sábado, 5 de janeiro de 2019

A Colônia de Três Forquilhas - Parte 03


"3. - Origem do nome - Topographia - Regimen territorial

A colonia Tres Forquilhas deve o seu nome ao rio em cujas margens ella assenta - o rio Tres Forquilhas.

Esse rio é a divisa actual que separa os municipios de Conceição do Arroio e Torres; de modo que parte da colonia pertence a este ultimo municipio e parte no de Conceição do Arroio.

Na épocha de sua fundação Tres Forquilhas pertencia ao territorio da Villa de Santo Antonio da Patrulha, pois a zona que comprehende os actuaes municipios de Conceição do Arroio e Torres formava a Freguezia da Serra ou Freguezia de N.S. da Conceição do Arroio pertencente áquella villa.

Mais tarde, em 1857, Conceição do Arroio é elevada á cathegoria de Villa, abrangendo a Freguezia das Torres. Passa Tres Forquilhas a pertencer a Conceição do Arroio.

Sendo Torres elevada á cathegoria de Villa e municipio em 1878 com os limites da antiga Freguezia, (com Conceição do Arroio e rio Tres Forquilhas) passa essa colonia á jurisdicção dos dois municipios.

Volta ella á jurisdicção de Conceição do Arroio em 1887, quando Torres voltou a ser Freguezia, mas torna á de Torres quando esta Villa em 1890 é restaurada.

Forma-se o rio Tres Forquilhas pela confluencia dos rios do Pinto e dos Carvalhos que nascem na serra do Mar.

Depois de um percurso de cerca de cinco leguas o rio Tres Forquilhas lança-se na lagôa Itapeva. Esta lagôa despeja pelo Sangradouro dos Cornelios para a lagôa dos Quadros ou das Casas de Telhas (também lagôa do Ignacinho), da qual nasce, na barra do João Pedro, o Sangradouro das Malvas que forma o rio Tramandahy. Este rio tem sua foz no Oceano.

Varios tributarios de maior e menor importancia recebe o rio Tres Forquilhas por uma e outra margem até lançar-se na lagôa da Itapeva.

Os principaes são os seguintes: pela margem direita, o arroio do Padre, o arroio do Erling, e rio Tres Pinheiros e a sanga do Espinho; pela margem esquerda, o rio Josaphat ou do José Feil, o arroio dos Dahl, a sanga dos Teixeiras, o rio dos Alaggios e o rio do Chapéo.

Alfredo Varella, na sua obra - O Rio Grande do Sul - dá para o rio Tres Forquilhas mais os seguintes affluentes que não conhecemos: arroio da Encantada, das Pedras e das Larangeiras. Suppomos que o arroio da Encantada seja o rio dos Tres Pinheiros e que do das Pedras seja o arroio do Padre.

As embocaduras dos tres ultimos affluentes do rio Tres Forquilhas formam as forquilhas que lhe deram o nome.

Encontramos tambem em documentos antigos o nome - rio da Forquilha.

O valle formado pelo rio Tres Forquilhas e sobre o qual assenta a colonia do mesmo nome é extenso e largo com uma penetração de cerca de cinco leguas.

Contrafortes da Serra do Mar ladeiam-no approximando-se em alguns pontos e noutros desdobram-se em valles menores e canhadas por onde descem as aguas dos tributarios do curso principal.

Dos altos d'esses contrafortes precipitam-se alguns veios de agua formando encantadoras cascatas que quebram o silencio d'aquellas mattas e de longe ao revérbero do sol a pino semelham traços de prata, sobre um fundo verde escuro.

Sujeito a grandes innundações, o terreno ahi é de uma fertilidade assombrosa.

Basta informar que ha pedaços de terra que vêm sendo cultivados ha quasi um seculo, sem adubação alguma, offerecendo sempre colheita tão farta como a que recolheram os primeiros colonos.

O rio Tres Forquilhas é navegavel em parte. O porto principal é o dos Allagios. Rio fundo e de aguas cristalinas, bordado de mattas alterosas, é um encanto a viagem por elle acima.

Logo á entrada da barra, sobre a margem esquerda e á sombra da Serra, ha campos de banhados de excellente qualidade, onde pasta gado medio e são abundantes as aves aquaticas que voltejam em bandos enormes confundindo os seus diversos pios. Emprestam á paysagem um lindo effeito aquelles milhares de azas de todos os tamanhos e de todas as côres, numa louca confusão, a descreverem curvas e contra-curvas num doido volutear, até que a embarcação se afaste e aquella nuvem alada desça tranquila aos seus dominios pantanosos.

