quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Imigração Russa no Rio Grande do Sul


"Campina das Missões é um município na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e que faz parte da microrregião da Grande Santa Rosa, distante quinhentos e quarenta quilômetros de Porto Alegre e aproximadamente trinta quilômetros do Rio Uruguai, divisa com a Província de Misiones - Argentina. Possui duzentos e vinte e sete vírgula nove quilômetros quadrados de área, com a população atual em torno de sete mil e quinhentos habitantes. É uma região de agricultura minifundiária. Tem na atividade agropecuária a base da economia, com predominância no binômio trigo e soja, além de milho, feijão e um significativo incremento à diversificação de culturas de subsistência e hortifrutigranjeiros. Na pecuária destaca-se a criação de suínos e gado leiteiro. De acordo com o Censo de 1997 do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - a produção leiteira gira em torno de trinta mil, trezentos e cinquenta litros por dia.

Devido a estrutura física e topográfica, a colônia situada entre os rios Comandaí e Tumurupará (Pessegueiro) foi denominada inicialmente de Campo Pequeno (Palianka), por ter na época uma clareira, um lugar de vegetação rasteira, que mais tarde originou o nome de Campina e onde foram construídas as primeiras casas (dachas). Mais tarde foi acrescida a expressão 'das Missões', pelo fato de inicialmente pertencer à Colônia Guarani, quinto distrito de Santo Ângelo, capital das Missões Jesuíticas. Em 1920, Campina foi elevada ao nono distrito de Santa Rosa, sendo que em 09 de outubro de 1963, foi criado o município de Campina das Missões, pelo decreto do então Governador Ildo Meneghetti, abrigando a maior colônia russa do Estado do Rio Grande do Sul. Atualmente cerca de vinte por cento da população do município é de imigrantes ou descendentes de russos, razão pela qual daremos maior ênfase, por ser o maior núcleo do Estado a exemplo de Guarani das Missões que possui a maior colônia polonesa do Rio Grande do Sul.

(...)

A chegada dos imigrantes russos ao Brasil e ao Rio Grande do Sul se deu em três etapas distintas:

A primeira, no início do século, foi denominada 'febre brasileira', quando imigraram lavradores. Experientes cultivadores de trigo, centeio, cevada, girassol e outras culturas, foram os primeiros a implantar a diversificação para subsistência da propriedade e a cultivar hortifrutigranjeiros. Outro fator que influenciou foi o clima mais quente e a grande quantidade de terras disponíveis. Segundo dados do IBGE cerca de dezenove mil quinhentos e vinte e cinco russos entraram legalmente no Estado até 1912.

A segunda, ocorreu por razões políticas, ocasionada pela grande revolução russa (bolchevique) de 1917. Desta leva, a maioria voltou-se para atividades industriais, empresariais, de especialidades técnicas e no exercício de profissões liberais, principalmente nas áreas de medicina, engenharia, agronomia, artes, educação e pesquisa. Se instalaram, na grande maioria, em São Paulo.

A última, se constituiu no maior movimento migratório russo. Após a Segunda Guerra Mundial, aconteceu o êxodo dos refugiados de guerra, quando algumas regiões ficaram sob o domínio de outros países.

A predominância era de imigrantes do meio urbano e de militares com as famílias. É difícil precisar o número exato de imigrantes que para cá vieram, pois ao chegarem foram registrados como austríacos, alemães ou poloneses, de acordo com os passaportes fornecidos pelos governos de ocupação de suas regiões de origem, gerando até alterações de nomes e sobrenomes como adiante abordaremos."

