domingo, 24 de junho de 2018

A História dos Dias da Semana


"É bom que nos detenhamos neste assunto, porquanto nem todos os povos usaram ou usam os mesmos designativos.

Domingo - Primitivamente, o 'dia do Sol'. O astro-rei era tudo para o homem primitivo. Espantava as trevas, aquecia os membros entorpecidos, sazonava os frutos, amadurecia as colheitas, trazia para fora de seus covis as peças de caça, amornava as águas para o passeio dos cardumes. Sem ele no céu, reinava nos corações humanos o pavor pelas sombras e o temor da morte chegada nos azares das tempestades! Era forçoso amar e respeitar, até ao temor, aquela força infalível, poderosa. O Sol era deus. A ele cabiam as primeiras oferendas e homenagens. Assim identificado com Deus, o seu dia dedicado à Suprema Majestade. Desse 'Dies Dominica' ou 'dia do Senhor', surgiu o nosso domingo, o dimanche dos franceses, o domenica dos italianos. Mesmo entre os povos mais cultos, que medem do mesmo modo pelo qual medimos nós os dias da semana, o domingo lembra o culto ao Sol. Exemplos? Em alemão diz-se Sonntag, em inglês Sunday, ambos significando 'dia do Sol'.

O primeiro a chamar Domingo, isto é, dia do Senhor a um dia da semana foi São Justino, fundador da primeira escola cristã em Roma, onde veio a ser martirizado em 165. O Concílio de Elvira, no ano 300, punindo com excomunhão quem faltasse à missa em três domingos como que oficializava o domingo cristão, já de uso nos três séculos precedentes. O descanso dominical sofreu muitas alternativas e até foi condenado pelo Concílio de Orléans antes que um edito de Constantino proibisse o trabalho a algumas classes liberais.

Dia da Lua (Segunda-feira) - Depois do Sol e sempre no céu, a Lua era a impressão mais forte recebida pelo homem. Influía nas marés, no plantio, no corte de madeiras, talvez mesmo no nascimento das criaturas. Tão poderosa e influente nos destinos humanos que a imaginação dos primitivos fê-la também ser Prosérpina, a rainha dos infernos, e Diana, deusa solitária e caçadora. Com todas as honras, portanto, coube-lhe um dia da semana.

Dia de Marte (Terça-feira) - Na escala dos poderes que governavam céus, terras e criaturas humanas, Marte pontificava. Era o senhor da guerra e, portanto, dos destinos das nações e dos povos. Em Roma, onde lhe deram um mês inteiro (março), esse astro era invocado quando se decidiam as guerras e recebia ações de graças, depois das jornadas vitoriosas. O Rei Numa depositou aos pés desse deus os destinos da cidade e instituiu um corpo de sacerdotes - os sálios - para honrarem o poderoso superintendente dos destinos humanos. Tamanha honra teria lisonjeado a tal ponto o impressionável senhor dos céus, que, certo dia, fez cair um escudo de bronze junto do rei que orava. Numa entendeu a mensagem: a cidade e o reino que criara durariam tanto aquele escudo. Mandou fundir outros onze escudos em tudo iguais àquele descido do céu e confiou-os à guarda dos sálios. Ao deus protetor dedicaram desde então as preces de um dia especial da semana.

Com outros nomes e diferente apresentação, o senhor da força e da guerra merecia o mesmo culto de todos os povos. Era Tyr para os primitivos ingleses e batizou com seu nome a terça-feira - Tuesday. Tão potente quanto o romano tinha, no entanto, uma só mão. A outra, perdera-a ao prender Féuria, potência maligna que infestava a terra sob a forma de lobo e prometera deixar-se prender se um deus especialmente corajoso e forte descansasse a mão, por um momento, entre as suas mandíbulas. Tyr ousou e vencendo a fera perdeu a mão. Por esse e muitos outros atos de coragem em favor dos homens mereceu a veneração dos mortais e a honra de ver dedicado ao seu culto um dia da semana.

Dia de Mercúrio (Quarta-feira) - Mercarii verbo latino que traduzimos por comerciar, mercadejar, ligou-se a Mercúrio, deus do comércio, dos viajantes e dos...ladrões! Apresentava-se armado com uma vara de duas serpentes, e era positivamente amigo da rapidez e do voo, pois, além de ter asas nos pés, usava um chapéu alado. Mensageiro e arauto de Júpiter, protegia os negociantes e os seus negócios; operações e criaturas essas tão importantes em todos os tempos e lugares que, por fim, alcançaram para o deus a consagração de um dia da semana.

Os germanos quebraram a esta altura a tradição de aliar uma invocação divina a cada dia da semana. À nossa quarta-feira chamaram e chamam Mittwochi, ou seja, meio da semana. Já os ingleses mantiveram o costume denominando a este dia Wednesday, que parece referir-se a Odin, ou Wotan, o maior dos deuses das raças nórdicas. Vivia num palácio de ouro e prata, o Valhala, conhecendo o andamento das coisas do mundo pelas notícias que periodicamente lhe traziam dois mensageiros especiais. Eram dois corvos que, ou estavam viajando à procura de novidades, ou pousados sobre os ombros do deus relatando as bisbilhotices humanas.

