tiveram, não os aconselhou a persistirem na experiencia. São poucos os que continuam esse fabrico, sujeitando-se com resignação a todos os seus precalços, porque não podem se livrar das chacaras, e são constrangidos e envidar esforços a vêr se conseguem costeal-as á custa dellas. Até agora os resultados não são de encorajar ninguem.
A produção de pecegos deste ano póde se até classificar aqui em Pelotas como uma calamidade que a tanto pobre cultivador prejudicou, fazendo perder pelas ruas da cidade pelo menos o tempo que podia descançar percorrendo-a de norte a sul, de leste a oeste, com a carreta carregada de fructas, sob os rigores do sol no mormaço do verão, com os bois despilhados nas pedras do calçamento ou os caballos abombados do pezo que arrastaram pelos deslives e repechos da serra, não encontrando na praça quem por qualquer preço lhes quizesse os pecegos.
Felizes foram muitos que puderam obter 200 réis pelo cento. Outros para mais leves voltarem á casa tiveram de varejar ao Santa Bárbara a carga incommodativa. Na estação do Capão do Leão, crivada de chacaras, todos os veranistas viram debaixo dos pecegueiros a fructa estivada, apodrecendo ao sol, porque nem valia a pena juntal-a para a dar a porcos.
Não resta duvida que a nossa laranja não póde competir com a do Rio ou a da Bahia, nem como a de nenhum outro Estado do Norte, a partir já de Santa Catharina: porém a culpa é mais da naturesa do terreno e do clima, que do cultivador, que quem lida com elle vê: esforça-se por conseguir genero apresentavel.
Pelos mesmos motivos a competencia com o Rio da Prata, extraordinariamente favorecido por condições naturaes, tem se de reconhecer difficil se não se quizer confessar impossivel.
Outro topico diz: <<O pecego, que era tambem fructa abundantissima entre nós e da qual hoje só se veem raros exemplares, custa convertido em conservas seccas 8$000 e 10$000 o kilo, e em calda 1$200 em latas de seis ou oito pedacinhos homeopathicos>>.
Penso dizer mesmo que entre outros, a <<Quinta Bom Retiro>> aqui estabelecida, tem introduzido e disseminado todas as novidades já obtidas e que se vão se conseguindo nos centros productores, e que muitas já aclimadas, estão em franca producção: não deverei occultar porém, que todos, inclusive os proprietarios daquella quinta, só trabalham em pura perda, e botam fóra ali, o dinheiro ganho no exercicio de outro ramo de actividade mais remuneradora.
A pasa que, pelo que com surpresa li, vale ahi de 8 a 10$000 rs., com difficuldade aqui consegue ser vendida a 2$000 o kilo, por gente, que preparando-a com todo o capricho no lugar denominado Santo Amor, perde dias pelas ruas desta cidade offerecendo-a de porta em porta com toda a humildade, de quem anda mendigando.
A tal compota se comporta ainda peior: é quasi repellida a páo.
Quando o dono não se decide a comel-a, empurra para longe a um commissario que seincumbe em alguma das praças do Norte de vendel-a aos melhores preços que possa alcançar.
Às cançadas surde, quando já nem mais se pensa, uma conta de venda em que foi cotada a 500 réis a lata.
Não foi máo o preço para 8 ou 10 pedacinhos homeopathicos!
No emtanto muitos productores ha, cujos nomes não vêm no cazo, que resabiados da especulação, retiraram-se ás encolhas, e contemplam agora touradas de palanque.
Desanimaram por preguiça?
Vejamos.
Para fazer a compota, deixando o industrial de parte, que muita cousa consegue quasi de graça, o chacareiro que não obteve cotação para a fructa, trata de arrumar uma pequena installação. Torna-se-lhe preciso adquirir tachos para calda, baldes para agua, vasilhas para pôr a fructa de molho, taboleiros, panellão a proposito com correntes de suspensão para banho-maria, machina de descarcar e de descaroçar e ainda muita ferramenta miuda.
