segunda-feira, 29 de junho de 2015

A Aglomeração Urbana do Sul


Trecho extraído de: SOARES, Paulo Roberto Rodrigues; HALAL, Guilherme Afonso; GODOY, Daniel.Novos recortes territoriais e aglomerações urbanas no sul do Brasil. In: Scripta Nova - Revista Electrónica de Geografía e Ciencias Sociales. Barcelona, Universidade de Barcelona, vol. IX, número 194, 01 de agosto de 2005. 

Artigo disponível na íntegra:http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-194-111.htm





A territorialidade emergente: a Aglomeração Urbana do Sul


No final de 2002, o Projeto de Lei Complementar 271, aprovado na Assembléia Legislativa converteu a “Aglomeração Urbana de Pelotas-Capão do Leão” em Aglomeração Urbana do Sul (AUSUL), englobando os municípios de Pelotas, Capão do Leão, Rio Grande, São José do Norte e Arroio do Padre (Quadro 2). Entre os objetivos desta lei está a possibilidade do “planejamento integrado deste conjunto urbano, visando o fortalecimento do seu papel no desenvolvimento regional” (PLC 271/2002).
Quadro Nº2
Aglomeração Urbana do Sul:  dados gerais

Município
Área (Km²)
População (Hab)
Hab/Km²
PIB (U$)
IDH (2000)
População urbana (2000)
%
População rural
(2000)
%
Pelotas
1.648
323.158
196,10
827.265.663
0,816
301.081
93
22.077
7
Rio Grande
2.836
186.544
65,78
1.139.700.429
0,793
179.208
96
7.336
4
Capão do Leão
784
23.718
30,25
72.957.826
0,77
21.354
90
2.364
10
S. José do Norte
1.135
23.796
20,96
30.854.309
0,703
17.294
73
6.502
27
Arroio do Padre
130
4.145
31,88
4.505.883
-
102
2
4.043
98
TOTAL
6.533
561.361
85,93
2.075.284.110

519.039

42.322


Fontes: SNIU, IBGE, FEE, Atlas do IDH do Brasil. Elaboração própria.

As cidades de Pelotas e Rio Grande (os núcleos desta aglomeração) são os principais centros urbanos da Metade Sul do Rio Grande do Sul. Distantes 60 km uma da outra, apresentam uma história comum, na qual os períodos de desenvolvimento industrial, comercial e urbano, bem como os períodos de crise e estagnação são, em muitos casos, coincidentes. Ao longo dos séculos XIX e XX as duas cidades tiveram um desenvolvimento sócio-espacial peculiar. Nas primeiras décadas do século XX conformavam um importante pólo industrial, rivalizando com a capital, Porto Alegre. Posteriormente, o desenvolvimento das áreas de colonização alemã e italiana do norte do estado e sucessivas políticas federais e estaduais favoreceram o processo de concentração econômica no entorno da capital, que culminou com a institucionalização da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Recentemente, as duas cidades se inserem na problemática regional da chamada “Metade Sul do Rio Grande do Sul”. Contudo, a despeito de uma conjuntura de relativa “estagnação econômica” os dois centros urbanos continuam exercendo um importante papel de pólos econômicos e de atração de fluxos migratórios de centros urbanos menores e das zonas rurais do seu entorno. 

A AUSUL não se configura como uma típica área metropolitana, pois não existe contigüidade de ocupação da mancha urbana. Entretanto, ao congregar quase 600 mil habitantes, pode ser considerada uma forma espacial emergente, característica da atual fase de reestruturação sócio-espacial e econômica do capitalismo tardio, na qual se processa a “mudança da escala da urbanização”. Neste caso, podemos enquadrar a integração funcional e espacial das cidades de Pelotas e Rio Grande nos processos de “desconcentração”, “reestruturação espacial”, “dispersão urbana” e de “difusão da urbanização”, estudados por diversos autores.


Aglomeração Urbana do Sul: uma estrutura bipolar


Nos diversos estudos realizados pelo IBGE sobre a hierarquia urbana brasileira as cidades de Rio Grande e Pelotas foram consideradas os centros regionais mais importantes da Meso-região da Metade Sul do Rio Grande do Sul. Por sua proximidade, estas cidades são analisadas como centro regional único, caracterizado pela “complementariedade de funções”.  Entretanto, a definição da Aglomeração Urbana de Pelotas-Rio Grande foi problemática, pela inexistência de continuidade da mancha urbana que caracterizaria um processo de conurbação. Por este motivo, o estudo que subsidiou a primeira lei de aglomerações urbanas do estado, incluiu apenas Pelotas e Capão do Leão na aglomeração (1992). Por outro lado, as dimensões populacionais e a semelhança funcional das duas cidades, pouco contribuíram para a definição de um “núcleo polarizador e articulador” do conjunto urbano, dificultando sua definição.