Começam depois os mattos de um e outro lado a se mirarem no espelho das aguas. Aqui, uma canoa presa por cipó a alguma estaca, á frente de risonha habitação que apparece sobre o barranco alteroso do rio meio encoberta por arvores que o machado devastador alli deixou para abrigo da modestia, dá verdadeiros saltos quando as aguas se agitam em pequenas ondas regulares á passagem da lancha. Alli, são figueiras enormes de cujos galhos pendem flocos de barba de páo por entre orchydeas odorantes e vistosas, que encantam a vista. Acolá, roças á beira-rio onde homens e mulheres trabalham alegremente, ou cortando as cannas já sazonadas para fabrico de assucar ou arroteando o terreno para novas plantações.

Tudo isso de par com o suave canto dos passaros que povoam os mattos ribeirinhos, alegra o excursionista já deslumbrado ante o espectaculo grandioso daquella natureza maravilhosa.

Ao fundo, a silhueta graciosa da Serra do Mar, cujos taymbés se vêm distinctamente enclinados nos mattos ralos dos quaes sobressahem vetustos pinheiros, firmes alli como sentinellas seculares que lá estão á beira dos campos de Cima da Serra, testemunhas mudas de toda a historia daquella terra e d'aquellas gentes.

Á direita estão os morros do Chapéo e dos Tres Irmãos; á esquerda surge o dos Tres Pinheiros.

Pelas encostas se divisam manchas de um verde claro como que retalhos sobrepostos áquelle vasto manto de verdura que cobre montes e canhadas. São as plantações de canna de assucar, cultura preferida naquella zona, e que offerece aos agricultores vantagens melhores que qualquer outra.

Os primeiros colonos foram estabelecidos por ambas as margens dos rios nos terrenos de varzea como chamam alli á planície. Successivas enchentes, entretanto, os foram obrigando a procurar as encostas, de modo que hoje poucas habitações restam das primitivas.

Contam-se alli verdadeiros horrores das enchentes. São casas arrancadas; centenas de animaes arrastados pelas aguas; familias inteiras que pereceram; plantações destruídas e até cadaveres a corrente arrebatou do Cemiterio.

O Governo Imperial ao fundar a Colonia, mandou demarcar a cada familia ou colono um lote de terreno ou data, formando-se assim uma extensa picada, de Oeste para Lesta. Em geral os lotes ou datas fazem frente ao rio, variando muito quanto á sua extensão. Ha os de 1.600 até 2 mil e tantos metros de fundo. A arca primitiva de cada lote, segundo os documentos consultados era de 160.000 braças quadradas, que corresponde a 77 Hectares mais ou menos.

A posição geographica da Colonia era excellente. Em 5 horas, no maximo, ia-se do extremo leste da picada aos campos de Cima da Serra.

Havia dois caminhos. Um sahia nas Contendas e o outro na Fazenda de Manoel Marques da Roza.

Não nos foi possivel encontrar uma planta geral da Colonia. Cremos mesmo que não exista, porque empregamos esforços para encontral-a e elles foram baldados.

Sómente um novo levantamento completo nos permittirá conhecer a verdadeira localização de todos os lotes.

Nos primeiros annos da Colonia houve duvidas e contendas entre os colonos por que não foram executados como o deveriam ser os trabalhos de demarcação.

Hoje, entretanto, apezar de se encontrarem muito subdivididas aquellas terras é pacifica a situação de todos os proprietarios.

Cada familia cultiva as suas terras e mantem abertas as linhas de divisa, havendo respeito por parte dos confinantes.

Manoel Fernandes Bastos."

Fonte:  A FEDERAÇÃO (RS), 03 de Novembro de 1926, pág. 01, col. 05-07; pág. 02, col. 01

Uma rifa portuguesa


"Em Guimarães, província do Minho, Portugal, um sujeito rifou sua mulher e sua filha.

O preço dos bilhetes para a primeira era de 200 rs. e de 500 rs. para a segunda.

A filha tocou por sorte a um padeiro, que a reclamou; a mãe, porém, que não sabia que havia sido rifada com sua filha, ao ter d'isso noticia, correu a contar o facto ás autoridades policiaes que metteram no xadrez o rifador das duas mulheres."

Fonte:  A FEDERAÇÃO (RS), 18 de Janeiro de 1892, pág. 02, col. 01 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Sangue-frio


"(...)