Fonte: ZABOLOTSKY, Jacinto Anatólio. A imigração russa no Rio Grande do Sul: Os Longos Caminhos da Esperança. Coli Gráfica e Editora Ltda., 2000, pág. 13; 15-16.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

O início de uma colônia alemã


"O processo de construção dos ranchos aconteceu em paralelo com o desenvolvimento das atividades agrícolas. Logo que possível, os agricultores tratavam de adquirir uma vaca para o fornecimento do leite, uma junta de bois para arar a terra, algumas galinhas e assim por diante. Isto implicava na demarcação de um potreiro para pastagem do gado e na construção de abrigos para os animais, especialmente para garantir sua segurança. Como, por tradição herdada de sua terra de origem, os colonos alemães criavam uma variedade bastante grande de animais, é claro que pretendiam reproduzir no Brasil o seu modo de vida tradicional. Na medida em que iam ampliando as terras para cultivo, deixavam as terras mais exploradas para a plantação do pasto, fixando um local específico para os animais, ao contrário da Alemanha, onde anualmente mudavam de local. Por outro lado, junto à casa iam surgindo construções menos requintadas, que serviam de abrigo dos animais e ao pleno desenvolvimento das atividades agrícolas, como o abrigo das carroças e apetrechos da agricultura, à guarda dos cereais e produtos agrícolas. Vagarosamente, por influência dos nativos ou dos que já estavam há mais tempo aqui, os imigrantes foram aprendendo a lidar com as culturas tropicais como o milho, a mandioca (e a produção da farinha e do polvilho), os diversos tipos de batata e a cana de açúcar que aprenderam a transformar em melado (Muss), açúcar mascavo, rapadura e até mesmo em cachaça. Para tanto, acabaram por adotar a moenda e o panelão para cozinhar o caldo. Isto, obviamente, implicava na construção de novas edificações ou telheiros dentre os quais uma das mais importantes era o forno de pão.

Normalmente construía-se um prédio para cada função, resultando daí um número relativamente grande de edificações que eram ordenadas em torno de um pátio que os alemães chamavam de Hof, palavra que também significava o conjunto de todas as edificações da propriedade e, até mesmo, a propriedade como um todo. Por vezes, algumas funções podiam ser associadas sob um mesmo teto como o abrigo para a carroça, o depósito de milho e o estábulo ou o chiqueiro. Nestes casos, a estrutura mais frequente é a do Hallenhaus dos saxões, com um espaço central aberto para os veículos, um lado para a baia dos animais e o outro para depósito da colheita.

Numa sociedade onde a carência material era a condição comum, não é de imaginar que todos se empenhassem ao mesmo tempo em construir todas estas benfeitorias. Construções que exigiam uma certa sofisticação como a moenda, eram eventualmente construídas em parceria e utilizadas comunitariamente. Através de compromissos de ajuda mútua, serviços e instalações devem ter sido utilizados sob forma de empréstimos eventuais ou temporários. 

Desta forma, cada sítio colonial foi crescendo e tomando formas mais complexas. Dentre as diversas construções, uma das últimas era a moradia definitiva."

Fonte: WEIMER, Günter. Arquitetura enxaimel em Santa Catarina. Porto Alegre/RS: L&PM Editores, 1994, pág. 50-52.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Os primórdios da colonização italiana no Rio Grande do Sul


"Ao chegarem à colônia, durante um ou pouco anos, as famílias ficavam instaladas na sede, em um grande barracão de mais ou menos 20 ou 30 metros quadrados. As primeiras instalações foram cobertas com madeiras rachadas, palhas, ramagens e samambaias. A estrutura da construção e da cobertura era erguida com troncos de coqueiros ou xaxim. Tramas de taquara ou cipó, com ou sem barro, formavam as taipas das paredes.

A permanência nesse local deveria ser curta para dar lugar a outros imigrantes. Entretanto, as dificuldades, que iam do acesso à necessidade de demarcação dos lotes, levaram os colonos a permanecerem meses mal-acomodados, mal-alimentados e mal-assistidos nesses barracões. Os recém-chegados emprestavam sua força de trabalho para a dura tarefa de abrir e construir os caminhos que os levariam ao tão sonhado pedaço de terra. Esse trabalho era remunerado.

Ao chegar ao lote rural, abriam clareiras, cortavam madeiras e retiravam pedras de basalto nas zonas mais altas e pedras de arenito, mais raras que as primeiras, nas áreas mais baixas, para poder plantar as roças de milho e trigo. Enquanto esperavam o tempo de colher, com os materiais retirados, iniciavam provisoriamente a construção de suas vivendas.

