terça-feira, 15 de março de 2022

Fenômeno insólito em São Borja

 



Phenomeno. - O Alegretense publicou o seguinte fragmento de uma carta de São Borja (no Rio Grande do Sul), cujo objecto, como prevê o proprio autor da carta, dá lugar a muitos commentarios. Os leitores em seu criterio, que avaliem a veracidade do facto:

"No domingo da Trindade (31 de maio) era noute, quando em casa do indio Pantaleão, homem casado e morador no passo de São Borja, se achavam diversas pessoas resando a ultima novena do Divino Espirito Santo; entre ellas estava uma mulher de nome Joaquina com um filhinho nos braços, e moradora no mesmo passo. Uma voz a chama do lado do quintal, cuja voz foi por alguns dos circumstantes ouvida, Joaquina sahe deixando o filho entregue a outra pessoa e logo voltou dizendo, que ninguem via. Neste momento cahio extorcendo-se em convulsões tão fortes que foram necessarios dous homens levaram para uma cama, e alli de alguma forma a conterem.

As mulheres que se achavam presentes e mais pessoas a acudiram immediatamente e mais pessoas a acudiram immediatamente com cheiros, fricções, agua de cologne e outros remedios caseiros, porém as convulsões continuavam, e se não podia mandar chamar o medico, unico que então aqui existia. Dr. Araponga, não só pela distancia e falta de meios promptos, como mesmo porque se receiava que o Araponga, no caso de vir, pedisse um negro com um cachimbo, e a mulher não podia satisfazel-o, por ser pobre. Um indio velho, cujo nome, se me não engano, é Lourenço, disse nessa occasião, que sabia o que a mulher tinha, e, aproximando-se do leito da enferma, perguntou-lhe: - Você é homem ou mulher?

A mulher parou de extorsões e uma voz lugubre, e que muito se assemelhava a do ventriloco, respondeu-lhe em castelhano - Sou homem.

Duvidei do que vi, e ouvi, approximei-me a enferma, e com uma vela observava-lhe os labios, a ver se ella os movia, e nos queria pregar alguma peça; então eu mesmo perguntei - quer laço? respondeu-me a mesma voz - e que me ha de você castigar? Confesso-lhe meu amigo que heriçaram-se-me os cabellos e tive medo quando vi a mulher, para bem dizer morta e que unicamente palpitava o coração e não obstante não me podendo convencer do que presenciava, continuei em meu interrogatorio - e quem é você? Respondeu-me - sou o correntino João Poncio, que um companheiro meu matou-me no caminho do Povo, com uma punhaada debaixo das costellas para me roubar quatro patacões que eu tinha ganho em um divertimento.

A essa resposta uma mulher de nome Emilia põe a frente da enferma uma imagem do Senhor Crucificado, e eu perguntei-lhe o que queria? respondeu-se - isto - perguntei o que se era a Cruz? - respondeu-se-me - sim, uma cruz no lugar onde me mataram para todos se lembrarem de mim, e mesmo minhas irmãs, que nunca resaram por minha alma um padre-nosso. - Então, disse Emilia, eu reso todas as noites pelas almas do purgatorio. - Respondeu a voz - porem não resa por mim - Eu então disse - va-se embora que lhe mando fincar a cruz no lugar onde o assassinaram. - Logo depois desta promessa, a mulher, assentou-se, demonstrou estar em seu perfeito juizo, e em completo estado de saude, ficando, porem, sorprendida por se achar na cama desgrenhada, solto o vestido e cercada por tanta gente. Perguntou-se-lhe, se se lembrava do que tinha dito, respondeu que nada disse, pois que estava dormindo.

Não sendo supersticioso como vme. deve conhecer, e não acreditando em cousas sobrenaturaes, tratei de indagar quanto pude a ver se tinha cahido em alguma pela isto é se havia alli algum ventriloco, se se havia dado o facto da morte de João Poncio, quem elle era, a data do acontecimento e outras circumstancias que me parecem necessarias para acreditar no que vi. Soube que não existia ventriloco algum, e que era exacta a morte de João Poncio em 1846 ou 1847, e que o cadaver esteve por mais de vinte e quatro horas no lugar em que se commetteu o assassinio sendo sepultado a expensas de um morador, por caridade, e evadindo-se o assassino para Corriente. Não hesitei, pois, em satisfazer a minha promessa; mandei fazer a Cruz e a benzer, e no dia 18 do corrente a mandei fincar no lugar destinado.

Estou certo que a minha historia deve dar lugar a commentarios, e muitos duvidarão della, porem a isto responderei que se não houvessem incredulos a religião do mundo seria uma e unica. Sou seu amigo.&."

Fonte: O CONSTITUCIONAL (Rio de Janeiro/RJ), 11 de Outubro de 1863, pág. 04, col. 02-03

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