Refere-se o Correio Mercantil:

<<Informam-nos de que um trabalhador da estrada de ferro, da secção de Maria Gomes, tendo-se ha dias deitado a dormir no campo, foi mordido por uma grande cobra jararaca, no dedo indicador da mão direita.

<<Esse homem teve tal presença de espírito, que, sem fazer o menor estrepito, tirou de um facão que trazia á cinta e com elle cortou o dedo mordido!

<<Este valente veio imediatamente para a cidade, onde foi medicado pelo sr.dr. Miguel Barcellos, e curado na pharmacia Popular, do sr. J. da Silva Silveira."

Fonte:  A FEDERAÇÃO (RS), 10 de Março de 1884, pág. 01, col. 04

África - o novo horizonte agrícola internacional


Importante reportagem disponível no canal Le Monde Diplomatique Brasil no YouTube.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

A Colônia de Três Forquilhas - Parte 02


"2. - Controversia

No Retrospecto Economico e Financeiro do Rio Grande do Sul, 1822-1922, organisado pelo Dr. Florencio Carlos de Abreu e Silva e publicado no Volume 8o. da Revista do Archivo Publico do Estado, diz esse nosso historiador que a colonia de São Pedro das Torres foi fundada com o estabelecimento de 86 familias allemãs, das quaes 28 d'alli se retiraram, dois mezes depois, formando um total de 182 individuos, que fundaram a Colonia de Tres Forquilhas. Essas 28 familias eram todas protestantes.

Parece haver um equivoco, determinado, certamente, por informações erroneas colhidas em documentos que não foram escriptos com o necessario escrupulo que sómente os historiadores devem observar: tanto mais facil de occorrer quanto não se trata de um ponto de grande importancia.

Entretanto, como pretendemos emprestar a este nosso trabalhinho o cunho de maior veracidade historica, vamos insistir um pouco neste ponto controvertido.

Talvez o nosso esforço estimule outras energias e provoque novas contribuições que façam toda a luz sobre o caso.

*****

A nossa opinião é que as duas colonias estabeleceram-se simultaneamente. A de São Pedro de Alcantara com o elemento catholico; a de Tres Forquilhas com o protestante.

Fundamo-nos no seguinte:

Na sua Memoria das Torres apresentada por Francisco de Paula Soares em 01 de Novembro de 1847 ao Governo da Provincia, documento que se encontra na Secção Historica do Archivo Publico do Estado, diz o fundador da Colonia das Torres:

'Os colonos protestantes como não precisavam serem soccorridos pelo Cura das Torres, os colloquei com seu Pastor e Medico, 8 leguas mais ou menos distantes da povoação ou Prezidio, nas pingues margens do rio das 3 forquilhas, em duas linhas parallelas; os colonos assim arranxados ficaram mui bem accomodados pela vantagem que gosam da navegação d'este rio.
Os colonos catholicos romanos que necessitavam serem soccorridos do Pasto espiritual pelo Cura das Torres, foram estabelecidos primeiramente pela estrada que abri no Mampituba e Rio Verde (rio este em que se abriu um paço que se acha arrematado), mas como sobreviesse uma não esperada inundação que desalojou a muitos de suas casas, por ordem do Exmo. Presidente Maciel foram transferidos para os terrenos devolutos que haviam entre a lagoa do Morro do Forno e do Jacaré onde acham-se arranxados', etc.

No mesmo documento o referido Tenente-Coronel informa que, projectada que foi em 1825 a fundação de uma colonia de allemães nas Torres, logo que elle concluiu os trabalhos da Egreja e do Cemiterio (no Prezidio) passou a 'tratar da abertura da estrada do rio Mampituba que divide esta Provincia com a de S. Catharina, e a do rio das 3 forquilhas que desagoa na lagoa do Armazem descendo da Serra, nas quaes se devia estabelecer'.

À margem do referido documento ha umas notas. Uma d'ellas é concebida nestes termos:

'Sendo o Exmo. S. Leopoldo (Visconde de) chamado para o Ministerio, ordenou que fossem os colonos collocados ao longo das estradas que se tinham aberto e o Exmo. V. de Camamu que então administrava a Provincia me encarregou de assim praticar'.

O rio Tres Forquilhas em certa altura tem o nome de rio do deposito.  A tradicção informa que naquelle ponto - desembarcara os colonos fundadores de Tres Forquilhas. Alli, á margem d'aquelle rio, foi levantada uma construcção para abrigo dos colonos, dando-se-lhe o nome de Deposito.

