terça-feira, 27 de junho de 2017

As "Chinas" na História do Rio Grande do Sul


Trecho extraído de: RIBEIRO, Niamara Pessoa & alii. O papel da mulher na Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Tchê, Casa Masson, 1983, p. 108-110.

"Eram as mulheres que acompanhavam as tropas em seus deslocamentos, e permaneciam nos campos de combate cuidando do soldado enquanto a mulher legítima aos olhos de Deus e da sociedade patriarcal - a mãe, a esposa, a filha - permaneciam em casa, tomando conta do lar, dos filhos, da estância e dos negócios do homem ausente, aguardando ansiosa o desfecho da guerra e o retorno do guerreiro.

Conhecidas por 'vivandeiras' ou 'chinas de soldado', eram de variada procedência, mistura de luso com índias ou com negras escravas muitas vezes. Saint-Hilaire em sua Viagem ao Rio Grande do Sul, entre 1820-1821, lhe faz diversas referências, como esta:

'Quase todos os milicianos acantonados nesta parte da fronteira meridional são amasiados com índias. A facilidade com que estas mulheres se entregam, sua docilidade, sua bronquice mesmo, são atrativos para esses homens rudes que não visam nada além de um instrumento de prazer.'

Não existia o Serviço de Intendências dos Exércitos, e por isso essas mulheres atendiam a toda a sorte de necessidades dos milicianos: cozinhavam, lavavam, cuidavam da farda, pregavam o galão que a luta arrancou, improvisavam recursos em suas barracas ou carretas, onde à noite abrigavam o corpo esfomeado do soldado.

Sua presença anônima e incorporada à própria história da formação geo-expansionista da Província, onde adquire papel importante na formação demográfica de nosso povo:

'Quase todos (os milicianos) tinham arranjado suas mulheres entre as índias; alguns casaram-se com elas e levaram-nas com os respectivos filhos; outros abandonaram as amásias e seus filhinhos; e enfim, houve uma centena deles que ficaram, pelo único motivo, digamos, de não se poderem separar das índias, as quais não podiam ser apresentadas às suas famílias.' (Saint-Hilaire)

Lothar Hessel, em seu romance Brava gente, descreve invasão do chinaredo à freguesia de Taquari, quando do combate entre legalistas e farroupilhas, em abril de 1840. À cata de comida, pilharam a bodega local, servindo-se de bolachas, cachaça e rapadura enquanto aguardavam impacientes o desfecho da luta para saquear mortos e feridos. Impedidas pelos lanceiros da companhia dos libertos sob o comando do general Canabarro, acabaram churrasqueando algum cavalo tombado na luta, para saciar a fome.

Da passagem destas 'chinas bravias' por Taquari, resultou a permanência de algumas, confinadas na Aldeia, denominação do subúrbio meretrício local, e que passou ao arroio e ao passo local.

As vivandeiras estavam presentes em todos os escalões militares, anônimas quase sempre. Fez exceção a "Papagaia', mulher do "Dr. Gaiola', apelidos com que passaram à História a branca (as chinas eram em sua maioria índias ou mulatas) Maria Ferreira Duarte, nascida em S. Antônio da Patrulha no ano de 1803, e seu marido boticário, natural do Rio de Janeiro, João Ferreira Duarte, cirurgião improvisado do exército farroupilha. Porque o cirurgião, amante de pássaros, costumava carregar um papagaio engaiolado às costas, e porque sua mulher o traía abertamente com o general David Canabarro, o casal foi mal visto pela soldadesca merecendo os alcunhas acima.

O casal Duarte foi aprisionado no combate de Porongos que em 1844 o brigadeiro Francisco Pedro de Abreu, o 'Moringue', efetuou de surpresa sobre o extenuado exército farroupilha, que já aguardava ansioso pelas negociações de paz. Soltos, retornaram a Taquari, onde faleceram idosos, ele aos 85 anos, em 25 de janeiro de 1887, e ela aos oitenta anos a 4 de outubro de 1894, sepultados respectivamente nas catacumbas nos. 122 e 548 do cemitério local. A viúva Duarte tornara-se pessoa de respeito, segundo necrológico dos jornais locais.

Merecem ainda guarida neste capítulo aquelas mulheres que, embora pessoalmente ausentes do campo de luta, assumiram deliberadamente atitudes que as posicionaram claramente a favor do partido político que abraçaram.

Assim, por exemplo, a viúva de Lino de Brum, a heroína de Caçapava, sem prenome conhecido, que, tendo perdido o marido em combate, enviou seus dois filhos homens para substituí-lo."

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