sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Conselheiro Antonio Ferreira Vianna



Por Fernando Osório

"Nasceu em Pelotas a 11 de maio de 1833, no sobrado da costa do S. Gonçalo em que funciona a Escola de Agronomia e Veterinária, construído por seu pai João Antonio Ferreira Vianna. Arredado do berço natal, quando êste transferiu residência para o Rio de Janeiro, lá cultivou o privilegiado espírito e foi, sob uma estrêla feliz, levado a desempenhar saliente papel no cenário parlamentar, chamando sôbre si as vistas do país inteiro. Seu nome ficou ligado à página de ouro da História do Brasil: a abolição de 13 de maio - lei de sua inspiração, tal como foi concebida e formulada, e que teve a glória de expedir, como Ministro da Justiça do Gabinete João Alfredo. Pelo conjunto dos aspectos em que Ferreira Vianna pode ser apreciado, apresenta uma figura singular.

Bacharel em Letras pelo Colégio Pedro II, em 1850; bacharel e doutor em Direito pela Faculdade de S. Paulo, em 1855; presidente do Ateneu Paulistano; promotor público na antiga Côrte; deputado geral em diversas legislaturas, desde 1862; jornalista de pulso e presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro; Ministro da Justiça e do Império; foi orador de grande merecimento e jurisconsulto notável, talvez, no seu tempo, o advogado de maior clientela, no fôro do Distrito Federal. Fornecem matéria para vários volumes os numerosos trabalhos que deixou esparsos em órgãos da imprensa e publicações avulsas - panfletos, discursos, conferências, razões jurídicas e pareceres.

Dotado de sincero espírito religioso, depois de viúvo ocupou muito tempo uma cela no Convento de S. Francisco, cujo provincial, Frei João do Amor Divino Costa, era seu particular amigo; daí saiu para o ministério da Justiça. 

'A ironia' que Renan considerava une forme de la sagesse foi a feição do espírito de Ferreira Vianna que mais geralmente impressionou os contemporâneos. Ninguém possuiu, entre nós, como êle, o segrêdo de resumir num dito a crítica de um acontecimento, pintar com uma anedota uma situação, espalhar em discursos para encanto dos ouvintes e amargura do adversário, pequenas frases com asas e ferrão de abelha. Mas o epigrama sutil de parlamentar, de Presidente da Câmara Municipal, de Ministro, de jornalista, de cristão, fundando escolas e instituições beneméritas. E amou a beleza, com sensibilidade de artista e enlêvo de poeta.

Um belo dia foi o conselheiro visitar a Casa de Correção. Entre os presos com quem conversou achava-se um rapaz ainda bem moço, de maneiras delicadas, cheio de vivacidade, porém, transido de uma tristeza que impressionava. - Então, qual é teu crime? - perguntou-lhe o conselheiro. - Senhor, eu abusei da honestidade de uma menor. - Por quanto tempo fôste condenado? - Por quatro anos de prisão; já aqui estou há dois e faltam-me ainda outros dois; se, porém, V. Exa. quiser proteger-me, obtendo o meu indulto, eu comprometo-me a casar com a ofendida. - Olha - acode-lhe o conselheiro - queres um bom conselho, conselho de amigo? Cumpre o resto da pena...

Em um banquete político oferecido ao Conselheiro Ferreira Vianna pelo Partido Conservador, quando ascendeu ao poder, foi o notável jornalista saudado por Salles Torres Homem, que exaltou os seus serviços à causa das liberdades públicas e os seus incomparáveis dotes de publicista. Era notável orador sacro. São conhecidas as suas conferências relativamente a S. Francisco de Assis, ao irmão Ignácio, à Obra da Expiação dirigida pelo Cardeal Manning, à missão do arcebispo de Damasco. 

Foi o fundador das escolas municipais de S. Sebastião e S. José, em 1870 e 1871; do Necrotério em 1871; dos hospitais de S. Sebastião e da Jurujuba; dos Asilos Condes de Mesquita e S. Bento, na Ilha do Governador, nos terrenos concedidos pelos religiosos beneditinos e herdeiros do Conde de Mesquita; da Casa de S. José, para crianças abandonadas nas ruas; do Instituto de Higiene; do Laboratório do Estado; dos três edifícios onde funcionam os desinfetórios no matadouro, nas Ruas da Relação e João Clapp; da Maternidade (que deixou em construção) na Praia da Lapa; do hospital destinado ao tratamento exclusivo das crianças (plano e projeto que foram aprovados em 1889); da Inspeção de Higiene da Infância Escolar, cujas instruções foram determinadas por decreto de 28 de março de 1889; de 15 postos médicos para pronto socorro, durante  a quadra epidêmica, à população indigente da capital do Império. Foi fundador ainda da Associação Protetora das Crianças Pobres, em 1870, que anualmente fornecia roupa aos meninos das escolas de S. José e S. Sebastião; promotor e fundador de um Albergue Noturno para dormida dos infelizes sem-teto.

Reformou, como Ministro da Justiça, os regulamentos do Corpo Militar da Polícia, garantindo aos oficiais os seus postos; a Casa de Detenção e o Asilo de Mendicidade. Iniciou a inspeção dos hospitais e casa em que são recolhidos os loucos no sentido de garantir-lhes a liberdade e bens. Elaborou os seguintes projetos: Reforma Judiciária, Lei da Repressão da Vagabundagem, Reforma da Câmara Municipal (adotada como projeto substitutivo pela oposição liberal no Senado e na Câmara dos Deputados); Reforma da Administração das Províncias; Reforma Financeira sôbre Estradas de Ferro e Telégrafos do Estado e de Iniciativa Particular. 

Defensor e protetor da liberdade individual, mandou destruir as escuras da Casa de Detenção, convocar júris extraordinários e proibir as prisões sem nota de culpa. 'Coube-lhe a grande satisfação de fazer parte do Govêrno que aboliu a escravidão no Brasil, aspiração esta muito de sua alma, e para cuja realização poderosamente valeram as suas luzes, a sua coragem em afrontar os perigos anunciados e o seu prestígio como orador parlamentar'. 

Proeminente entre os proeminentes do Partido Conservador no antigo regime, os seus discursos, escritos e os seus atos são a afirmação do seu grande espírito liberal. Pouco depois da proclamação da República, Ferreira Vianna publicou, em 'O País', do Rio, com o pseudônimo de Suetônio, uma série interessantíssima de artigos sôbre o Antigo Regime, artigos êsses que alcançaram ruidoso sucesso, não só pela análise sutil de coisas e homens dos últimos anos do Segundo Império, como pelo fino humorismo que, por vêzes, nêles se desata com adorável e maliciosa graça."


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