terça-feira, 21 de outubro de 2025

Pai Francisco da Magdalena

 



Fanatismo e feitiçaria. - Pessoa moradora na Magdalena, vizinha ao lugar em que se deu o acontecimento, que narramos na folha de quinta-feira da semana ultima conta-nos o seguinte com relação a elle:

"Vai ja para mezes que a população deste lugar vivia empressionada com o que se passava na casa do velho africano Francisco, tido e havido como feiticeiro; e tambem em uma outra cabana alguns passos distantes da delle, onde regularmente se reunia um candoble [sic], cujos trabalhos incommodavam os vizinhos.

De involta com praticas e orações relegiosas do rito catholico e apostolico romano, como ladainhas, credos e bemditos resados em alta voz ante uma imagem do cruxificado, celebravam-se actos de puro fetichismo, e da mais remota antiguidade pagã, corruptores e immoraes, que só á imbecilidade e fanatismo dos fieis póde-se attribuir.

Em um deste conceliabos tido n'uma das semanas anteriores declarou o maioral que a virgem lhe tinha aparecido e lhe havia dito, que na cabana de Pai Francisco estava enterrado um santo e junto delle um grande cabedal.

Descutio-se o que se devia fazer, sendo a maioria, de opinião que se desenterrasse o coitado. Dito e feito: puzeram mãos a obra e começaram a escavação dentro da cabana do velho africano, e alli poderá ir ver, quem quizer, o buraco já enorme, que havia sido feito, e com certeza continuariam a prolongal-o até onde a credulidade os levasse, pois o santo não aparecia.

Não obstante corria fóra o botado de que já era visto a corôa do coitado, e como a ninguém era dado penetrar no santuario sem pertencer á seita, começou a desenvolver-se uma certa curiosidade entre a gente ignorante e credula, e cada dia crescia o desejo de saber-se a verdade, como se fosse preciso ver, para se conhecer que tudo aquillo era uma patranha grosseira e só acceitavel por fanaticos.

Mais de um tomou a resolução de forçar as portas do templo, porém recuavam todos ante a idéa de ficarem enfeitiçados, e só o cadete, depois de bastante alcoolisado, se atreveu a tanto.

O resultado do seu arrojo é já sabido, e foi de tristissimas consequencias, pois acabou por um auto de fé, do qual escaparam milagrosamente o casal africano, que na opinião de muita gente merecia ficar dentro da fogueira.

Tal é o espirito inculto da população e o terrour que a imaginaria feitiçaria dos negros impunham ao povo desta localidade."

Fonte: JORNAL DE RECIFE (Recife/PE), 01 de Março de 1880, pág. 02, col. 01

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