Nos meus inúmeros anos de pesquisa sobre a história do município de Capão do Leão, várias pessoas já me procuraram por meio das redes sociais, e-mail ou pessoalmente para perguntar a respeito da existência de quilombos aqui. Sendo muito sincero respondo que não tenho conhecimento sobre nenhum registro de quilombos no território do município e me apoio também nos trabalhos dos pesquisadores Arthur Victória Silva e Bruno Farias - que são meus contemporâneos e desenvolvem um trabalho similar ao meu.
Todavia, o que quero dizer é que a ausência de registros sobre quilombos em Capão do Leão, não significa que não possa em algum momento do século XIX ter existido algum aqui. Entretanto, por vários fatores sou levado a pensar que é bem pouco provável. Mesmo considerando que possa ter existido algum, possivelmente ele teria sido efêmero.
Vamos às ponderações. Os dois locais que historicamente tem ligações com a escravatura em Capão do Leão são a região do Pavão e a Fazenda da Palma. Também podemos apontar na região do Cerro das Almas e no Passo das Pedras alguma população escrava significativa durante o século XIX, mas não tão numerosa quanto nos dois primeiros locais citados. Seguramente, houve fugas de escravos desses locais em alguns momentos dos séculos XVIII e XIX. Mas a questão que se apresenta é a seguinte: onde esses escravos fugitivos poderiam se refugiar?
A região do Pavão é uma planície, coberta por extensas campinas, entremeadas por alguns caponetes e capões de mato, além de várias várzeas alagadiças e banhados permanentes. Não penso que seria lógico se esconder num relevo assim. Cruzar o São Gonçalo a nado ou fugir atravessando o rio Piratini seriam opções realistas, mas arriscadas. Seguir a nordeste em direção à Pelotas então seria alternativa suicida. O mais provável seria fugir em direção a oeste, rumo à Serra dos Tapes e regiões como o Descanso, o Cerro das Almas, o Passo das Pedras de Cima, o Boquête. A mesma rota serviria para um fugitivo da extensa Fazenda da Palma.
Mesmo assim, esse primeiro "paredão" de morros da Serra dos Tapes não seria o mais propício para fixar-se em refúgio permanente. A vegetação fechada das encostas até favorece alguns locais como esconderijos. Entretanto, devemos lembrar que toda a zona ocidental de Capão do Leão é cortada desde seus primórdios no século XVIII por diversos corredores, caminhos, estradas e trilhas, povoadas durante décadas por tropeiros de gado que se dirigiam à Tablada, em Pelotas, para negociar rebanhos, ou para a própria região do Pavão, para invernadas de engorda. Se partirmos do princípio que um quilombo é um acampamento de vários escravos fugitivos, talvez na casa de uma ou duas dezenas de pessoas, no mínimo, num espaço não tão extenso, fatalmente sua presença seria logo notada em pouco tempo.
Penso que o caminho de fuga situava seu destino um pouco mais além. Na própria Serra dos Tapes, porém quilômetros mais adiante, nas regiões que seriam mais tarde sedes das primeiras colônias europeias pelotenses e no próprio município de Morro Redondo (encontrei uma notícia de 1885 no jornal pelotense A Discussão que confirma esse fato).
Ressalvo porém que a região de serras e morros que começa no Cerro Santanna (a primeira elevação do município que todos podem perceber a partir da zona central do município) e se desenrola pelo Cerro das Almas, Descanso, Cerro do Lombilho, Cerro da Paulina, Passo das Pedras de Cima, Cerro dos Cabritos, etc., pode ter sim registros arqueológicos da presença de fugitivos escravos de séculos passados. Mas seriam mais seguramente esconderijos individuais ou de pequenos bandos, sem serem locais que agregaram um número mais expressivo de pessoas como os quilombos. Devemos lembrar que, como comparação mais quantitativa, toda a região supracitada foi também covil de abigeatários e criminosos no século XIX, que também se escondiam de modo individual ou em pequenos grupos.
Creio, em suma, que essas observações não esgotam a discussão sobre o assunto. Além disso, a própria questão da escravatura no município é alfo que ainda precisa ser estudado com muito mais atenção em nosso município.