Ora, si os fundadores de Tres Forquilhas procedessem de S. Pedro de Alcantara, o seu transporte teria sido feito por terra, preferentemente, porque, para tomarem qualquer embarcação na lagoa de Itapeva, estavam obrigados a um grande trajecto, quasi tão penosa como o que os levaria de uma vez ao sitio das Tres Forquilhas.

Para esclarecer este ponto consultamos ainda os Relatorios e Falas dos Presidentes da Provincia.

Nos Relatorios anteriores a 1851 pouco se diz sobre as colonias de Tres Forquilhas e Sâo Pedro de Alcantara. Pela leitura do pouco que alli se encontra, chega-se á conclusão de que, infelizmente, não havia por essas colonias o devido interesse. Jogados que foram aquelles pobres colonos numa zona muito distante da capital, tiveram elles de luctar por si sós contra toda a sorte de difficuldades, como teremos occasião de ver. A Colonia allemã de que se fallava, então, era a de S. Leopoldo. Proximo da Capital, as vistas do Governo estavam sempre voltadas para ella e havia a maior solicitude em facilitar-se-lhe quanto era preciso para apressar e garantir o seu desenvolvimento material e assegurar o bem estar da população.

O Presidente João Luiz Vieira Cansanção de Sinimbu, no seu Relatorio de 1853, dizia:

'Já não podem ser consideradas colonias. (Referia-se a Tres Forquilhas e Torres). Seus habitantes acham-se confundidos na massa da população do paiz', etc.

Ainda no seu Relatorio de 1854 repetia:

'...já não merecem ser mencionadas nem as das Torres e Tres Forquilhas, por se acharem já quasi fundidas na massa da população do paiz'.

Si não sobreviesse um facto que chamou novamente a attenção do poder publico para aquelles dois nucleos coloniaes, estariam elles d'ahi em deante esquecidos completamente e nenhuma menção mereceriam nos futuros Relatorios. Esse facto foi a visita que se dignou fazer-lhes o Presidente Sinimbu em principios de 1855.

Do que viu e observou aquelle Presidente deu conta em officio de 1o. de Março do mesmo anno dirigido ao Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio. D'esse officio trasladamos para aqui o que segue:

'...Além d'estas existem na Provincia tambem as duas colonias agrícolas de São Pedro de Alcantara das Torres e Tres Forquilhas, das quaes nunca fiz menção especial em meus realatorios, por falta de informações officiaes, e só dellas posso agora fallar por as ter visitado.

No anno de 1826 mandou o Governo d'esta Provincia 86 familias allemãs estabelecerem-se no districto das Torres, extremidade Norte e limitrophe com Santa Catharina: A cada uma d'essas familias se mandou abonar subsidios por dous annos, sendo no primeiro a diaria de 160 réis, e no segundo anno a de 80 réis, com o que se despendeu 31:7018$00. Findo o termo de subsidio, retiraram-se 28 familias com 123 pessoas e mais 50 individuos solteiros, incapazes de se empregarem no trabalho rural. As familias que restaram se dividirão: no logar das Torres ficarão todas as que pertenciam á Egreja Catholica, e as protestantes foram situar-se na margem do rio Tres Forquilhas, a duas leguas de sua embocadura na lagôa dos Quadros. (Houve engano: é a lagôa da Itapeva).

Mais adeante:

'É Pastor Protestante Carlos Leopoldo Voges, que a 28 annos reside na Colonia'.

Ora, vê-se claramente por esse importante documento que dois annos após á chegada dos primeiros colonos, retiraram-se 28 familias com 123 pessoas e mais 50 individuos solteiros, mas que esses immigrantes não foram fundar Tres Forquilhas. As duas colonias formaram-se com as familias que restaram, que permaneceram no logar.

A fonte do erro, sem duvida alguma é o Relatorio que em 1856 apresentou á Assembléa Provincial o Presidente Jeronymo Francisco Coelho.

Lê-se naquelle Relatorio o seguinte:

'A Colonia das Torres foi estabelecida no anno de 1826 com 86 familias allemãs, no fim de 2 annos, tendo-se retirado 28 familias protestantes com 182 individuos, ficarão ahi sómente 35 que pertenciam á Igreja Catholica.

(...)

A Colonia de Tres Forquilhas

(...)

Foi fundada em 1826 com as 28 familias protestantes que se haviam retirado da Colonia das Torres.'

Ha contradicção flagrante. Um Presidente informa que no fim de dois annos retiraram-se da Colonia 28 familias incapazes de se empregarem no trabalho rural; outro, que essas familias foram fundar Tres Forquilhas. A retirada d'aquellas familias occorreu em 1828; entretanto, do segundo Relatorio consta que ambas as colonias foram fundadas em 1826.

