quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O Caso da Parda Porcia


"Ferocidade inaudita. - Os jornaes que hontem recebemos de Pelotas dão noticias circumstanciadas do andamento do processo instaurado contra uma mulher de nome Isolina Ribeiro Guimarães e sua mãi Anna do Carmo Guimarães, como autoras do horroroso assassinato da parda Porcia, contratada de Ignacio José dos Santos, marido da primeira.

No inquerito policial depuzerão seis testemunhas, e para avaliar-se quanto são revoltantes as accusações que pesão sobre as rés, basta que desses depoimentos transcrevamos alguns topicos.

Disse uma das testemunhas que <<Isolina tinha por costume, logo pela manhã, mandar agarrar a parda Porcia pela preta Euzebia e applicar os mais horriveis castigos, como fossem: obrigar Porcia a comer escremento de porco, de gallinha e cão e beber ourina, applicando á victima, quando esta recusava-se a tomar aquella beberagem, um ferro em braza, dentro da boca, e castigando-a com mão de almofariz sobre os peitos e exigindo ainda que Porcia, que não podia andar em consequencia dos castigos recebidos, levasse o dia inteiro a lavar roupa; e uma occasião em que esta, exanime, ao voltar para casa, cahira em caminho, ainda assim Isolina, castigando-a para que se levantasse, e vendo que não era possivel, mandou buscar um carro de mão por elle deponente para conduzil-a á casa, continuando a castigal-a, não só no trajecto como depois, que se encerrou em um quarto com a victima, applicando-lhe bolos, nos pés, com um páo.>>

A preta depoz que <<Isolina obrigava, não só a ella deponente como ás duas mulatinhas Julia e Alice, applicar os castigos em Porcia; e quando se recusavão, erão castigadas por ella; que fazia Porcia sahir do quarto, com corda ao pescoço e neste estado era conduzida pelas mulatinhas referidas pelo pateo e varanda; applicando-lhe Isolina castigos, que a obrigava a comer toda e qualquer immundicie que mandava buscar no monturo, e para melhor levar a effeito as suas ordens, applicava um tição de fogo na boca da victima e depois encerrando-a n'um quarto dava-lhe bolos nos pés, com uma taboa, castigando-a tambem com um tijolo nas costas e peito, fazendo a victima deitar sangue pela bocca repetidas vezes; que uma vez que Isolina castigava Porcia, Ignacio dos Santos, para fazer cessar o castigo, vio-se obrigado a dar bofetadas em sua esposa, tendo em outra occasião mandando Porcia que fosse queixar-se á autoridade, que esta faria cessar os castigos, porém Porcia, tendo sahido de casa, para tal fim, voltou logo sem cumprir a ordem, Ignacio dos Santos, ao chegar em casa e ter parte da morte de Porcia, dissera que estava frio, que calculava os trabalhos por que ia passar.>>

Soube-se que Isolina applicava iguaes castigos a outras escravas, tendo assassinado uma preta de nome Silvana, que morreu com uma costella partida por um desses castigos.

A população de Pelotas está indignada.

Anna do Carmo e Isolina, duas filhas desta e tres criadas fugirão e não se sabe onde parão.

A fuga, ao que consta a uma folha local, foi protegida pela policia particular da costa de Pelotas, ás ordens do subdelegado daquelle districto, Christovão José dos Santos, o qual tambem tentou subornar um preto, exigindo-lhe que nada dissesse em troca da liberdade completa que lhe promettia.

A Associação Abolicionista daquella cidade effectuou, no dia 17 do corrente, solemnes exequias, em honra á memoria da parda Porcia, martyr dos furores sanguinarios de sua senhora.

O templo estava ricamente adornado, e forão observadas todas as regras do ritual.

Um orador da associação occupou a attenção do auditorio, relatando as peripecias da terrivel tragedia.

Para assistir ás exequias foi convidada a população em geral, por meio da imprensa."

Fonte:  A PROVINCIA DE MINAS (MG), 30 de Dezembro de 1887, pág. 02, col. 01-02

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