quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Colônia Nossa Senhora da Piedade


"A COLONIA DE N. S. DA PIEDADE

Esta colonia compõe-se exclusivamente dos ex-escravos da fallecida condessa do Rio-Novo, que os deixou livres e deu-lhes condicionalmente (*) as terras de sua fazenda de Cantagallo, em Entre-Rios, no municipio da Parahyba do Sul, para serem divididas entre elles, ao mesmo tempo, que deixou a Irmandade de N. S. da Piedade, cuja sede se acha na Parahyba do Sul, outras porções de terras e os edificios principaes do estabelecimento e todos os instrumentos destinados ao beneficio ou tratamento industrial dos productos da lavoura, com a condição de ahi serem sempre beneficiados os productos dos colonos, mediante meação de café que deve ser todo ahi beneficiado. É das terras legadas á irmandade, e não das da colonia dos libertos, que trataremos, nos occupando das terras para a fixação de immigrantes, no correr d'este relatorio, sendo estas terras contiguas as dos libertos.

1o. - Consta a colonia de 30 lotes de terra, cada lote contendo um grupo natural de uma familia e adherentes prefazendo o numero total de colonos de ambos os sexos e de todas as idades pouco mais de duzentas pessoas (o numero exacto será em breve dado por um arrolamento que muito recommendamos á administração da colonia. O numero de libertos da condessa do Rio Novo era de 190 adultos e de perto de 40 ingenuos e menores. O facto de não podermos agora precisar as unidades que excedem de duzentas pessoas habitantes da colonia, acha-se nos recentes nascimentos e no numero ainda indeterminado de ingenuos, porquanto o numero exacto dos libertos de ambos os sexos, actualmente residentes na colonia, podemos dar, sendo estes 170. Entre elles só contam 70 casaes matrimoniaes, estabelecidos em suas respectivas habitações independentes, tendo-se ido os outros restantes colonos, segundo as tendencias naturaes de familia, de affeições ou de interesse, aggregar a esses nucleos.

Afóra esses libertos, fixados ao sólo da colonia como cultivadores, existem ainda 4 libertos homens e uma mulher (por doente, impropria ao serviço agricola), que se acham ao serviço da irmandade, no estabelecimento central da administração.

Nos lotes o agrupamento dos colonos foi feito, conforme eram crioulos e africanos, como facto geral: no mais seguem elles a gravida e social por familias, affeições e interesses mutuos, em geral em cada lote, tendo elles por isso edificado ou só uma ou mais de uma casa.

2o. - Desde a libertação dos escravos da condessa do Rio Novo até hoje falleceram sete individuos de ambos os sexos e de diversas idades. De entre os libertos retiraram-se logo após a recepção de sua liberdade oito individuos, todos do sexo masculino, e estes foram sómente dos que tinham officios e que preferiram exercel-os fóra da colonia, como mais rendosos. Foi interesse e não outro motivo que os fez emigrar.

Elles eram carapinas, ferreiros, pedreiros e cosinheiros. Estes retirantes deixaram de obter lotes na colonia, de harmonia com as disposições testamentarias, de sorte que em qualquer tempo que tenham de voltar á colonia, não têm mais direito a lotes de terras.

Não obstante, já se tem dado o facto significativo da volta de alguns d'esses libertos reclamando sua fixação na colonia e ainda no dia de nossa estada alli, um d'elles, que retirou-se para exercer o officio de cosinheiro em casa do Sr. visconde de Entre Rios, voltando casado á colonia, instava pela obtenção de um lote de terra para fixar-se como lavrador, ahi querendo edificar sua casa e estabelecer sua familia, composta apenas de sua esposa e de um filhinho.

Ainda convém notar que oito dos libertos, permanecentes na colonia, tendo officios diversos, exercem estes temporariamente fóra, attrahidos pelo maior interesse que isso lhes traz, não obstante serem proprietarios de lotes de terras, onde se acham estabelecidos com suas familias, lotes que elles alternativamente cultivam nos intervalos do exercicio exterior de sua profissão mecanica, notando-se ainda que alguns d'elles pagam a trabalhadores da colonia ou mesmo a trabalhadores livres e até brancos, de fóra, para beneficiarem seus cafesaes e roças durante sua laboriosa e interesseira ausencia.

Por estes factos fidedignos, se evidenciará que setamos na colonia de N. S. da Piedade um pouco longe da realisação das prophecias apocalypticas, que sempre precedem as reformas profundas.

3o. - Não se queixa a administração da colonia de que um unico dos libertos haja sonegado sequer, quando mais roubado, um grão de café, que elles colhem, e que devem levar ao beneficio industrial. Não se queixam nenhum visinho, nem ninguem na povoação, quer habitante fixo, quer viajante, de que os libertos da colonia tenham tirado objectos alheios, nem os viajantes se podem queixar de que elles lhes peçam cousa alguma, e menos que se entreguem á mendicidade na ruas e estradas, ou em illudir alguem com trapaças ou armadilhas á boa fé.

Quando visitamos as colonias, os homens achavam-se, pela maior parte, nos trabalhos do campo, e as mulheres em casa, occupando-se dos filhos e da sua economia domestica, rudimentar e mais que modesta ainda.

Penetramos em algumas habitações e reconhecemos o contentamento dos colonos por sua nova condição, mas todos se queixavam do que todos se queixam... da escassez de meios para realizarem seus desejos de melhoramentos.

Antes da libertação e da constituição da colonia, apezar da extrema bondade da condessa do Rio Novo, só havia oito casaes legitimos na fazenda; depois, porém de 20 de Janeiro de 1883 até hoje, dentro do espaço de um anno, ou desde a epocha em que foi constituida a colonia, realisaram-se mais 62 casamentos, a maior parte logo após a constituição da colonia, prefazendo ao todo 70 casamentos, ficando portanto a grande maioria dos colonos constituida em familias legaes e legitimando assim seus filhos aquelles que já os tinham antes do casamento.

(...)

6o. - A colonia contém 58 casas, feitas todas pelos colonos, depois de sua libertação e da constituição da colonia, depois de sua libertação e da constituição da colonia, isto é, de 20 de Janeiro de 1883, ou ha um anno exacto. Estas casas não se acham todas juntas, constituindo um povoado unico, mas separadas umas das outras e independentes. Ellas acham-se de preferencia dentro dos diversos lotes de terra.

Além dessas casas especiaes dos colonos, e por elles feitas, devemos mencionar duas casas maiores, já existentes antes da libertação, uma chamada Sítio e outra, Sant'Anna, constando de quatorze lances; ambas são cobertas de telhas, e ahi moram algumas familias de colonos.

Das 58 casas, 11 são cobertas de telhas, e apresentam já certa commodidade relativa, todas possuindo portas e janellas, e maior parte com caixilhos e entre ellas já havendo umas duas com portas e janellas pintadas, e alguns quartos soalhados."

Fonte: A IMMIGRAÇÃO: ORGÃO DA SOCIEDADE CENTRAL DE IMIGRAÇÃO (Rio de Janeiro/RJ), boletim 003, dez. 1883 a ago. 1884, pág. 10, col. 01, pág. 11, col. 01-02

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