O acesso a um ponto de abastecimento de água foi um condicionante decisivo na escolha e organização do lote colonial. Os lavradores não aceitavam assentar-se quando não existisse água na propriedade. Se, por um lado, os agrimensores do governo não adequaram o traçado reticulado à topografia acidentada do planalto rio-grandense, a necessidade de água nos lotes rompeu com a trama concebida por esses técnicos. Mesmo assim, alguns lotes estavam desprovidos de água. O Código de Posturas Municipais de Caxias e região, de 1893, obrigava o proprietário do lote rural em que havia fonte natural a consentir que seu vizinho em cujas terras não existisse água potável dela se servisse.

O preço dos terrenos variava conforme a qualidade do precioso líquido. Os colonos valorizavam mais os regatos que as fontes. Quanto a estas, apreciavam as que nasciam em terrenos de cristal de rocha. Usualmente, entre as pedras, abriam nichos dos mais diversos tamanhos para armazenar a água, que se mantinha em temperaturas agradáveis para o consumo humano.

Em último caso, na ausência das fontes, os poços abasteciam-nos de água potável. Com grandes dificuldades, cavavam até encontrar o veio. Levantavam uma alvenaria de pedras ou tijolos, aproximadamente um metro acima do chão, e a fechavam com um tampo de madeira, com um abertura no centro. Em algumas propriedades, utilizaram canalizações de taquara, fazendo até mesmo a condução da água através de toscas canaletas de madeira. Em outros lotes, onde as moradias estavam acima das fontes, costumavam amarrar cordas e, mais tarde, fios de arame para descer os baldes até a água.

Com a topografia acidentada e uma média de 25 hectares, o lote rural foi quase sempre ocupado da mesma maneira. Diferentemente do que acontecia nas casas dos povoados na península itálica, onde, comumente todas as funções estavam reunidas em um só prédio, no Rio Grande, nas construções coloniais italianas, cada atividade quase correspondia a sua própria edificação.

No lugar de mais fácil acesso - a circulação perto da estrada, distante uns 200 m dos seus vizinhos lindeiros - , levantavam no mínimo três edificações, correspondentes à casa, à cozinha e ao galpão.

Mais afastado da casa e da cozinha, construíam o galpão de utilidade variada, depósito de implementos agrícolas, pequena oficina e abrigo dos animais.

O restante do lote, dependendo de suas peculiaridades, era organizado com áreas de plantio, horta, pomar, chiqueiro e uma parte de reserva de mato nativo. Inicialmente produzidos para o consumo doméstico, os vinhos, em seguida, tornaram-se um dos principais produtos de comercialização. Daí o aumento dos parreirais, que passaram a ocupar muitos dos hectares de diversas propriedades.

A horta cercada, ficava, perto de casa. As sempre presentes árvores frutíferas podiam estar definidas em uma área, ou espalhadas pela propriedade.

As demais culturas situavam-se na zona posterior do terreno. As benfeitorias existentes no lote diziam respeito aos espaços destinados aos animais, como galinheiros, chiqueiros e potreiros; construídos com muros de pedras irregulares, inicialmente eram limitados por arbustos de espinhos e galhos entrelaçados.

As propriedades podiam contar com coelheiras, pombais, apiários, pesqueiros, oficinas, alambiques, saleiros - cochos para sal dos animais, que, às vezes recebiam coberturas de duas águas - e variados depósitos, para armazenar cereais, lenhas e forragens. Colocados nos mais diversos lugares, a propriedade podia contar com o rebolo, para afiar as ferramentas de corte; a moenda, para fabricar o açúcar mascavo, e, por influência luso-brasileira, o monjolo, para quebrar o milho."

Fonte: GUTIERREZ, Ester. Arquitetura e assentamento ítalo-gaúchos 1875-1914. Passo Fundo: UPF, 2000, pág. 43-47.

domingo, 14 de outubro de 2018

Os Índios do Rio Grande do Sul na época colonial


"Neste estudo apresentam-se as classificações e localizações dos indígenas do Estado do Rio Grande do Sul. No início da colonização, conforme historiadores, apresentavam-se os grupos Guenoas (assim nomeados pelos jesuítas) e Minuanos (portugueses e espanhóis) como dois grupos separados.

