Eleições municipais de 1988 em Pelotas, numa época em que ainda não existia segundo turno, os meios de comunicação como jornais impressos e rádios cobriam com interesse os desdobramentos do pleito. Na ocasião, uma conhecida rádio local tinha vários programas e radialistas que abordavam o assunto, desde semanas antes do dia das eleições, projetando cenários de disputa e debatendo sobre o potencial dos candidatos. Até aí tudo normal.
O dia das eleições naquela época acontecia no dia 15 de Novembro, feriado que cairia numa terça-feira naquele ano. No domingo anterior a eleição, à noite, um conhecido programa de debates da citada rádio reuniu vários radialistas da empresa que abordavam como assunto principal a eleição municipal. De acordo com as pesquisas anunciadas na televisão, despontavam como favoritos à cadeira do paço municipal o candidato do PDS, Adolfo Fetter Júnior, e o candidato do PMDB, Irajá Andara Rodrigues. Analisando as possibilidades de cada um, o jornalista Humberto Campos (nome fictício) lembra rapidamente à mesa que o terceiro colocado nas pesquisas, Anselmo Rodrigues (PDT) não podia deixar de ser considerado também como um nome com certa força. Cita, entre outras coisas, ter presenciado uma boa aceitação do candidato trabalhista nas vilas mais pobres. Conciliador, o âncora do programa, Rui Souza (nome fictício), elogia a lembrança do colega de profissão e ainda ressalva que realmente o resultado das urnas só será conhecido de fato após a apuração final. Neste momento, Chico Müller (outro nome fictício), claramente identificado com o candidato do PDS, ironiza a fala do colega e inicia-se uma discussão. Outros dois e três que estavam na sala entram no debate e o programa tem que ser interrompido por um preocupado Rui Souza - extremamente zeloso em manter o nível do programa.
Entram os comerciais e na sala de debates da rádio, os comunicadores ainda resmungavam suas divergências, e sem querer o microfone é aberto. Entre um palavreado aleatório, o irritado Chico Müller solta uma expressão bem chula que vai ao ar:
- Se o Anselmo for eleito, eu dou meu c* para o Camarguinho no dia seguinte!
Camarguinho (nome fictício) era um mendigo negro que vivia nos arredores e muito costumeiramente ia à porta da rádio para receber refeições e roupas (aqui e ali, também uma cachacinha), o que os radialistas e funcionários davam sem problema. Não tinha uma personalidade violenta e era infelizmente muito mais um "pobre coitado". Inclusive, em inúmeras ocasiões, davam-lhe banho também e faziam-lhe a barba. Foi nessas ocasiões de asseio pessoal, que muitos da rádio conheceram um aspecto peculiar da anatomia de Camarguinho: um descomunal órgão genital. A história virou brincadeira jocosa entre os funcionários da rádio que gozavam um a outro com expressões como "cuidado com o Camarguinho", "o Camarguinho vai te pegar", "tás esperando para dar banho no Camarguinho", etc.
Após essa explicação, os leitores compreendem que o Chico Müller havia feito um desafio que beirava ao absurdo porque, em sua mente, Anselmo Rodrigues era carta fora do baralho. Ou seja, ou ganharia seu preferido, Fetter Júnior, ou venceria Irajá Rodrigues, o principal rival.
Mas, voltemos ao fato acontecido no programa. Após a gafe cometida por Müller, um envergonhado Rui Souza faz de conta que nada foi falado e tenta dar um ar sério ao debate. O programa segue até seu final, mas a infeliz fala de Chico Müller fica registrada na memória auditiva de muitos ouvintes em toda a Pelotas.
Chega o dia da eleição, a rádio faz a cobertura do pleito. Vem o momento da apuração que, naquela época, ainda com a votação em cédula de papel, acontecia somente no outro dia, era manual e os boletins parciais eram anunciados bem mais vagarosamente ao longo do dia. As rádios locais geravam a atenção dos ouvintes desde às oito horas da manhã até o fim da tarde e sempre com muita expectativa: "estão chegando as urnas da colônia!", "começaram a apurar as urnas das Três Vendas", "agora são urnas do Fragata e Guabiroba", e assim ia durante todo o dia. Cada parcial era acompanhada com muito interesse: "Fulano de Tal está na frente", "Beltrano está encostando", etc.
No fim da apuração das eleições municipais de Pelotas de 1988, o resultado é peremptório: o terceiro colocado nas pesquisas eleitorais, Anselmo Rodrigues, do PDT, surpreende e vence a eleição. Na rádio anunciam o resultado final e os vereadores eleitos, ainda à noitinha daquele dia. Chico Müller não estava no momento.
No outro dia, a rádio está em sua rotina normal e o Chico Müller inicia seu trabalho diário apresentando um programa a partir das dez horas da manhã em que abordava problemas da comunidade, recebia convidados e informava notícias dos bairros. Não deu outra! O programa começa e os telefones da rádio não param. Vários ouvintes da rádio, eleitores de Anselmo Rodrigues, entram no ar e soltam a pérola para o inconformado Chico:
- E o Camarguinho, Chico!? E o Camarguinho? O Camarguinho te mandou um abraço, hein, Chico! - entre outras provocações.
Foi o último programa de Chico Müller na rádio durante um bom tempo (parece que voltaria cerca de um ano depois a ter um programa no ar). A diretoria da rádio resolveu prudentemente transferir Chico Müller para a redação. Para não gerar mais problema. A aposta? Obviamente não foi paga, mas foi motivo de muita gozação nos corredores da rádio durante um bom tempo.
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