domingo, 20 de novembro de 2016

A casa colonial brasileira no século XVIII

Arqueta espanhola

Trecho extraído de: DONATO, Hernâni. História de usos e costumes do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 2005, p. 200-201.

"Esta, a recepção ao viajante que batia à porta das moradias rurais. Recebia comida e cama, por uma noite. A cama ficava na alcova, quarto sem janelas, com uma porta só e esta dando para fora. Assim, não havia comunicação com a família hospedeira.

As moradias do sítio atravessaram o século erguidos com taipa robusta, telhado de quatro águas, paredes pintadas com o branco do barro tabatinga e as portas e as janelas com anil. Madeiramento pesado, forte, de preferência usando canela preta. Na falta desta, empregavam-se a maçaranduba e a urundiúba.

A decoração, muito simples. 'Abarrados até menos de um metro, riscos azuis geralmente seguindo os cantos até o forro, algum desenho singelo. No mais, a brancura do cal. Na sala de visitas, segundo costume antigo em todo o Brasil, havia o espelho em moldura dourada no centro da parede, quase sempre fronteiro à janela, e nessa direção o tapete com sofá, e cadeiras em jacarandás e sola, com pregaria dourada...': assim Aluísio de Almeida, estudioso do assunto, descreveu as casas sulistas da época.

Se ricos e de bom gosto, os proprietários caprichavam. Na frente e no lados da casa, projetava-se o alpendre, largo e funcional. Era chamado de pretório por causa das colunas. Em certas obras havia uma sala em cada extremidade do alpendre. No fim do século, surgiu o varandão, que veio a ser a sala de jantar. Não existindo o pretório, ganhava importância o salão externo, onde as visitas eram recebidas. Nesse local, os índios e os negros recebiam a Bênção da Noite e, às vezes, assistiam à missa.

Em quase todos os cômodos havia mesas e bancos de madeira dura. Num canto da casa o sino chamava para o trabalho, convidava para a mesa e mandava para a cama.

Os ricaços de toda a colônia compravam móveis entalhados na Bahia, notabilizada também por isso. Na vila de São Paulo de 1741, o inventário de Sebastião Fernandes do Rego relacionou 18 quilos de ouro em pó e móveis baianos, entre outras riquezas.

Casa colonial mineira em Montes Claros-MG
No final da década, na parte sul da colônia, ao lado da casa tipo bandeirante, acachapada, quase um fortim, surgiu a casa mineira, assobrada, com porões servindo para a guarda de materiais e abrigo do gado. Nesse acréscimo, o detalhe importante foi o de que a cozinha voltou a entrar na casa depois de estar separada por mais de um século.

Na vila, a casa não mudou durante os anos setecentos. As do litoral puderam ser trabalhadas com pedras juntadas pela cal obtida com a queima de ostras. Vagarosamente apareceram os sobrados cercados por alpendre. Em 1772, seis sobrados se exibiam orgulhosamente em toda a São Paulo. No Recife e em São Luís eles teriam requinte na arte de construir e demonstração de poder econômico.

O fogão das moradas populares ainda foi de a tucuruva do indígena, três pedras no chão. Nas mansões mais importantes (a do governador, do bispo, do comandante militar, do contratador de impostos) brilhou a lareira portuguesa: um atijolado sobre o qual acendiam o fogo, obrigando a uma chaminé. Caldeirões pendiam do teto ou eram postos diretamente sobre as chamas.

Na maior parte das casas, funcionava e bem o fogão brasileiro que Aluísio de Almeida disse ser apenas o encompridamento do forno de torrar farinha. A mulher branca fez levantar o fogão que a índia, nos séculos anteriores, quisera no chão, pois ela trabalhava de cócoras. Na passagem do século surgiu, aqui e ali, a novidade das chapas de ferro, com diversas bocas.

As mesas chiques mostravam-se cobertas por toalhas de algodão, com guardanapos e toalhas 'de água às mãos'. Nas menos ricas, havia toalhas de mesa de oleado. Como requinte de higiene, alcatifas (tapetes) cobrindo o chão.

No quarto de dormir, o século passou deixando as camas das casas abastadas exibindo cobertores de papa, lençóis e fronhas de algodão, travesseiros e colchões recheados com macela, acolchoados de algodão ou de lã. Cortinados que protegiam contra os pernilongos começaram a ser adotados.

Redes de dormir
Mas a rede não foi abolida. Servia para o sono nas casas do povo, nos ranchos, nas pousadas, nos sítios. Convidava para a sesta nas casas de gente de bem, valendo como lugar de honra para acomodar a visita e como brinquedo para as crianças.

Da Bahia ao Piauí as casas rurais ganhavam o copiar ou copiá, espécie de alpendre ou varanda rústica, herança da cortina feita pelos índios com folhas de palmeira. Habitadas pelo povo mais pobre, tais cabanas deram nome a duas revoltas populares: cabanada e cabanagem."

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