domingo, 6 de janeiro de 2019

A Colônia de Três Forquilhas - Parte 04 (Final)


"Os colonos chegados a Tres Forquilhas ou porque se encontrassem muito afastados de S. Leopoldo e, portanto, lhes fosse dificil manterem relações com o elemento germanico existente na Provincia, ou porque desde logo forçados pela necessidade de proverem á propria subsistencia, tivessem de manter relações com os nacionaes estabelecidos no logar, assimilaram, rapidamente usos e costumes todos nossos e a tal ponto que parece não se incorrer em erro affirmando que, de todos os nucleos de colonisação germanica existente nos tres Estados do Sul do Brasil, Tres Forquilhas é aquelle onde mais difficilmente se poderá distinguir entre nacionaes e extrangeiros de origem e onde não existe a menor rivalidade entre uns e outros, antes uma perfeita cordialidade, cujos laços nem os pendores religiosos ousam ferir como sóe acontecer alhures.

Teremos demonstrado isso de modo pratico, narrando alguns factos que na sua simplicidade são indices preciosos para o bom observador.

Além de varias outras, ha alli as familias Santos, Oliveira Mello, Candido e Vieira, que descendem dos naturaes que ou casaram com allemãs, como Manoel dos Santos, ou com filhos dos primeiros colonos já nascidos na Colonia, como os outros.

Existem na Colonia Adolpho dos Santos e João dos Santos, filhos de Manoel dos Santos, os quaes, por sua vez, tambem casaram com moças de origem allemã.

Algumas dessas familias fallam allemão e mantêm certos costumes allemães; outras, ao contrario, não fallam allemão, são catholicas e todos os seus costumes são genuinamente brasileiros.

Nas suas festas e nos seus kerbs tanto se pode ver os Erling, os Schvartzhaupt e os Witt, como os Santos, os Mello e os Vieira.

Na generalidade toda a população da colonia falla perfeitamente o nosso idioma quasi sem defeito algum de pronuncia. A proposito nos occorre narrar o seguinte: Existe alli a familia Voges, cujo tronco foi o virtuoso pastor Carlos Leopoldo Voges. Obedecendo ás regras de pronuncia allemã, deviam os da colonia chamar 'Fogues', mas tal não succede: Indistinctamente, os genuinos brasileiros e os que são descendentes dos velhos colonos e os membros da propria familia, todos empregam uma só pronuncia: Voges.

O que occorre em Tres Forquilhas observa-se tambem por identica razão na Colonia das Torres (São Pedro de Alcantara). Ha alli os descendentes do velho colono Antonio Kreutzburger, que passaram a chamar-se Kras Borges. É essa uma familia numerosa e todos os seus membros não sómente são chamados de Kras Borges como grapham assim o seu cognome na correspondencia e em documentos publicos e particulares.

Os Emerich se tornaram Emerim e os Eberhardt são em geral cognominados Barata.

Por occasião da grande guerra que agitou todos os centros dando logar a serios attrictos entre latinos e teutos, em Tres Forquilhas, e cremos que em S. Pedro de Alcantara tambem, não occorreu o mais leve incidente que viesse quebrar a fraternidade sempre reinante. Uns e outros continuaram entregues ao seu labor quotidiano, confiantes na perfeita garantia da ordem e na completa segurança publica, que foi sempre a preoccupação constante das autoridades locaes.

Aliás, razões existem para que aquella gente não se deixasse abater em tal momento historico, sentindo inclinações pela terra dos seus avós com descaso pelos interesses da sua patria - de Brasil - patria que não sómente acolheu em seu seio immenso e riquissimo os velhos immigrantes, como continuava a mimosear os rebentos daquella estirpe valorosa com as melhores caricias e com os mais preciosos dons de uma natureza luxuriante, debaixo deste incomparavel clima tropical. É que, a consolidar esse affecto, já havia corrido o precioso sangue daquelles obreiros da terra, quando por occasião da Guerra do Paraguay, a fina flôr da mocidade da Colonia havia trocado a enxada pela lança para correr pressurosa com defesa do Brasil, marchando para o theatro da guerra, donde infelizmente nem todos os valentes conseguiram voltar.

Segundo as informações que nos prestou o sr. Carlos Frederico Voges, um dos descendentes do velho Pastor Carlos Leopoldo Voges, antigo commerciante da Colonia e pessoa de toda a respeitabilidade, foram os seguintes os moços que dalli marcharam para o Paraguay:

1 Serafim Rodrigues
2 Luis Rodrigues

[Nota nossa: parte não encontrada]

(...)

Sobreveiu depois a revolução rio-grandense. A colonia foi theatro de correrias. Os colonos forma muito inquietados durante o longo periodo da guerra, vivendo em contínuos sobresaltos. A aggravar toda essa situação, vem a circumstancia de estar o governo a braços com a revolta e não poder, portanto, prover as necessidades da colonia.

Varios tiroteios e escaramuças houve na colonia e até um combate entre legalistas e farrapos, no logar do Cemiterio Velho, sendo então ferido o colono João Peck, que passou a ser alcunhado - João Baleado.

Durante os primeiros tempos o culto religioso era praticado em uma dependencia da casa do pastor Voges. Mais tarde levantaram uma tosca egreja com cobertura de palha no logar onde se encontra a actual, que é de alvenaria.

Em 1858, esta ultima apenas apresentava as suas paredes externas, sem madeiramento ou cobertura. Foi levantada ás expensas dos fieis.

A segunda casa commercial que surgiu na colonia foi a de Felippe Pedro Schmitt, por alcunha - Velho Pedro Commandante.

O pastor Voges montou tambem um cortume e alguns annos depois surgiu um outro que ignoramos a quem pertencia.

Desde logo comprehenderam os colonos que a cultura mais rendosa lhes seria a canna de assucar, não sómente pela excellencia das terras como pelo clima da região. A ella dedicaram-se, pois, levantando tambem os seus engenhos para o fabrico de aguardente e rapaduras, productos muito procurados pela gente da Serra.

Entretanto, não abandonaram as outras culturas. Plantavam feijão, milho, batatas, mandioca, arroz, e até fizeram plantações de café, chegando a exportar êsse precioso grão.

Trinta annos depois da fundação da colonia contavam-se alli 21 engenhos de canna e 40 de farinha.

Manoel Fernandes Bastos."

Fonte: A FEDERAÇÃO (RS), 12 de Novembro de 1926, pág. 01, col. 06-07; pág. 02, col. 01

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