Classificação do PADRE CARLOS TESCHAUER (1918) apud RAMIREZ (1976, p. 326):

CARIJÓ - Radicada no litoral norte e se estendendo até a Lagoa dos Patos;

CÁAGUA - Abrangendo a população pré-colombiana das matas interioranas;

CAINGANGUE - Situada no chamado Planalto Campestre e no Nordeste;

GUANANÁ ou IBIRAJARA - Ocupando a Província de Ibiaçá;

TAPE - Bacia do Taquari e do Jacuí;

GUARANI - Entre os rios Uruguai, Ijuí e Ibicuí;

ARACHANE - Margem esquerda do Rio Jacuí e estuário do Guaíba;

MINUANO - Lagoa Mirim, no sul do Estado;

GUENOA - Ao sul do Rio Ibicuí;

CHARRUA - Sudoeste e sul do Estado e República Oriental do Uruguai.

O grupo indígena Coroados é também conhecido como Caingangue e atualmente denominado de Kaingang.

O mapa etnográfico de Carlos Teschauer (2002, p. 216) apresenta o Grupo Charrua de maneira equivocada no entorno da Lagoa Mirim, não sendo respaldado pelas informações históricas. Os Charruas habitavam originalmente a região dos rios Paraná e Uruguai, na proximidade do Rio da Prata.

Classificação de AURÉLIO PORTO, apud RAMIREZ (1976, p. 326):

PROVÍNCIA D IBIAÇÁ - Ao norte e nordeste do Estado, são exemplares étnicos representativos os Caaguaras, os Caamoguaras e os Ibianguaras.

PROVÍNCIA DO TAPE - Ao oeste e centro do estado, constituída por esse grupo guaranítico.

PROVÍNCIA DO URUGUAI - Ao oeste e sul do Estado, abrangendo os ramos dos Mbaya, ou Guaicuru do Sul, da formulação de Rodolfo Schüller, Jaró, Mboane, Guenoa, Charrua e Minuano."

Fonte: PEREIRA, Claudio Corrêa. Minuanos/Guenoas: os cerritos da bacia da Lagoa Mirim e as origens de uma nação pampiana. Porto Alegre: Fundação Cultural Gaúcha - MTG, 2008, pág. 100-101.


sábado, 13 de outubro de 2018

Pelotas: a fama & o carnaval


"Pelotas, RS: um carnaval de onze dias, aproveitando a fama da cidade

Francisco Alves da Fonseca, economista, professor universitário, prefeito de Pelotas (154949 habitantes), está chateado.

Outro dia, ele estava assistindo, na televisão, a uma entrevista do costureiro Evandro de Castro Lima, o campeão dos concursos de fantasias do Municipal do Rio. E o Evandro disse que tinha nascido em Pelotas.

- Bueno, che. O Evandro é baiano. Será que ele pensa que está promovendo Pelotas, dizendo que é daqui?

Numa reunião num Ministério, no Rio, um carioca perguntou a ele como ia a BR-24.

- Eu percebi tudo, che, mas me fiz de bobo. Perguntei que estrada era essa. Ele respondeu: rodovia Campinas-Pelotas. Vê só, che, que triste fama tem a nossa cidade e a outra, lá de São Paulo.

Ele me explica a razão dessa fama triste de Pelotas:

- É que Pelotas era a terra da charqueada. Enquanto o estancieiro trabalhava o ano todo, criando boi, o charqueador trabalhava só quatro meses por ano para cortar, salgar, secar a carne ao sol e vendê-la. Com isso, ganhava muito mais que o estancieiro.

E o que fazia o charqueador, com todo esse dinheiro, no resto do ano?

