Como na maior parte das regiões de população escassa e abundantes pastagens naturais, a criação de gado em Mato Grosso é quase que totalmente extensiva.
Os campos são enormes e nem sempre limpos. Há zonas de cerrado e cerradão onde, com a falta de costeiro, o gado torna-se arisco, ligeiro, e por fim bagual ou alçado.
Bagual é o nome que se dá ao gado bravio, que já não obedece mais ao homem - não dá rodeio. Cria-se à lei da natureza. O sal, encontra-se nos barreiros. Procuramos nestas linhas descrever uma batida de gado bagual, como é feita "em baixo da serra", região variadíssima, que compreende os contra-fortes e fraldas das serras de Amambahy e dos Baús, até se perderem nos Pantanais. Nesse serviço o peão matogrossense, quase desconhecido, exibe toda a sua perícia de campeiro.
O bagual em lugares onde é perseguido, passa os dia na crôa dos cerradões e nas matas; só sai de noite para beber água e pastar nas cabeceiras. Assim, os bagualeiros escolhem as noites para trabalhar, de preferência as de luar.
A comitiva nesse serviço nunca é muito numerosa. Compõe-se geralmente de cinco a seis peões. O encarregado escolhe um retiro ou faz um rancho para centro de suas operações. O crepúsculo é a hora de sair para o campo, seguindo os peões em fila, o mais prático na frente; vão de cabeceira no passo do matungo, contra o vento e num silêncio quase fúnebre.
Avistam afinal u'a manada que está "branqueando" a cabeceira; param, consultam-se, discutem e deliberam à meia voz o que vão fazer. Aproximam-se agora no passo do animal e alerta sempre. Quando as rezes dão sinal de ter percebido qualquer coisa, levantando alto a cabeça, a peonada dá uma "arrancada dura" para logo alcançá-las. A orilha do cambuaval, impenetrável ao cavalheiro, fica às vezes a menos de 300 metros.
Daí em diante cada um trabalha para si; tem que alcançar a rez que escolheu, ou que estiver a geito, laçando-a e maneando-a, o que não se faz sem agilidade ou presteza. "É moço! Sou índio que sahio em cima de qualquer tucura, orelhano, lasso e, quando ele amontôa no estirão, boleio a perna de cima do arreio, aperto e já tô, maneando". É assim: quando a rez cai no estirão, pulam do pingo, que fica chinchando, e apertam-na antes de ter tempo de levantar. E dizer, seguram o pé que está por cima, ou o rabo passado por uma das pernas. Maneiam agora, amarrando os dois pés de encruzado, os dois pés a uma das mãos, ou ainda um pé ou u'a mão encruzados. Para isso trazem um peador na cintura, amarrado com um nó fácil. Em seguida reunem-se todos no lugar de partida, de onde ajuio o gado. Algum extraviado toca a capoeira para orientar-se. É um som que se produz assoprando com força num vazio feito com as duas mãos. Ouvindo-o os companheiros respondem, dando assim uma direção ao perdido.
Reunidos, amarram as rezes pegadas a qualquer árvore forte mais próxima - é o tambo. A operação chama-se tambear e consiste em amarrar a rez ao pau por meio de um maneador. Dão umas quatro ou cinco voltas de maneador em roda do pescoço ou chifres do bagual e outras tantas em volta do tambo, passando pelas primeiras. As voltas devem estar todas certas. Durante a noite podem dar mais de uma batida e muitos peões não se satisfazem em lassar uma rez só.
De dia uma partida de bois de carros amestrados, vai de lugar em lugar, onde estiverem tambeados os baguais, que são ajojados pelos chifres ao pescoço do boi manso. Costuma-se aparar as aspas dos baguais para que não machuquem seus condutores.
Vão assim, meio contrariados, até a fazenda ou rancho onde são carneados para o consumo ou para fazer charque. O bagual amansa dificilmente.
FREDERICO LANE
Fonte: SEMANA NACIONAL (São Paulo/SP), edição 009, março de 1956, pág. 60.