Deante d'essa contradicção, fica de pé, como unica informação de valor, até que novas pesquizas convençam do contrario, o Memorial apresentado pelo fundador da Colonia, Francisco de Paula Soares.

Outras informações prestadas pelo mencionado Tenente-Coronel estão inteiramente accordes.

Eil-as:

Officio de 16 de Março de 1830, dirigido ao Presidente Caetano Maria Lopes Gama:

'Que a Colonia de sua inspecção (referia-se a São Pedro de Alcantara e Tres Forquilhas) teve seu principio em Novembro de 1826, entrando para ella 422 colonos allemães, tendo nascido 85 e fallecido 24, pelo que deveriam existir na mesma, 462, mas que faltam 61 para o estado completo e isto porque emigraram os colonos solteiros logo que se concluiu o pagamento do subsidio, bem assim algumas familias das quaes os chefes eram artifices, convindo-lhes mais o exercicio de seus officios mechanicos do que os trabalhos da agricultura.'

Por ultimo, chamamos a attenção para o Relatorio que em 1851 apresentou ao Governo da Provincia o então Director das Colonias Allemãs, Dr. João Daniel Hillebrand, pessoa de notoria auctoridade:

'Tres Forquilhas - Esta Colonia assim como a de São Pedro das Torres, teve sua origem no anno de 1826, epocha em que foram para ahi mandados os primeiros transportes de Allemães escolhidos entre os que vieram de São Leopoldo e a sua actual população, etc., etc.'

Manoel Fernandes Bastos."

Fonte:  A FEDERAÇÃO (RS), 21 de Outubro de 1926, pág. 01, col. 05-07; pág. 02, col. 01

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

A fruticultura no sul do estado do Rio Grande do Sul em 1909


"COMMERCIO DE FRUCTAS

A proposito das linhas que, recentemente publicamos, com relação ao elevados preços - mais que elevados, escandalosos - por que no mercado de Porto Alegre, se vendem as fructas e as passas de fructas originarias do Estado, recebemos de Pelotas a extensa carta que abaixo reproduzimos, em todos os seus detalhes:

<<Illustre sr. redactor da Federação - Porto Alegre.

Foi ha dias a proposito das viagens do vapor Salacia destinado ao transporte de peixe, fructas e legumes, publicado nesse jornal um escripto sobre o commercio de fructas, com considerações que exigem informações, que podem dar pessôas mettidas em chacaras, como eu.

Não alcancei o tempo em que, como refere o escripto, <a nossa producção de laranjas, uvas, maçãs, peras, melancias e melões, não só abastecia fartamente o Estado, como ainda chegava para exportar para o RIo em grande escala, originariamente, e sob a fórma de conservas e doces, que tinham ali alta cotação e davam resultados renumerativos>.

Modernamente testemunho: o mercado de Pelotas, e certamente todos os do sul do Estado, são dessas fructas e de outras mais como ameixas, marmellos, kakis e pecegos verdadeiramente inundados com enjôo da população, que farta e aborrecida de tanta fructa, já não quer nem vel-a, quanto mais compral-a!

Alguns chacareiros não sabendo como tirar proveito de tamanha producção, tractaram de experimentar a industria de compotas, passas, e semelhantes. Não encontrando procura, por sua conta expediram para o norte a consignação.

O resultado que tiveram, não os aconselhou a persistirem na experiencia. São poucos os que continuam esse fabrico, sujeitando-se com resignação a todos os seus precalços, porque não podem se livrar das chacaras, e são constrangidos e envidar esforços a vêr se conseguem costeal-as á custa dellas. Até agora os resultados não são de encorajar ninguem.

A produção de pecegos deste ano póde se até classificar aqui em Pelotas como uma calamidade que a tanto pobre cultivador prejudicou, fazendo perder pelas ruas da cidade pelo menos o tempo que podia descançar percorrendo-a de norte a sul, de leste a oeste, com a carreta carregada de fructas, sob os rigores do sol no mormaço do verão, com os bois despilhados nas pedras do calçamento ou os caballos abombados do pezo que arrastaram pelos deslives e repechos da serra, não encontrando na praça quem por qualquer preço lhes quizesse os pecegos.