- Ia passear em Paris, e trazia de lá hábitos, linguagem e estilo de vida requintados. Isso irritava o gaúcho da campanha, mas ele respeitava o pelotense, porque o pelotense tinha dinheiro. O Banco de Pelotas foi sempre mais forte que o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, até 1930, quando faliu.

Aí tudo mudou:

- Ninguém respeita um sujeito sem dinheiro que anda de punhos de renda e tem fala sofisticada. Vem daí a triste fama do pelotense.

Mais do que o prefeito, a gente de Pelotas vive preocupada com essa fama. Há poucos dias, um grupo de rapazes perseguiu até o limite da cidade um ônibus de turistas uruguaios que insistiam em brincar com a masculinidade do pelotense. Todos os vidros do ônibus foram quebrados.

Outros, porém, conformam-se. E às vezes o conformismo chega a ser grotesco:

- Doce ou pelotense?

É o garçom do Estoril, perguntando se quero sobremesa. Percebo que a autogozação é uma tentativa de me agradar.

Finjo não entender. Ele completa:

- O senhor quer doce ou fruta?

Quando saio, passa um ônibus de turistas. Enquanto os homens gritam um palavrão para cada pelotense, as moças cantam a musiquinha do Sílvio César: 'Machão, machão, mas quando chega o carnaval ele vai de baiana pro Municipal'.

No carnaval de Pelotas - que dura onze dias, e é uma festa realmente popular, animadíssima - parece que todos resolvem gozar a fama da cidade. Em cada rua se vê um dos chamados 'blocos dos sujos'. Os homens estão vestidos de mulher e armados de panelas, latas e alguns instrumentos musicais, saem pela cidade, durante os onze dias - da quinta-feira anterior ao carnaval até o domingo depois da quarta-feira de cinzas. Gozam tudo e todos, e também o carnaval oficial: enquanto as escolas desfilam na rua 15 de Novembro, organizadas, com alas e divisões, cantando belos sambas-enredo, os sujos percorrem as ruas laterais, tocando e cantando, aos berros, coisas como Atirei o Pau no Gato, Carneirinho, Carneirão e Boêmio Demodé.

Como o carnaval dos sujos é muito mais divertido a eles cantam o que todo mundo conhece, seus blocos, que saem com vinte ou trinta pessoas, acabam liderando nas ruas, carnavais paralelos de que participam, às vezes, mais de mil.

No ano passado, acabou uma das últimas tradições da Pelotas sofisticada de quarenta anos atrás: as pompas fúnebres. Embora as funerárias ainda se chamem 'Emprezas de Pompas Fúnebres', a última delas recolheu as carruagens, vendeu os cavalos brancos e guardou os imensos penachos que eram colocados na cabeça dos animais durante os cortejos fúnebres.

- Tivemos que nos modernizar - conta Roberto Ribeiro, dono da empresa funerária e um dos organizadores do carnaval de rua.

Mais uma prova de que Pelotas se moderniza:

Estacionei o carro na rua 15 e fui tomar um lanche no bar Taperinha. Regina, morena, dezoito anos, estudante secundária, olhos vivos, baixinha, inteligente, bonita, vê a placa do carro, e vem falar comigo. Pergunta para onde vou. Conto que vou a Bajé e Chuí e ela me pede carona até Santa Vitória do Palmar. Conversamos. Uma de suas histórias:

- Sempre que posso, me arranco daqui. Mas meu irmão sempre me acha. Minha bala é um inferno, minha coroa vive me chamando de vagabunda, meu irmão é outro careta, brigam comigo sempre que fico até mais tarde com meu garotinho. Tens um crivo aí?

Prometo a carona que não vou ter coragem de dar. E ele se despede com um beijo. Na boca."

Fonte: REALIDADE (SP), edição 74, ano 1972, pág. 171-172.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

A Colônia Maciel


"A Colônia Maciel encontra-se localizada na porção elevada do município (nota nossa: Pelotas), em terreno acidentado. Foi ocupada e colonizada por imigrantes italianos que se dedicaram, quase que em sua totalidade, à agricultura familiar.

