domingo, 5 de agosto de 2018

A prisão do salteador Campara


"Acha-se preso e recolhido a cadêa de Porto-Alegre o famoso salteador Campara, sobre o qual dá o Mercantil daquella cidade os seguintes pormenores:

<<O celebre salteador, o pesadêlo de muito somno, o heróe de sombrias façanhas coloridas pelas imaginações espavoridas está recolhido á cadêa civil desta cidade!>>

<<Domingos ou Antonio Campara, conduzido desta capital para a villa de Santa Maria, onde devia ser processado e julgado pelo roubo que fizéra ao sr. Appel de avultada somma e de valiosos objectos de prata, evadira-se da cadêa em dezembro do anno passado.

<<Desde então seu nome e suas proezas tem-se tornado verdadeiramente populares. De todos os lados vinham notícias, mas ninguém lhe descobria o rasto. Parecia trazer comsigo a cornucopia das aguas, com que apagava as suas pegadas do sólo. Só uma vez foi batido e dessa vez deixou moribundo a seus pés um denodado mancebo, unico de tantos companheiros que ousára affrontal-o e que felizmente está restabelecido de seus graves ferimentos.

<<E' impossivel acompanhar o famigerado Campara em sua vida forasteira e assoladora.

<<Surgio na Vaccaria ultimamente dando-se por tropeiro e comprador de hervas, e acredita-se que ia á pista do sr. Tristão José Monteiro, que andava a cobranças e por quem perguntava com certo interesse. A sua presença provocou suspeitas.

<<O sr. chefe de polícia interino, tomando conta da sua repartição em fins de setembro teve a feliz e previdente idéa de fazer uma circular a todos os delegados, remettendo-lhes já impressa a descripção dos signaes de Campara e de seus dous companheiros para ser destribuida por todos os subdelegados; e inspectores de quarteirão. Assim em cada canto acharia o Campara o seu retrato.

<<O subdelegado da Vaccaria o sr. Innocencio José de Souza possuia alguns desses daguerreotypos em letra redonda. As suas suspeitas crescêram pela confrontação.

<<Havia porém proximo á freguezia o sr. Ismael Antonio da Paixão, alferes da guarda nacional, que conduzira Campara, quando contava apenas 12 annos, de Santa Catharina para a Vaccaria, onde viveu 4 annos em seu poder.

<<O sr. Hypolito Faustino de Oliveira e o alferes José Fernandes da Cunha foram buscal-o á sua residencia d'ahi a 2 leguas, e á noite achavam-se na freguezia.

<<Addiaram o ataque para a madrugada. Entretanto Campara não ficára sem as honras de uma ordenança. Acostumado talvez a esse serviço, o ex-soldado Pedro Bahiano, insinuára-se em seu agrado, e apresentára-o na casa equivoca, aonde pernoitou.

<<Ao amanhecer, aberta a porta o ex-soldado entrára com a familiaridade já estabelecida, e como não era de ceremonias, nem a casa, nem a dona, entraram uns após outros o sr. alferes Paixão, o sr. Hypolito Faustino e um outro Pedro, levando apenas comsigo as suas facas, armas insuspeitas na campanha.

<<Campara esperava pelo café, sentado na cama, de viola em punho. Pedro Bahiano, começando o plano combinado, junto a elle, picava fumo para um cigarro. De repente precipita-se sobre o criminoso dando-lhe a voz de preso, e apontando-lhe a faca aos peitos; acodem os tres companheiros e atam sem resistencia o descuidoso trovista!

<<Nem teve ao menos uma palavra heroica para esse transe. <<Alferes não me deixa matar>> foi esta a phrase que inspirou-lhe o medo em falta da apregoada coragem.

<<No cinto acharam-lhe duas pistolas, não de cem tiros, de uma bala apenas. O pistolão, que era uma de suas companhias, estava ausente concertando-se.

<<No dia 28 do passado foi effectuada a prisão, e hontem chegou elle a tarde no vapor de S. Leopoldo, vindo na escolta os alferes Paixão e José Fernandes, que tiveram de viajar noite e dia, por desvio e asperos caminhos afim de evitar que os companheiros de Campara, que não appareceram com elle na freguezia, quizessem resgatal-o da justiça.

<<O subdelegado Souza precedera o preso nesta cidade, e á chegada do vapor achava-se o cáes apinhado de povo, curioso de conhecer essa celebridade das estradas.

<<Ao ver a multidão que o esperava e fez-lhes as honras do acompanhamento até a cadêa, Campara ergueu-se na tolda, com o sangue frio que parecia haver recuperado, encarou o povo sorrindo ironicamente e disse: <<Mutio bem! Sou recebido com as honras de um presidente.>>

<<Durante a viagem esteve abatido e algumas vezes chorou! Aquelle coração não está de todo gangrenado. A parte donde correu aquella lagrima ainda está pura e sã. A lagrima é santa; é o primeiro orvalho que abre a consciencia á luz do arrependimento. Permitta Deus que não seja esse o ultimo raio de regeneração, que lampeje nas sombras de seu carcere.>>

O celebre faccinora já tinha respondido a dous interrogatorios perante o chefe de policia interino."

Fonte: A PATRIA (RJ), 25 de Dezembro de 1862, pág. 01, col.01-03
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