sábado, 31 de março de 2018

Malhação do Judas em Pelotas em 1861


"Rio-Grande do Sul. - Rio-Grande, 16 de abril de 1861. - (Carta do correspondente)

(...)

- Sobre a celebre questão - Judas - de que os nossos leitores já teem conhecimento, o correspondente do Echo do Sul em Pelotas dá os seguintes pormenores:

O punho nos treme de indignação ao traçarmos as presentes linhas, que vão noticiar aos leitores do Echo um daquelles factos de feroz vandalismo, que felizmente só poucas vezes se vêm no antro das cidades civilisadas.

Hoje manhecerão em vários logares da cidade algumas figuras, conhecidas por Judas, que ao romper a alleluia na igreja estalão.

É sabido que o humor popular nunca deixa de manifestar-se nestes dias para com pessoas de poucas sympathias.

É assim que em uma travessa da rua de S. Miguel, amanheceu fincada no páo uma figura que não tinha letreiro nem indicação directa alguma de haver sido posto alli de acinte a qualquer dos vizinhos.

O Sr. Luiz Brandão, porém, moço estabelecido com loja de fazendas na rua de S. Miguel, e que goza de poucas sympathias por ter fama de usurario, achou no citado - Judas - semelhanças comsigo e entendeu, portanto, que era o seu retrato, embora a figura não trouxesse distico nem letreiro.

Muito insultado com semelhante desaforo, dirigiu-se o Sr. Brandão ao subdelegado de policia, que, na louvavel intenção de evitar disturbios, mandou pela policia tirar o - Judas - em questão.

Mas as boas intenções do Sr. subdelegado produzirão effeito contrario ao que S.S. pensava, porque, tomando ganja com tal ordem, entendeu o Sr. Brandão e o Sr. Godinho seu sogro que devião tomar satisfações aos vizinhos.

Com esta intenção armou-se o Sr. Godinho (sogro do sugeito que se julgava retratado) de bengala de estoque e dirigiu-se primeiramente á casa do Sr. Manoel José de Oliveira, para (segundo elle dizia) dar a um irmão deste os agradecimentos por haver arvorado o seu genro em - Judas -, mas não encontrando na loja o dito moço, considerou o Sr. Godinho que um pobre velhote de nome Candido A. Xavier, que tem uma lojinha defronta, lhe offerecia occasião mais facil e menos perigosa para dar largas ao seu genio, que o irmão do Sr. Oliveira talvez não houvesse querido supportar e portanto investiu para a loja do Sr. Candido, que estava almoçando com a sua familia.

Havendo Candido comparecido na loja e indo apertar a mão ao seu visitante, este lhe cahiu de bofetões e depois o socou a bel prazer com a bengala que trazia..

Acudiu então o genro Brandão que mora na casa vizinha, armado com um covado, e vendo o Sr. Candido já deitado no chão e calcado aos pés por Godinho, descarregou furibundos golpes de covado na cabeça da victima, despedaçando-lhe o craneo em varias partes e tentando assassina-lo. Acudindo a corajosa mulher da victima em defesa do seu marido, que estavão assassinando, o Sr. Godinho lançou-se sobre ella e a espancou cruelmente com a bengala, fazendo-lhe graves contusões e ferindo-a em varias partes e até uma pobre menina de 12 annos, filha das victimas, foi cruelmente espancada.

Somente a muito custo conseguirão as pessoas que presenciárão o facto arrancar as victimas ás sanguinarias mãos dos seus furiosos algozes, ambos homens casados e pais de familia!!

O Sr. Candido acha-se em perigo de vida, estando o craneo fracturado na extensão de duas pollegadas e tendo uma ferida funda e muito perigosa em uma das fontes, além de muitas contusões. A sua mulher está igualmente ferida e contusa, estando por ora com um braço inutilisado e com uma contusão no seio, que apresenta todos os signaes proprios para tornar-se cancro.

A menina tambem está bastante contusa e maltratada.

É assim, pois, que de dia e á vista de todo o mundo, dous homens invadirão a propriedade alheia, violando o asylo do cidadão, e tornárão-se culpaveis de tentativa de morte, espancando uma familia inteira, marido, mulher e filha!

E porque?

Porque julgárão erroneamente que aquelle pobre homem fosse autor do Judas, quando está provado que elle nem se quer teve parte e sciencia disso!

E um dos dous criminosos é homem velho e de alguma posição na sociedade, ambos são pais de familia!!

O Sr. subdelegado procedeu incontinenti a auto de corpo de delicto nas pessoas das victimas, mais ainda não prendeu os criminosos, que já devião estar recolhidos á prisão, visto que ha 20 e mais testemunhas oculares de tudo quanto acabamos de narrar.

O crime é patente e o mais escandaloso possivel; violação do asylo do cidadão e tentativa de morte em uma familia inteira, sem causa justificavel, nem circumstancias attenuantes.

É, pois, forçoso que a moralidade publica tenha uma desforra e que os criminosos sejão presos e punidos.

Bem sabemos que haverá empenhos e protecção aos criminosos; mas da justiça esperamos o justo castigo dos réos.

E aguardamos o ulterior procedimento da autoridade para voltar ao assumpto."

Fonte: CORREIO MERCANTIL (RJ), 26 de Abril de 1861, p.01. c.04
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