Mecanismo essencial na vinculação do sistema colonial à economia de um mundo em desenvolvimento era o comércio anglo-português. Pelo tratado de Methuen de 1703 os produtos de lã, britânicos, entravam em Lisboa e Porto isentos de tributos e, em troca, os vinhos portugueses recebiam privilégios no mercado inglês. Na primeira metade do século XVIII o intercâmbio foi muito favorável à Inglaterra, sendo altos os lucros individuais. Tecidos de lã constituíam dois terços do total das exportações inglesas e de 1756-60 o vinho do Porto representou, em valor, 72% de todo o consumo de vinho da Inglaterra. Desde o início da década de 1730 o grande influxo de ouro e diamantes exagerara o desequilíbrio do intercâmbio anglo-lusitano. Os déficits podiam ser compensados e a aquisição de produtos estrangeiros era facilitada pela saída de ouro que, como observou Henry Feilding, "Portugal distribuía tão liberalmente para a Europa".
Na primeira metade do século XVIII somente a Holanda e a Alemanha sobrepujavam Portugal como consumidores das exportações inglesas, e apenas nos momentos mais críticos da Guerra dos Sete Anos os navios britânicos no porto de Lisboa ficaram aquém de 50% do total. O valor do intercâmbio português era óbvio e bem conhecido: "Com este tratado ganhamos maior saldo de Portugal do que de qualquer outro país", escreveu Charles King. Havia quem visse menos favoravelmente tal relacionamento: o terremoto de Lisboa de 1755 poderia ser transformado em vantagem, proclamava o panfletário Ange Goudar, desde que Portugal aproveitasse a oportunidade para romper vínculo rapace com a Inglaterra. O embaixador francês Choiseul escreveu, rudemente, cinco anos depois: "Portugal tem de ser considerado como uma colônia inglesa".
A facilidade com que o ouro em barras podia ser carregado pelos navios de guerra ingleses e pelos correios de Falmouth baseava-se na longa tradição do comércio britânico com Portugal. As feitorias ou comunidades comerciais inglesas de Lisboa e Porto tinham posição legal e privilegiada desde o século XVII. O tratado de 1654 assegurava aos ingleses não só as "mesmas liberdades e privilégios e isenções do comércio português metropolitano e colonial" como garantia tolerância religiosa e, por um artigo secreto, proibia a majoração das tarifas aduaneiras sobre os produtos britânicos além de 23%. Uma parte do tratado sempre foi letra morta, especialmente relacionada com a presença de comerciantes ingleses nas possessões portuguesas, mas o tratado de 1654 e os que vieram depois proporcionaram um ambiente favorável à criação de um estado de dependência semicolonial que caracterizou as relações do país com seu aliado do norte, no século XVIII. Em 1750 a feitoria contava com muitas velhas empresas britânicas influentes e há muito estabelecidas: entre elas a Bristow, Ward and Co., os agentes de John Bristow de Londres; a Burrel, Ducket and Hardy, agentes de Burrel and Raymond, Chase, Wilson and Co., agentes de T. Chase. "Ricos e opulentos, vendo a cada dia suas fortunas e interesses aumentarem, residiam em Lisboa um grande número de súditos de Sua Majestade", segundo comentário de Lord Tyrawly quando em missão especial em Portugal. "É um dito popular dos nativos", afirmou Costigan, "que, salvo pessoas das mais baixas camadas, não há ninguém nas ruas nas horas mais quentes do sol além dos cães e dos ingleses".
O ouro brasileiro não era o único vínculo entre os britânicos e o complexo colonial. "As cazas de negocio inglezas, associadas com outras estabelecidas na Grã-Bretanha e á imitação dellas outras muitas das differentes Nações da Europa encheu-se Portugal por estes canaes de manufacturas Estrangeiras, e com ellas e o grande cabedal que igualmente destinarão ao trafico deste Reino, se fizerão absolutas Senhora de todo o nosso Commercio assim interior como do Brasil", comentava um contemporâneo. "Poucos ou rarissimos forão os Negociantes Portuguezes em estado de negocear com os seus proprios fundos; nenhum com fazendas que não fossem estrangeiras. Todo o commercio do Brasil se fez a credito, e a maior parte delle por caixeiros das proprias Cazas Estrangeiras, e por commissarios volantes que levavão de Portugal para a America as Fazendas, e ali as vendião e negoceavão por conta dos mesmos Estrangeiros, recebendo uma simples commissão do seu trabalho ou alguma gratificação mais, quando fazião milhor a utilidade dos originarios senhores das mesmas fazendas".
Os "comissários volantes" - comerciantes portugueses itinerantes - compravam mercadorias na metrópole e vendiam-nas, pessoalmente, na América, recomeçando o processo. Eram um elemento essencial das conexões comerciais transatlânticas. Viajavam com falsos pretextos, levando a mercadoria em suas acomodações de bordo, com o que evitavam as despesas de frete, comissões e armazenagens.
Uma grande percentagem dos produtos ingleses exportados para o Brasil, via Portugal, iam diretamente para as colônias espanholas como contrabando. O resultado era importante, pois o funcionamento do sistema no máximo de sua prosperidade proporcionava prata à Inglaterra: vital para o comércio inglês na Ásia.
Fonte: MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil - Portugal, 1705-1808. São Paulo: Paz e Terra, 2001, 5a. ed., pág. 25-27.
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