Na acquisição da fructa não pensa porque é justamente o que elle tem barato, porque não vale nada, nem o trabalho de leval-a ao mercado, - está em casa com a agua do arroio da Cacimba. Se não tem matto abundante, como succede, ha que comprar lenha ou carvão para o fogo que por muitos dias atiça desde a manhã até a noite. De assucartem de fazer ampla provisão pelos amaveis preços que os armazeneiros lhe impõem.
É só trabalhar agora. Então para colher a fructa, carregal-a para a modesta fabrica, estendel-a, descascal-a, descaroçal-a, partil-a, mettel-a na lata, cobril-a de calda, soldar latas, dar o banho-maria, retirar as latas da agua, pôl-as a refrescar, recolhel-as a deposito, é indispensavel tomar algum empregado, que não dispensa salario. Está o fabricante em época de pleno dispendio.
E não dispende só nisso. A lata que lhe custava 120 rs. cada uma, ainda agora lhe custa 90 e quando Deus quer, e o funileiro acorda, 100 réis, a solda inclusive serviço do soldador 40 réis, o rotulo 30 réis, o sello 50 réis, a caixa para cem latas 2$400, o papel para forrar a caixa e embrulhar cada lata de 5$000 a 8$000, a resma, conforme é mas ou menos fino.
A despesa continúa. Quer embarcar, paga corretos para o porto, paga o despacho e paga o despachante, paga imposto de exportação, paga o frete ao vapor e ainda no porto de desembarque até a cada do commissario, mais graudos que os de cá.
Além da fructa que representa trabalho e esforço em producção sem valor, cada lata contem tambem o assucar que custou bons vintens. No Rio, em S. Paulo, onde quer que consegue vender a razão de 60$000 a caixa, como é vulgar succeder, ainda tem commissão de venda a pagar no consignatario e de passe do dinheiro apurado, julgando-se feliz se não lhe descobriram outras despezas a fazer por lá.
Se apurou para o assucar, latas, soldas, piães, carretos e fretes, despachos e impostos, rotulos, sellos e encaixotamento e commissões, já teve sorte, conta-se feliz.
Alguns ha, que foram uma vez a Cascaes e nunca mais!
Meditam o escripto que me occupa e leem com enlevo o periodo: <<Não ha perspectiva mais risonha>>.
Se o taverneiro vende a compota a 1$200 a lata, segue-se que ella deixa apreciavel lucro, que na forma do costume, ao productor não toca. Nós, como famulos do commercio que somos, continuamos a trabalhar exclusivamente para elle, neste como em qualquer outro, abundando a offerta sem haver a minima procura, e impossibilitada a venda directa, atulhados aqui os depositos, com todas as sahidas fechadas.
Se o consumidor pudesse comprar ao productor, sem a ganancia dos intermediarios de permeio, se o assucar, a lata, a solda, o rotulo, a caixa, o fisco, não andassem todos pela hora da morte, esta industria quitandeira poderia ainda animar-se e dar valor á terra, fraca para a criação bovina, que é ainda fóra do commercio, a unica cousa que serve.
Então vendendo bem barato, talvez encontrasse sahida para a producção, e um lucro razoavel animalo-ia a trabalhar em mais vasta escala, certo como ia de que não empregava esforço em pura perda.
É certo que ha fabricas, aqui e no Rio Grande que adquirem, que consomem a rastros de barato, uma parte da producção pomologica destes arredores: mas se ellas enriquecem a dois ou mais individuos, os que as abastecem do resultado do seu trabalho, tão escasso proveito tiram, que não chegaram a poder trocar o tamanco pela botina nos dias de festa. A camisa ainda é de riscado que compram.
