quinta-feira, 20 de maio de 2010

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte III

A Companhia Francesa na Pedreira
Em dezembro de 1909, a Companhia Francesa iniciou a ocupação do local, com vistas à instalação de maquinário e benfeitorias, para início da exploração de pedras. Inicialmente foram construídas apenas duas pequenas casas de madeira que serviam como abrigo aos vigilantes e como apoio logístico às primeiras máquinas que começaram a chegar. Logo em seguida foram abertas duas estradas de acesso à Pedreira – as atuais ruas João Batista Gomes e Manoel dos Santos Victória.
Durante todo o ano de 1910, houve a chegada de equipamentos e a construção de mais benfeitorias. Paralelamente, foi iniciada a construção da linha férrea que ligaria a Pedreira até Rio Grande. Em novembro, iniciam-se as contratações de trabalhadores em massa e surgem as primeiras casas comerciais e de moradia no local. Embora, ao que conste, muitos dos primeiros trabalhadores da Pedreira passaram os primeiros tempos abrigados em barracões de lona, erguidos bem próximo aos pontos de exploração. As casas de moradia da Companhia Francesa vieram mais tarde, entre 1911 e 1914. Eram mais precisamente alojamentos, onde dormiam cerca de oito a doze homens em cada.
Em novembro de 1911, após todos os trabalhos de instalação, iniciaram-se as obras de exploração de rocha propriamente ditas.[1] A Pedreira era avançada para época, pois contava com Usina Elétrica, Carpintaria, Ferraria, Enfermaria, Balança, Guindastes, Repartições Administrativas, Almoxarifado, Galpões para os Trens, além de contar com um maquinário importado (francês, inglês, italiano, alemão) inovador no Brasil, tal como acontecia na Pedreira do Monte Bonito. Decididamente, eram as duas pedreiras mais modernas do Brasil naquele momento, numa época em que os serviços de cantaria eram ainda realizados de modo artesanal.
A produção entre novembro de 1911 e abril de 1916 foi de 2.183.052 toneladas de blocos de rocha, o que dá a impressionante média de 363.842 toneladas por ano, algo que jamais voltaria a se repetir até os dias de hoje. Em 1915, ocorrera a maior produção anual da história da Pedreira com 829.630 toneladas. Também neste ano, em outubro, ocorrera o maior recorde mensal: 3.581 toneladas. A Pedreira fora inicialmente pensada para atender somente o Molhe Oeste da Barra, porém com a interrupção dos trabalhos em Monte Bonito em 1915, devido à eclosão da 1ª. Guerra Mundial[2], Capão do Leão tornou-se responsável pelo provimento das Obras também do Molhe Leste.
Além do impacto produzido pela presença da Companhia Francesa na Pedreira, a própria Vila do Capão do Leão será profundamente afetada econômica e socialmente. O carvão, que era um produto utilizado largamente em função dos trens e da caldeira, era adquirido de fornecedores locais. Madeira também[3]. Afora outros serviços[4].
Em fevereiro de 1910, a Vila do Capão do Leão contava com cerca de 710 habitantes permanentes, podendo este número ultrapassar a marca de 800 no período de veraneio[5]. Em julho de 1914, o número de habitantes ultrapassa a baliza dos 1400 habitantes, sobretudo em função dos trabalhadores da Pedreira. Para se ter uma idéia de como a Pedreira movimentou a questão demográfica no Capão do Leão, dados de 1921 apontam uma população permanente de apenas 915 habitantes, já numa época em que a Companhia Francesa tinha ido embora[6].
A Linha Férrea
Projetada pelo engenheiro brasileiro Edmundo Castro Lopes, a ferrovia que dá acesso à Pedreira e cuja função era permitir o transporte de rochas à Rio Grande, possuía um traçado que ia diretamente ao Molhe Oeste da Barra. Seu traçado foi pensado de modo a diminuir o atrito da descida dos trens pela encosta do cerro[7], assumindo assim um desenho curvo até a região do Teodósio. A linha, a partir deste ponto, seguia quase que paralelamente à ferrovia Rio Grande – Cacequi. No Saco da Mangueira (Rio Grande), ela tomava um novo curso até chegar finalmente ao Molhe Oeste.
Sobre o Arroio Teodósio foi construída uma ponte ferroviária que servia para esta linha. É possível ainda observar as pilastras da antiga ponte naquela região. Ao longo da linha férrea que saía da Pedreira até Rio Grande havia um bom número de instalações auxiliares para dar suporte e manutenção ao trabalho dos trens. Curiosamente, na região do Teodósio também foram criados armazéns, casas de moradia, uma estação de apoio e até um “moinho de vento” – cujo propósito não foi ainda identificado. Contavam-se, ao menos, onze terrenos da Companhia Francesa no Teodósio. Também foram erguidas estações de apoio na região do Parque Fragata e Estância Ribas (proximidades do atual Complexo da Cosulati). Conclui-se que a presença da Companhia Francesa transcendeu, no Capão do Leão, a própria área do Cerro do Estado.[8]

Outras Instalações
Curral para animais, depósito de lenhas, olaria, garagem para automóveis, escola (obs.: aparece em 1935 com o nome de Escola Alberto Rosa), campo de futebol (time “Ipiranga”), estação de radiocomunicação, centro telefônico. Havia pelo menos três casas comerciais no Cerro do Estado àquela época, sendo a principal a do Sr. Garibaldi Albo (italiano procedente de Santa Vitória do Palmar), onde aconteciam, por vezes, bailes noturnos. A empresa pelotense “Guarani Filmes” exibia num salão da Pedreira filmes aos domingos para os operários[9]. Um texto de 1913 informa a existência de uma capela dedicada a Saint-Rémy (São Remígio), provavelmente usada pelos engenheiros da companhia.



[1] O atraso no início das atividades de exploração de rocha deve-se a custosa operação de conclusão da linha férrea que descia da Pedreira até o Teodósio.
[2] Além da escassez de capital, a Companhia Francesa teve retido em portos europeus material e maquinário que deveriam ter vindo para incremento da produção.
[3] A Vila de Capão do Leão e arredores foram grandes produtores de lenha e carvão no início do século XX. Antes da Pedreira, poderíamos dizer que Capão do Leão vivia em função destes produtos e da fruticultura.
[4] O pequeno comércio de gêneros e a prestação de serviços serão estimulados neste período em razão da presença de trabalhadores na Pedreira. Surgiram, além de armazéns, sapatarias, barbearias, etc.
[5] A “alta estação” de veraneio costumava começar em novembro e se estender até março.
[6] Segundo a lembrança de um dos entrevistados na pesquisa, cujo pai fora empregado da Companhia Francesa, a saída da companhia ocasionou uma espécie de fuga em massa de trabalhadores e  de pessoas que dependiam dela.
[7] Houve retirada maciça de material do solo da encosta da Pedreira para possibilitar a construção da ferrovia que foi, sobretudo, mais demorada do que se esperava.
[8] As evidências documentais nos levam a crer que, do Cerro do Estado até o Arroio Fragata, existia um verdadeiro “corredor” de terrenos da Companhia Francesa, que, hoje, devem pertencer à União Federal.
[9] Não era necessariamente um cinema. Na época, eram comuns as exibições cinematográficas ambulantes.

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