Felizes foram muitos que puderam obter 200 réis pelo cento. Outros para mais leves voltarem á casa tiveram de varejar ao Santa Bárbara a carga incommodativa. Na estação do Capão do Leão, crivada de chacaras, todos os veranistas viram debaixo dos pecegueiros a fructa estivada, apodrecendo ao sol, porque nem valia a pena juntal-a para a dar a porcos.

Não resta duvida que a nossa laranja não póde competir com a do Rio ou a da Bahia, nem como a de nenhum outro Estado do Norte, a partir já de Santa Catharina: porém a culpa é mais da naturesa do terreno e do clima, que do cultivador, que quem lida com elle vê: esforça-se por conseguir genero apresentavel.

Pelos mesmos motivos a competencia com o Rio da Prata, extraordinariamente favorecido por condições naturaes, tem se de reconhecer difficil se não se quizer confessar impossivel.

Outro topico diz: <<O pecego, que era tambem fructa abundantissima entre nós e da qual hoje só se veem raros exemplares, custa convertido em conservas seccas 8$000 e 10$000 o kilo, e em calda 1$200 em latas de seis ou oito pedacinhos homeopathicos>>.

Penso dizer mesmo que entre outros, a <<Quinta Bom Retiro>> aqui estabelecida, tem introduzido e disseminado todas as novidades já obtidas e que se vão se conseguindo nos centros productores, e que muitas já aclimadas, estão em franca producção: não deverei occultar porém, que todos, inclusive os proprietarios daquella quinta, só trabalham em pura perda, e botam fóra ali, o dinheiro ganho no exercicio de outro ramo de actividade mais remuneradora.

A pasa que, pelo que com surpresa li, vale ahi de 8 a 10$000 rs., com difficuldade aqui consegue ser vendida a 2$000 o kilo, por gente, que preparando-a com todo o capricho no lugar denominado Santo Amor, perde dias pelas ruas desta cidade offerecendo-a de porta em porta com toda a humildade, de quem anda mendigando.

A tal compota se comporta ainda peior: é quasi repellida a páo.

Quando o dono não se decide a comel-a, empurra para longe a um commissario que seincumbe em alguma das praças do Norte de vendel-a aos melhores preços que possa alcançar. 

Às cançadas surde, quando já nem mais se pensa, uma conta de venda em que foi cotada a 500 réis a lata.

Não foi máo o preço para 8 ou 10 pedacinhos homeopathicos!

No emtanto muitos productores ha, cujos nomes não vêm no cazo, que resabiados da especulação, retiraram-se ás encolhas, e contemplam agora touradas de palanque.

Desanimaram por preguiça?

Vejamos.

Para fazer a compota, deixando o industrial de parte, que muita cousa consegue quasi de graça, o chacareiro que não obteve cotação para a fructa, trata de arrumar uma pequena installação. Torna-se-lhe preciso adquirir tachos para calda, baldes para agua, vasilhas para pôr a fructa de molho, taboleiros, panellão a proposito com correntes de suspensão para banho-maria, machina de descarcar e de descaroçar e ainda muita ferramenta miuda.

Na acquisição da fructa não pensa porque é justamente o que elle tem barato, porque não vale nada, nem o trabalho de leval-a ao mercado, - está em casa com a agua do arroio da Cacimba. Se não tem matto abundante, como succede, ha que comprar lenha ou carvão para o fogo que por muitos dias atiça desde a manhã até a noite. De assucartem de fazer ampla provisão pelos amaveis preços que os armazeneiros lhe impõem.

É só trabalhar agora. Então para colher a fructa, carregal-a para a modesta fabrica, estendel-a, descascal-a, descaroçal-a, partil-a, mettel-a na lata, cobril-a de calda, soldar latas, dar o banho-maria, retirar as latas da agua, pôl-as a refrescar, recolhel-as a deposito, é indispensavel tomar algum empregado, que não dispensa salario. Está o fabricante em época de pleno dispendio.

E não dispende só nisso. A lata que lhe custava 120 rs. cada uma, ainda agora lhe custa 90 e quando Deus quer, e o funileiro acorda, 100 réis, a solda inclusive serviço do soldador 40 réis, o rotulo 30 réis, o sello 50 réis, a caixa para cem latas 2$400, o papel para forrar a caixa e embrulhar cada lata de 5$000 a 8$000, a resma, conforme é mas ou menos fino.

A despesa continúa. Quer embarcar, paga corretos para o porto, paga o despacho e paga o despachante, paga imposto de exportação, paga o frete ao vapor e ainda no porto de desembarque até a cada do commissario, mais graudos que os de cá.