A formação da Colônia se deu por volta de 1883, quando o antigo proprietário do local, chamado Maciel, dividiu em três colônias da qual uma delas recebeu o nome do mesmo. O processo de colonização nesta colônia não foi propriamente oficial, apesar do governo ter dado o apoio inicial para a construção do barracão, que serviu de abrigo para os imigrantes recém-chegados da Itália, como também a alimentação, os instrumentos e sementes necessários para que eles implantassem suas lavouras e construíssem suas casas. Ela foi considerada privada no sentido de que as terras já possuíam dono, sendo então divididas em lotes e vendidas aos imigrantes.

Um dos lotes foi dividido em quatro partes, sendo que em uma das partes foi construído o barracão, a segunda ficou destinada à construção da igreja, uma terceira para o cemitério e uma quarta, sem ocupação definida naquele período.

Por volta de 1884 a 1886, vieram os primeiros imigrantes italianos para se instalar na Colônia, procedentes da região do Vêneto na Itália, em sua grande maioria da Província de Treviso. Ficaram instalados no barracão, enquanto desbravavam a mata para construir suas casas e instalar suas lavouras. Os primeiros cultivos foram a batata, o milho, a abóbora e a uva, cujo registro se encontra no Livro Tombo da Paróquia de Sant'Ana, localizada na sede da Colônia.

Depois dos colonos instalados em suas próprias casas, o barracão serviu por muito tempo como capela. Somente em 1930 foi construída a Matriz de Sant'Ana, que permanece até hoje com as mesmas características da época de sua construção. Ela possui uma torre com altura de 21 metros; já a altura interna da igreja é de 8 metros, com uma largura de 9 metros. Foi construída com 115.000 tijolos, a partir do serviço voluntário dos colonos.

(...)

A realidade vivida pela população local do local pesquisado, atualmente, é bem diferente daquela dos recém-chegados imigrantes italianos. Segundo relatos de alguns entrevistados, descendentes de italianos e que cultivam na memória a herança cultural deixada pelos seus antepassados, foi possível perceber a dificuldade e, ao mesmo tempo, a adaptação e persistência em busca da sobrevivência, por parte daquelas famílias vindas da Itália.

Quando os primeiros imigrantes chegaram, encontraram apenas a mata virgem, a qual tiveram que desbravar. As primeiras casas foram bastante simples, geralmente de madeira e bem pequenas, simplesmente para abrigá-los enquanto trabalhavam na preparação das lavouras. Segundo um dos entrevistados, que tem muito prazer em relatar o que seus antepassados contavam,

(...) tinha muito mato quando os primeiros chegaram, só tinha um roçadinho, onde armaram a barraca aí e ficaram. A minha avó contava que eles olhavam para cima era o céu e para baixo era a terra, não via mais nada, puro e puro mato. E aí eles foram derrubando. Veio a ordem do governo para eles ir limpando. O governo fornecia muito material para eles, alimentação e tudo, e eles foram trabalhando. (ENTREVISTADO B)

No começo, eles não podiam comer a polenta, alimentação tão comum dos italianos, porque não havia moinho para moer o milho. Então, eles quebravam o milho no pilão e cozinhavam essa canjica com sal e comiam. Depois, então, começou a surgir os primeiros moinhos, simplificando o trabalho para a fabricação da farinha.

Outro fator a ser superado foi a língua, não propriamente a língua portuguesa, mas a usada pelos diversos grupos que chegavam ao Brasil, pois na Itália se falavam diversos dialetos e como as famílias vinham de lugares diferentes, não se entendiam entre si. O entrevistado B, quando questionado sobre esse assunto, diz que:

Era dialetos. Aqui os meus avós vieram de Vêneto, os Aldrigues eram de Montana, os Potenza vieram de Nápoles, mas tinha mais lugares. Tinha dificuldade na comunicação. O que meu pai falava, tinha palavra que a minha mãe não entendia. Então, depois que casaram, passaram a falar italiano. (ENTREVISTADO B)

