domingo, 20 de janeiro de 2019

A casa colonial italiana


"Na propriedade, a casa, assim chamada, consistia no prédio erguido com o acabamento mais esmerado e maior volume.

Usualmente, possuía três pavimentos, que correspondiam, respectivamente, aos três setores: o porão, a ala residencial e o sótão. O porão podia ocupar todo o subsolo, ou parte deste, o pavimento térreo ou até situar-se isoladamente. Tanto nas casas rurais como nas urbanas, o mais comum era o aproveitamento dos desníveis das encostas para, no sentido transversal, serem implantadas as moradias. Dessa maneira, o perfil natural do terreno dividia na diagonal as paredes laterais; enquanto uma das paredes transversais ficava todo aparente, a outra praticamente, escondia-se abaixo do subsolo.

Erguidos quase sempre em alvenarias de pedras, alguns porões possuíam janelas com ventilação quase sempre permanente, orientadas na direção sul.

As soluções adotadas fizeram com que esse ambiente conservasse as condições adequadas para armazenar os vinhos, os queijos e os salames. Estes eram pendurados nos barrotes do entrepiso e protegidos por dispositivos que impediam o acesso de ratos.

Ali, além de guardar outros gêneros alimentícios, havia lugar para ferramentas, para lenha e, muitas vezes, para uma bancada de marceneiro.

As famílias não só construíam as próprias casas, como também fabricavam seus móveis e peças de vestuário.

Uma única porta externa, colocada no eixo principal, dava acesso a essa área. Raramente essa porta ficava na fachada principal; nesse caso, o acesso à ala residencial era feito por uma escada externa e uma sacada, como as construídas na Itália, e lá conhecidas como balatòio.

No pavimento térreo, o acesso dava-se por uma porta ampla, de duas folhas, que conduziam à sala de visitas, conhecida como salote, e simetricamente ladeada pelos quartos de dormir.

Pouco ocupado, o salão era usado como sala de refeições, nos dias festivos, santificados, e como local de velório, quando falecia alguma pessoa da família.

Os dormitórios variavam entre dois e uma dezena. A ala residencial podia possuir até dois andares e um pé-direito que oscilava entre dois e quatro metros. Grandes camas, onde também dormiam grupos de crianças, baús e, às vezes, algumas mesinhas de cabeceiras e toucadores constituíam o mobiliário básico e rústico dos dormitórios. Um desses quartos, muitas vezes transformado em despensa, possuía uma escada que dava acesso ao sótão.

Acima dos quartos ficava o sótão. Normalmente sem forro, contava com pé-direito baixo e aberturas pequenas, em simetria com os vãos dos pavimentos inferiores. Nessas condições, o sótão conservava um ar quente e seco, adequado à conservação dos cereais que ali eram guardados. A iluminação do último pavimento podia ser feita por essas janelas de tamanho reduzido nas paredes laterais, ou ser alcançada através de simples frestas nas telhas, que eram simplesmente apoiadas nas ripas e soltas umas sobre as outras. Às vezes, havia também alguma abertura no telhado, guarnecida de caixilho, o qual permitia a entrada de luz naquele ambiente.

Dependendo do seu tamanho, o sótão abrigava mais um ou dois dormitórios, destinados aos meninos e aos hóspedes. Podia aumentar de tamanho através de uma água-furtada. Quando somente esta compunha o sótão, o telhado tornava-se bastante inclinado, para acrescentar mais área útil.

Na frente de casa, junto ao acesso principal, existia um pátio, de terra batida, que variava bastante de tamanho. Ali cereais eram expostos para secar; milhos, debulhados. Depois, durante dias, as galinhas ficavam ciscando os restolhos. Nas ocasiões especiais, ocorriam no pátio atividades sociais.

A cozinha

Próxima à residência, em alguns casos ligada por uma pequena cobertura, situava-se a cozinha, que servia de estar, lugar de convívio antes e depois de refeições.

Parece incorreta a interpretação de que era necessário separar a área de dormir da cozinha devido ao perigo de incêndio; porém, é certo que isso aconteceu.

A experiência com fogões e cozinhas certamente não faltava aos imigrantes europeus. É possível que a justificativa se encontre na abundância de espaço e materiais existentes na propriedade brasileira, sendo possível isolar os incômodos das fumaças, das cinzas, do picumã e dos odores. Essa hipótese tende a ser comprovada depois de ser observada a evolução dos fogões e do modo de cozinhar; quando não havia mais esses desconfortos, a cozinha passou a ser incorporada ao corpo da casa, como no caso de seus antepassados europeus.

Mesmo que o clima do planalto gaúcho não apresente as baixas temperaturas do norte da Itália, não parece confortável sair do calor da cozinha aquecida para ir dormir num casarão de madeira nas noites frias de inverno. Mesma ausência de conforto térmico na constatação de que as lareiras para aquecimento doméstico são recentes nas casas dos ítalo-rio-grandenses.

Na cozinha ficava o fogolare, que, conforme a região de origem da península, também podia ser chamado de fogolar ou fogoler, ou ainda de larin. Inicialmente, o fogão era uma caixa retangular em cujo interior era colocada areia, terra batida, com um leve declínio no meio, onde era feito o fogo.

Numa corrente, conhecida como cadena, presa em um dos barrotes, era suspensa uma panela, através de um gancho em forma de S; ali, usualmente, cozinhavam a polenta. Para assá-la, utilizavam-se de chapas apoiadas em tripés, que serviam para aquecer a água. Ao lado do fogo, colocavam bancos para as pessoas se aquecerem, os quais eram chamados de scami.

As louças eram limpas num lavador de madeira, inclinado no sentido longitudinal, que vazava água servida para a rua. Mais tarde, este foi revestido com folha-de-flandres. Depois, o secer, colocado no peitoril da janela, permitia ser operado pela área interna, dando vazamento direto para a área externa.

Na cozinha ficava uma grande mesa de refeições, com bancos ou cadeiras de palha; um armário, num dos cantos, formando um ângulo de 45 graus, stracanton; caixas para farinhas e lenhas e o moscorolo, espécie de caixa com paredes vazadas com pequenos furos ou telas, que impediam o acesso de insetos e ratos.

Originalmente, as cozinhas não possuíam coifas e chaminés, as fumaças saíam por frestas nos telhados ou janelas nas paredes laterais. Mais tarde, construíram plataformas de tijolos com uma chapa de ferro, sob a qual se fazia o fogo; eram providas de dispositivos que conduziam as fumaças para o exterior das edificações. Por fim, adotaram o fogão a lenha e a gás. As cozinhas aproximaram-se, então, da casa de dormir.

Raramente o forno foi construído junto à cozinha. Usualmente, constituía uma construção isolada. Desde o início, havia forneiros profissionais. Primeiramente, era construída uma base de madeira a aproximadamente meio metro do chão. Sobre essa base, colocavam outra, mas de barro ou tijolos, que recebia uma pequena abóbada dos mesmos materiais. A cúpula recebia uma pequena cobertura de duas águas, projetadas para a frente, com o objetivo de proteger aquele que estava trabalhando."

Fonte: GUTIERREZ, Ester. Arquitetura e assentamento ítalo-gaúchos 1875-1914. Passo Fundo/RS: UPF, 2000, pág. 47-53






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