domingo, 10 de setembro de 2017

A língua alemã falada no Rio Grande do Sul


"O Rio Grande do Sul possuía, já antes da chegada dos primeiros imigrantes alemães, uma tradição política como marca de fronteira, uma sociedade constituída, cuja célula era a estância, uma economia na base da pecuária e uma tradição linguística portuguesa.

No dia 25 de julho de 1824, no passo de São Leopoldo, desembarcaram os primeiros alemães. No momento de sua chegada a Porto Alegre, tinham sido recebidos pelo Presidente da Província e depois encaminhados ao lugar de destino que, daí em diante, seria a sua nova pátria e a pátria de seus filhos.

Entre os bens culturais, os imigrantes trouxeram consigo a sua língua, não apenas a forma culta mas, principalmente, os vários dialetos regionais.

Como, nesses 150 anos, vieram para o Rio Grande do Sul imigrantes de todas as regiões da Alemanha, mas também da Áustria, Suíça e Alsácia, estão representados no Estado praticamente todos os dialetos alemães. Contudo, os imigrantes provenientes das margens do Mosela e do Reno, isto é, do Hunsrück e do Palatinado, vieram em número maior. E seu dialeto, entre eles chamado de 'Hunsbucklisch', é o mais propagado dos dialetos alemães falados no Estado. Outros grupos importantes, com os respectivos dialetos, são os pomeranos, os vestfalianos e os imigrantes oriundos de Oldenburg, da Suábia, da Baviera e grupos de língua alemã da Rússia.

Chegados aqui, tiveram de adotar novos sistemas de trabalho e cultivo. Foram obrigados a refazer as suas experiências anteriores, o que implica numa reelaboração da cultura material. O sistema a que estavam acostumados teve de sofrer modificações: o novo meio bio-geográfico, as primeiras e, às vezes, amargas experiências, as limitações a que estavam sujeitos pelo isolamento, levaram-nos a uma nova análise das estruturas herdadas, das ideias que faziam das coisas, de seus significados e valores.

E nesta situação também se encontrava a língua alemã. De maneira nenhuma pode subtrair-se à interferência do português, pois seu léxico não dispunha de palavras para encher esta lacuna, causada pela diferença estrutural entre a antiga e a nova pátria. Eram eles obrigados a recorrer empréstimos do português, sempre que se tratava de coisas, situações, atividades, para as quais não existiam palavras em sua língua. Uma grande parte de palavras desse tipo certamente já incorporado ao léxico dos imigrantes, já nos primeiros decênios da colonização. Dizem respeito a acidentes naturais, fauna e flora, técnicas e instrumentos agrícolas, etc.

E meio século após o início da colonização, esse fato já chamou a atenção dos estudiosos, como sendo característico do linguajar do colono alemão.

Os contatos e o convívio, paulatinamente intensificados com a população luso-brasileira, fizeram com que os imigrantes e seus filhos assimilassem também usos, costumes, divertimentos e jogos, integrando-se cada vez mais no novo ambiente. O reflexo, nós o encontramos nas novas palavras incorporadas ao léxico.

Mas essa incorporação não se processou aceitando-se a forma portuguesa, pois o comportamento linguístico é condicionado pela estrutura de cada língua. E assim o imigrante alemão transferiu para o português os hábitos linguísticos da sua língua materna.

Comparando o português com o alemão, veremos que boa parte dos fatos linguísticos são semelhantes no nível fonológico. Mas o que acontece quando se trata de fonemas estranhos ao alemão? Não tendo o hábito de produzir tais sons peculiares da língua portuguesa, o colono alemão produz aquele que no sistema fonológico alemão mais se aproxima. O mesmo vale também para o nível morfológico. É impossível apresentar nestas poucas linhas um quadro completo desse processo. O resultado é que, pelo fato das palavras portuguesas serem submetidas à estrutura do alemão, elas mudaram totalmente a sua fisionomia, caracterizando a incorporação e a adaptação de palavras portuguesas o linguajar do colono de origem alemã.

Uma pequena amosta: abóbora = Bower; acolchoado = Kolschoade; afilhado = Afiljade; agência = Aschenz; aguentar = aguentieren; alazão = Lasong; bagagem = Bagasch; banhado = Banjade; bicho = Bisch; braça = Brass; cachaça = Kaschass; chegar = schegen; despachante = Despaschant; facada = Fakade; juiz = Schuihs; etc.

Um outro processo consiste na formação de palavras híbridas, outra característica do falar do colono: Backgamell (gamela); Batateschmier (batata); Farinmühl (farinha); Nussdoss (doce); Puffmilje (milho); Rollfum (fumo); Schakuhinkel (jacu); Teebumb (bomba); etc.

E, por fim, encontramos ainda a criação de palavras novas alemãs que revelam, muitas vezes, grande fantasia criadora, demonstrando não só a vitalidade da língua alemã, como também a crescente Familiaridade com o novo ambiente: Aasvogel (urubu); Blattschneider (formiga cortadeira); Erdlaus (cupim); Käsbaum (umbu); Musterreiter (caixeiro viajante); Negerohrenbaum (timbaúva); Sandfloh (bicho-de-pé); Sandhase (preá); Wasserhuhn (saracura); etc.

Os três processos aqui descritos de forma sumária demonstram a necessidade e a vontade de vencer linguisticamente o novo ambiente.

Mas o processo não está no fim. Verdade é que a língua alemã ainda é bastante falada, principalmente os seus dialetos, tendo estes conservado suas características, de forma bastante pura. Mas hoje fazem parte integrante dos dialetos as palavras portuguesas adaptadas à estrutura do alemão, fato este que, em si, representa um enriquecimento. Daí vem o caráter típico e pitoresco do linguajar do colono alemão.

Contudo desapareceu o antigo isolamento. As comunicações exercem sua influência poderosíssima no sentido de geral conhecimento da língua portuguesa. Estamos na fase do bilinguismo, em que os falantes dominam duas estruturas linguísticas, dependendo o uso de cada uma da situação momentânea e ambiental. Infelizmente, persiste ainda a conceituação depreciativa do dialeto, de forma que pessoas bilingues cultas se envergonham de falar o dialeto, verdadeira célula mater da língua.

Qual será a sorte da língua alemã no Rio Grande do Sul?"

Fonte: BUNSE, Heinrich. O alemão falado no Rio Grande do Sul. In: EDEL LTDA. Sesquicentenário da Imigração Alemã/Hundertfünfzig-Jahre Deutscher Einwanderung (álbum oficial). Porto Alegre/RS: Sociedade Editora de Publicações Especializadas EDEL Ltda., 1974, p. 56-57.





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