Estas informações que julguei dever prestar-lhe, porque ouvida bocca de modesto cultivador, o digno redactor, pela esphera da sociedade que frequenta a convivencia mundana que mantem, não está habituado a receber, alongam-se por demais e devo terminar. Peço-lhe desculpa do precioso tempo que roubei-lhe com esta importunação e despeço-me, desejando todas as venturas e prosperidades de que é digno.
21 de 10bro.909. - Do co-relo.amar.sinco. - A. Costa>>.
Alegra-nos, sobremodo, que as palavras da Federação tenham encontrado echo em pessoa, que, pela maneira como discute a questão, parece ser nella muito entendida.
É isso signal de que o assumpto reveste interesse publico e pode ser encaminhado para uma solução que a todos satisfaça.
Antes de mais nada, devemos dizer ao missivista que o nosso articulado referente ao commercio de fructas dizia respeito em particular, á praça de Porto Alegre e, mostrando a carestia em que por aqui ellas andam, era justamente nosso intuito despertar a attenção dos cultivadores para o nosso mercado, e induzil-os a tentar a exportação para cá.
Da carta acima vemos que tinhamos toda a rasão em iniciar campanha a esse respeito.
Vae ver o nosso missivista quaes os preços phantasticos a que atingiram as fructas nos ultimos dias de festa, quer nas bancas do mercado publico, quer nas confeitarias e armazens de especialidades.
E os preços que abaixo indicamos não os obtivemos de informadores officiosos, mas nos proprios lugares onde taes artigos estão expostos á venda e qualquer um póde verificar:
Maçãs de S. Francisco, de 300 a 500 rs., uma.
Nacionaes 200 a 300 rs.
Figos, um, 300 rs.
Damascos, do tamanho de nozes, um, 100 rs.
Ameixas do Pará, cultivadas aqui, 300 a 500 rs.
Abacaxi 1$000 a 2$500.
Pêras cultivadas aqui, de 300 a 500 rs.
Passas de pecego, caixas pequenas 6$000, maiores 10$000 e 12$000, de pecegos maracotões, com quatorze ou quinze pecegos, no maximo.
Em uma das confeitarias acima nos foram mostradas pêras vindas do Rio Grande na ultima viagem do Salacia, que iriam sahir ao comprador em primeira mão a 300 rs. cada uma, ainda mal desenvolvidas.
Diante desses preços, que em nenhuma parte do mundo se paga por fructa congenere, no estado de inferioridade em que é costume apresentarem-n'a aqui, temos sobrada razão em aconselhar aos cultivadores do littoral o mesmo de Jaguarão a tentarem explorar esse commercio.
Se em Pelotas e Rio Grande existe a fartura a que allude o nosso missivista, a tentativa impôe-se, ao menos como medida preparatoria para exploração mais ampla no futuro.
Com isso darão vasão aos seus productos e contribuirão para o barateamento das fructas entre nós, principalmente logo que o publico verifique a excellencia do artigo sobre o que por aqui ha presentemente, accessivel ainda sómente a bolsa de gente rica.
Os mercadores de fructas fazem uns calculos que, afinal, degeneram em circulo vicioso: pedem por ellas preços extravagantes a pretexto de que as pagam caro e ficam muitas podres; e o publico deixa de compral-as por serem carissimas e, quando barateiam,... porque estão podres.
Quanto ás fructas em passas, especialmente os pecegos, podemos garantir que os armazena de especialidades as vendem aqui como de Pelotas aos preços já marcados e o modo de barateal-as seria vendel-as a granel acondicionadas summariamente em grandes caixas, como nol-as mandam de Portugal.
Em summa, a nossa iniciativa tratando do assumpto, foi despertar, para elle a attenção dos nossos cultivadores, afim de que se entreguem, no caso, a um trabalho systematico e constante, que, se não der lucros immediatos, ha de dal-os forçosamente n'um futuro muito proximo."
Fonte: A FEDERAÇÃO (RS), 04 de Janeiro de 1910, pág. 01, col.03-05
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