Os colonos levavam uma vida bastante simples, dedicada, quase que exclusivamente, ao trabalho. Não existiam escolas para as crianças, que desde pequenos ajudavam seus pais nas tarefas diárias. As primeiras tentativas de alfabetização surgiram por parte de alguns moradores que tinham mais acesso ao centro urbano e adquiriram conhecimento, passando a dar aulas em suas próprias casas, para aqueles que tivessem interesse. Nesse sentido, o mesmo entrevistado afirma que: 

Nada, nada de escola aqui, as primeiras aulas que apareceram aqui, foi na casa do Otilho. Naquele tempo era o mais poderoso que tinha. Ele tinha comércio. Ele pegava levava o milho em Pelotas e lá ele estudava. Aí ele veio aqui, começou a dar aula. O meu avô mesmo pagou umas aulas para meu pai, mas tinha bem pouco aluno. (ENTREVISTADO B)

As dificuldades também existiam na comercialização dos produtos. O transporte dos produtos era bastante dispendioso. No começo, eram levados de carroça ou carretas puxadas a boi até Pelotas. Às vezes, pelos próprios colonos ou, então, entregavam seus produtos aos 'Carreteiros' que faziam frete.

Os produtos que mais comercializaram naquela época, eram o milho, a batata, a alfafa, o feijão, o vinho. Também vendiam galinhas e palha de vassoura, sendo tudo enviado a Pelotas. A diversidade de produtos comercializados aumentou quando começou a surgir o transporte motorizado - os caminhões - o que facilitou o transporte, incentivando a produção. Com isso, novos produtos foram agregados à agricultura familiar, principalmente o cultivo da cebola, da ervilha e do pêssego, destinado às agroindústrias que já se instalavam no município.

Um dos fatores que auxiliou os colonos a superarem as adversidades era a fervorosa fé católica. Frequentavam a missa sempre que possível, quando não faziam todos os domingos, além de ser o momento de encontro com os vizinhos e parentes. Comemoravam os dias santos como o Natal, Ano Novo, Páscoa, Semana Santa, Santo Antônio, São Pedro, Santa Terezinha. Desde pequenas, as crianças recebiam dos pais a orientação religiosa, praticando as orações todos os dias. Conforme afirma o Entrevistado B: 'Todos dias ela (a mãe) fazia nós se ajoelhar antes de dormir, e aí que ensinava o Pai Nosso, a Ave-Maria.'

A religiosidade era algo realmente importante para os colonos."

Fonte: CASARIN, Margarete Cristina. Imigração Italiana no município de Pelotas: Uma análise sobre a Colônia Maciel - Distrito do Rincão da Cruz - Pelotas - RS. Monografia, Licenciatura Plena em Geografia, Instituto de Ciências Humanas/UFPel, março de 2003, pág. 51-56.


quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Francisco Barreto de Menezes


"Militar português também nomeado por Francisco Barreto de Menezes (embora o nome Menezes lhe viesse do pai, parece que nunca o assinou), herói das lutas contra os invasores holandeses. Veio para o Brasil como integrante da tropa de Luís Barbalho, na armada do Conde de Torre, desembarcando na Bahia em 16 de agosto de 1637. Deu combate ao invasor e em seguida foi chamado a Portugal para participar do movimento de restauração da Monarquia (1640, quando Portugal se livrou do domínio espanhol). De novo no Brasil e em luta contra os flamengos, esteve durante algum tempo preso pelo inimigo; fugiu, e na qualidade de general-chefe e governador de Pernambuco assumiu a direção geral da guerra. Com Vidal de Negreiros, Fernandes Vieira, Henrique Dias, Filipe Camarão e outros colheu ambas as vitórias dos Montes Guararapes (em 1648 e 1649). Comandando a resistência até o final da campanha (os holandeses foram afinal expulsos do Brasil depois da Batalha da Campina da Taborda, em 26 de janeiro de 1654), governou Pernambuco até 1657, quando foi nomeado governador-geral do Brasil. Retornou a Portugal em 1663; nomeado donatário da Capitania do Rio Grande (hoje Rio Grande do Norte), não chegou a administrá-la."

Fonte: Dicionário Cívico-Histórico Brasileiro, 1980.

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