domingo, 20 de dezembro de 2015

Código de Honra

Notoriamente sabe-se da ligação do gaúcho com seu cavalo e a relação quase filial que se estabelece entre os dois na lida de campo. O cavalo é o companheiro inseparável do gaúcho, como se fosse o seu braço direito que está presente nos momentos mais diversos de sua vida. Apesar de alguns falsos gaúchos que não tratam o cavalo com o respeito devido, a grande maioria o tem em alta estima. Por isso, há uma espécie de código de honra no tratamento com estes animais que envolvem desde pequenas regras até alguns tabus sobre o cavalo. Um destes tabus é o consumo da carne equina, hábito considerado bárbaro e grosseiro mesmo por gaúchos mais interioranos. Mesmo equinos que morrem naturalmente nas estâncias ou são sacrificados, normalmente tem seus cadáveres enterrados. 

Neste final de semana, ouvi uma história bem interessante sobre este tabu sulista referente a um caso que aconteceu não há muito tempo numa das estâncias do Pavão, em Capão do Leão. Quis fazer o registro para que não se perca na memória.

Por volta do ano de 2001, um empresário australiano do ramo agropecuário esteve em visita à Pelotas para tratar de negócios e foi hospedado por uma família de posses que tem a sua morada no distrito do Pavão. Tendo vindo para ficar aproximadamente uma semana, a dona do local resolveu lhe oferecer um típico churrasco gaúcho no domingo e antecipadamente lhe comunicou das iguarias e diversos tipos de carne que iriam ser servidas. O tal australiano mostrou-se muito entusiasmado com o convite e perguntou à dona se haveria carne de cavalo na grelha - especialidade que ele aprecia muito em sua terra natal. A dona da estância respondeu que não é hábito no Rio Grande do Sul o consumo deste tipo de carne. Mas disse que poderia providenciar o produto. 

Na sexta-feira ordenou a um dos seus peões que sacrificasse um dos cavalos da tropa que existe na parte de trás da estância para ser servido no tal churrasco. O peão prontamente negou-se a fazer o abate, num gesto não muito usual de rebeldia. Irritada, chamou outro funcionário da fazenda e a negativa se repetiu. Assoberbada pelos preparativos do tal churrasco, protelou a busca pela carne de cavalo e tentou resolver no dia seguinte. Bateu na estância vizinha e a mesma negativa se repetiu: "Cavalo não se mata para comer"! Na outra, a mesma coisa. E assim foi. Procurou em açougues e frigoríficos e nada. No fim do dia, achou dois quilinhos de carne equina numa casa de carnes especializada que existia em Pelotas na época. Pagou os olhos da cara por uma carne que também não era procedente do Rio Grande do Sul, mas que ostentava um selo de uma empresa paulista.

O churrasco, aliás, foi um sucesso. O tal australiano se empaturrou de picanha e carne de ovelha. E a carne de cavalo, especialmente preparada para ele, ficou na grelha num canto da churrasqueira artesanal. Exceto o australiano e alguns da família da dona da estância, nenhum dos outros presentes se atreveu a provar sequer um naco!
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