Além da fructa que representa trabalho e esforço em producção sem valor, cada lata contem tambem o assucar que custou bons vintens. No Rio, em S. Paulo, onde quer que consegue vender a razão de 60$000 a caixa, como é vulgar succeder, ainda tem commissão de venda a pagar no consignatario e de passe do dinheiro apurado, julgando-se feliz se não lhe descobriram outras despezas a fazer por lá.

Se apurou para o assucar, latas, soldas, piães, carretos e fretes, despachos e impostos, rotulos, sellos e encaixotamento e commissões, já teve sorte, conta-se feliz.

Alguns ha, que foram uma vez a Cascaes e nunca mais!

Meditam o escripto que me occupa e leem com enlevo o periodo: <<Não  ha perspectiva mais risonha>>.

Se o taverneiro vende a compota a 1$200 a lata, segue-se que ella deixa apreciavel lucro, que na forma do costume, ao productor não toca. Nós, como famulos do commercio que somos, continuamos a trabalhar exclusivamente para elle, neste como em qualquer outro, abundando a offerta sem haver a minima procura, e impossibilitada a venda directa, atulhados aqui os depositos, com todas as sahidas fechadas.

Se o consumidor pudesse comprar ao productor, sem a ganancia dos intermediarios de permeio, se o assucar, a lata, a solda, o rotulo, a caixa, o fisco, não andassem todos pela hora da morte, esta industria quitandeira poderia ainda animar-se e dar valor á terra, fraca para a criação bovina, que é ainda fóra do commercio, a unica cousa que serve.

Então vendendo bem barato, talvez encontrasse sahida para a producção, e um lucro razoavel animalo-ia a trabalhar em mais vasta escala, certo como ia de que não empregava esforço em pura perda.

É certo que ha fabricas, aqui e no Rio Grande que adquirem, que consomem a rastros de barato, uma parte da producção pomologica destes arredores: mas se ellas enriquecem a dois ou mais individuos, os que as abastecem do resultado do seu trabalho, tão escasso proveito tiram, que não chegaram a poder trocar o tamanco pela botina nos dias de festa. A camisa ainda é de riscado que compram.

Estas informações que julguei dever prestar-lhe, porque ouvida bocca de modesto cultivador, o digno redactor, pela esphera da sociedade que frequenta a convivencia mundana que mantem, não está habituado a receber, alongam-se por demais e devo terminar. Peço-lhe desculpa do precioso tempo que roubei-lhe com esta importunação e despeço-me, desejando todas as venturas e prosperidades de que é digno.

21 de 10bro.909. - Do co-relo.amar.sinco. - A. Costa>>.

Alegra-nos, sobremodo, que as palavras da Federação tenham encontrado echo em pessoa, que, pela maneira como discute a questão, parece ser nella muito entendida.

É isso signal de que o assumpto reveste interesse publico e pode ser encaminhado para uma solução que a todos satisfaça.

Antes de mais nada, devemos dizer ao missivista que o nosso articulado referente ao commercio de fructas dizia respeito em particular, á praça de Porto Alegre e, mostrando a carestia em que por aqui ellas andam, era justamente nosso intuito despertar a attenção dos cultivadores para o nosso mercado, e induzil-os a tentar a exportação para cá.

Da carta acima vemos que tinhamos toda a rasão em iniciar campanha a esse respeito.

Vae ver o nosso missivista quaes os preços phantasticos a que atingiram as fructas nos ultimos dias de festa, quer nas bancas do mercado publico, quer nas confeitarias e armazens de especialidades.

E os preços que abaixo indicamos não os obtivemos de informadores officiosos, mas nos proprios lugares onde taes artigos estão expostos á venda e qualquer um póde verificar:

Maçãs de S. Francisco, de 300 a 500 rs., uma.

Nacionaes 200 a 300 rs.

Figos, um, 300 rs.

Damascos, do tamanho de nozes, um, 100 rs.

Ameixas do Pará, cultivadas aqui, 300 a 500 rs.

Abacaxi 1$000 a 2$500.

Pêras cultivadas aqui, de 300 a 500 rs.

Passas de pecego, caixas pequenas 6$000, maiores 10$000 e 12$000, de pecegos maracotões, com quatorze ou quinze pecegos, no maximo.

Em uma das confeitarias acima nos foram mostradas pêras vindas do Rio Grande na ultima viagem do Salacia, que iriam sahir ao comprador em primeira mão a 300 rs. cada uma, ainda mal desenvolvidas.