Dia do Júpiter (Quinta-feira) - Jeudi, jueves ou giovedi - origina-se de Júpiter (jovis dies), honraria conferida ao pai dos deuses pagãos, comandante dos ventos e das tempestades, cujas mãos dirigiam os raios e liberavam os estrondosos passeios dos trovões.

A ideia quase necessária de homenagear e assim aplacar um deus totalmente poderoso esteve presente também no espírito de vários outros povos. Donnerstag (dia de Donner, o trovão) é a quinta-feira dos alemães. Na Escandinávia, as honras deste dia cabem a Thor, deus proprietário de um martelo tão pesado que só ele o podia manejar e que, ao ser vibrado contra a concavidade do céu, produzia os trovões semeadores de pânico entre os homens. E não só os homens se irritavam e temiam os trovões assim produzidos. Pois o forçudo gigante Thrym, um pouco enervado e roído de inveja, apoderou-se do martelo e ocultou-o. Surdo aos rogos e ameaças de Thor, resolveu devolver o martelo mediante um alto preço: permissão para casar com a deusa Friga. Era coisa que nem mesmo um deus tão poderoso como Thor poderia conceber. Mas como estaria desonrado sem o seu martelo, concebeu uma esperteza audaz: vestiu-se, adornou-se e perfumou-se como a própria Friga e foi ao encontro do gigante que lhe abriu a casa para uma recepção de gala. Mas durante o jantar o apaixonado Thrym assustou-se quando viu a suposta Friga engolir muito à vontade um boi inteiro e oito salmões de tamanho avantajado. Contentou-se, porém, com a explicação de que mesmo para uma deusa a jornada fora longa e o apetite era grande... Quando Thrym sentiu os efeitos do vinho e dos temperos. Thor livrou-se do disfarce, retomou o seu martelo e saiu a vibrá-lo contra o céu, provocando assustadoras trovoadas.

Dia de Vênus (Sexta-feira) - Nascida da espuma para distribuir belezas pelo mundo. Vênus, com este nome ou outro qualquer dos que lhe emprestaram os homens de vários países, traduziu para os pagãos os ideais da formosura, harmonia e amor. Desempenhando função assim importante na vida sentimental e estética dos homens, estava a merecer a homenagem de um dia. Veneris dies dos romanos resultou no venerdi dos italianos, no vendredi dos franceses, no viernes dos espanhois, quando o evoluir dos idiomas neolatinos deixara sepulto no rolar dos tempos as razões primeiras da terminologia romana.

Não só os latinos dedicaram esse dia à deusa do amor e da beleza. Entre os nórdicos ela se chamava Friga e em sua honra os ingleses chamam a este dia friday e os alemães freitag.

Sábado - O deus especialmente caro aos velhos romanos foi exatamente o único despojado, pelo uso e pelo tempo, da homenagem consistente em dar nome a um dia da semana. Isso ocorreu assim: segundo a escala da devoção popular o sexto dia caberia a Saturno. Este era um deus praticamente particular dos povos itálicos, ou melhor, dos romanos. Segundo as mais antigas lendas, Saturno era o senhor principal do Olimpo. Despojado por Júpiter de suas prerrogativas, foi procurar refúgio na região que mais tarde se chamaria Lácio (da palavra latina latere, que significa esconder-se, ocultar-se). Aos homens que acorreram a servi-lo ensinou a agricultura e inaugurou uma era que passou a ser apontada pelos romanos e italiotas como a Idade do Ouro. Sua presença na península emprestou à Itália o nome de Saturnia Tellus, isto é - Terra de Saturno. A mitologia ficou para trás, mas o culto dos romanos continuou. Entregaram ao deus a proteção das semeaduras e da agricultura, proteção essa que agradeciam e invocavam todos os anos com as grandes festas Saturnais celebradas em dezembro. Elas duravam quatro dias com tribunais cerrados, escolas vazias, soldados licenciados, escravos sentados à mesa com os seus senhores! No quarto dia, as honras da festa eram distribuídas entre o deus e a sua esposa Opi ou Rea, deusa identificada com a mãe terra, produtora da vida e da fartura. A festa não era mais do que um retorno imaginário e temporário aos bons tempos em que o deus Saturno reinara e ensinara todas as artes e técnicas aos homens do Lácio.

As festas perpetuaram-se, embora desvirtuadas, por toda a história romana. Mas a homenagem a Saturno correspondente a um dia da semana perdeu-se nas línguas latinas, substituídas pelo termo hebraico Shabbath, que traduz o repouso indicado na velha lei judaica como sendo o dia dedicado ao descanso e às orações.

O idioma inglês permaneceu fiel ao velho Saturno chamando ainda ao seu sábado Saturday."

Fonte: DONATO, Hernâni. História do calendário. São Paulo: Melhoramentos, 1993, pág. 22-26.
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