Diante desses preços, que em nenhuma parte do mundo se paga por fructa congenere, no estado de inferioridade em que é costume apresentarem-n'a aqui, temos sobrada razão em aconselhar aos cultivadores do littoral o mesmo de Jaguarão a tentarem explorar esse commercio.

Se em Pelotas e Rio Grande existe a fartura a que allude o nosso missivista, a tentativa impôe-se, ao menos como medida preparatoria para exploração mais ampla no futuro.

Com isso darão vasão aos seus productos e contribuirão para o barateamento das fructas entre nós, principalmente logo que o publico verifique a excellencia do artigo sobre o que por aqui ha presentemente, accessivel ainda sómente a bolsa de gente rica.

Os mercadores de fructas fazem uns calculos que, afinal, degeneram em circulo vicioso: pedem por ellas preços extravagantes a pretexto de que as pagam caro e ficam muitas podres; e o publico deixa de compral-as por serem carissimas e, quando barateiam,... porque estão podres.

Quanto ás fructas em passas, especialmente os pecegos, podemos garantir que os armazena de especialidades as vendem aqui como de Pelotas aos preços já marcados e o modo de barateal-as seria vendel-as a granel acondicionadas summariamente em grandes caixas, como nol-as mandam de Portugal.

Em summa, a nossa iniciativa tratando do assumpto, foi despertar, para elle a attenção dos nossos cultivadores, afim de que se entreguem, no caso, a um trabalho systematico e constante, que, se não der lucros immediatos, ha de dal-os forçosamente n'um futuro muito proximo."

Fonte:  A FEDERAÇÃO (RS), 04 de Janeiro de 1910, pág. 01, col.03-05













terça-feira, 1 de janeiro de 2019

A Bossa Nova


"Nos anos 1950, a televisão despontava como veículo de comunicação de massas, capaz de ditar modas e tendências. O modelo econômico e cultural estadunidense tomava o mundo de assalto: jazz, rock and roll e os filmes de Hollywood estavam por toda a parte.

No Brasil, a circulação de música aumentou, impulsionada pela tevê, que apresentava muitos programas musicais - fruto da influência do rádio. Desse rico diálogo com estilos musicais estrangeiros, surgiu a bossa nova. Seu cenário de origem foi a zona sul carioca, onde os músicos se reuniam em pequenas festas sociais, como as que aconteciam no apartamento da cantora Nara Leão (1942-1989), para experimentar novas formas de tocar e cantar. Entre seus principais expoentes estavam João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes (1913-1980).

A bossa nova representou uma verdadeira revolução na forma de fazer música popular, pois a concepção musical até então dominante valorizava as grandes formações de bandas e orquestras e dava destaque à melodia. Por essa razão, os cantores tinham um papel fundamental nessas formações, e suas interpretações comportavam arroubos melodramáticos, malabarismo vocais e demonstrações de grande virtuosismo. Rompendo com esse padrão, a bossa nova propôs arranjos para voz e violão. O cantor integrava-se ao conjunto como mais um instrumento, e seu canto fluía como ocorre na fala normal.

A relação com a harmonia da música também mudou. Como consequência da aproximação com o jazz, o bebop e a música erudita da vanguarda europeia, com a qual Tom Jobim estava bastante familiarizado, a bossa nova passou a valorizar harmonias complexas com sonoridades até então pouco exploradas em nossa música. E, tal como no canto, a batida dos instrumentos de base (violão ou piano) era contida, evitando-se virtuosismos e exibicionismos.

A batida do violão merece atenção especial. João Gilberto foi o principal responsável pela criação de um violão que gerava desencontros entre os acentos rítmicos e a melodia que era cantada, dando origem ao que ficou apelidado de 'violão gago'. Até então, a bossa nova era uma forma mais intimista e rebuscada de tocar o samba. A partir dessa criação e das composições do músico baiano, ela ganhou autonomia e se fixou como um estilo musical novo.

O samba, naquele momento já consolidado como estilo nacional, estava associado à produção de compositores das camadas populares e era considerado 'música de morro'. Em seu vocabulário, trazia termos que expressavam esse universo, como 'cabrocha', 'requebrado' e 'mulata'. Já a bossa nova, representativa do ambiente da classe média carioca, trazia termos como 'garota', 'balanço' e 'morena'. Nas canções românticas, o dramático era substituído pelo lírico e as desilusões amorosas ganhavam certa leveza com o uso de termos como o 'amor', o 'sorriso' e a 'flor'."

Fonte: MEIRA, Beá. Percursos da Arte: volume único: ensino médio. São Paulo/SP: Scipione, 2016, pág. 206.
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