A Aglomeração Urbana Pelotas-Rio Grande, a Aglomeração Urbana do Sul, é um conjunto urbano de características especiais, formado por dois núcleos polarizadores: Pelotas (338 mil habitantes) e Rio Grande (193 mil habitantes), com fortes ligações históricas. Nas últimas décadas as duas cidades suportam um contínuo processo de perda de dinamismo industrial que amplia a distância com os centros mais dinâmicos da economia do estado (a RMPA, Caxias do Sul e o entorno metropolitano).

Por caracterizar este processo incompleto de concentração, este conjunto urbano carece de uma delimitação definitiva. A aglomeração, formada por Pelotas, Rio Grande e um conjunto de pequenos centros urbanos vinculados a estas duas cidades, concentra quase 600 mil habitantes, com uma densidade demográfica próxima aos 100 hab/km2. As taxas de crescimento populacional são comparativamente mais baixas que as de outras concentrações urbanas do estado (1,58% e 1,00% a.a, nos períodos 1980/91 e 1991/96), o que não impede a continuidade dos processos de reestruturação intra e interurbanos.

Este conjunto espacial foi anteriormente classificado como “uma concentração urbana sem espaço urbanizado contínuo, onde a integração se realiza pela complementariedade de funções” (DAVIDOVICH eLIMA, 1975 apud Secretaria de Planejamento Territorial e Obras,1992). Por esta razão, o estudo “Aglomerações Urbanas no Rio Grande do Sul” realizado em 1992, concluiu que a inclusão de Rio Grande na “Aglomeração Urbana Pelotas-Capão do Leão” não atenderia aos “critérios físicos-territoriais” de definição da aglomeração (1992:37). Já na “Síntese da morfologia da rede urbana” do recente estudo do IPEA, IBGE e Unicamp esta aglomeração foi caracterizada por “configurar una aglomeração urbana que envolve, em uma mancha contígua de ocupação, as cidades de Pelotas, Rio Grande e Capão do Leão” (1999:174).

Reconhecendo estas polêmicas, o Projeto de Lei Estadual do 2002 incluiu os municípios de Pelotas, Rio Grande, Capão do Leão, São José do Norte e Arroio do Padre no conjunto urbano denominado “Aglomeração Urbana do Sul”.      

A cidade de Pelotas, pólo comercial e de serviços da aglomeração, possui mais de 338 mil habitantes segundo as últimas estimativas do IBGE (2004). Exerce forte centralidade em todo o sul do estado, além de ainda manter um importante setor industrial agroalimentar (beneficiamento de arroz, frigoríficos, conservas). Rio Grande é a mais importante cidade portuária do estado e importante pólo industrial (petroquímica, fertilizantes, pescado). A aglomeração participa com 4,7% do valor adicionado do estado, sendo que quase toda esta participação provém dos municípios de Rio Grande e Pelotas. O parque industrial da região também está fortemente concentrado nos dois centros, embora nos últimos anos tenha se verificado um acelerado processo de desindustrialização. Estes municípios concentram igualmente importantes unidades universitárias, o que reforça ainda mais a polarização no eixo da aglomeração.

A cidade de Pelotas apresenta algumas peculiaridades em sua rede urbana, que polariza uma vintena de cidades do extremo-sul do Rio Grande do Sul com uma hierarquia verticalizada, com poucos centros intermediários. Apesar da perda de dinamismo econômico procedente das indústrias vinculadas ao setor agroindustrial, a cidade sustenta suas taxas de crescimento ancoradas nos setores comercial e de serviços.

Nos últimos anos Rio Grande tem apresentando os melhores indicadores em termos de crescimento econômico consolidando-se como o maior produto interior bruto da aglomeração (Quadros 3 e 4). O PIB do município, o sétimo do estado, ultrapassa os 2,5 bilhões de reais, contra os 1,8 bilhões de Pelotas (o 9º do estado). Esta situação ocorre pela dinamização das atividades portuárias do “Superporto” de Rio Grande (o terceiro do país), um dos principais nós de exportação e importação do Mercosul.  

Os demais núcleos apresentam funções de comércio e serviços locais. No caso de Capão do Leão, a maior parte de sua área urbana está constituída por bairros surgidos do parcelamento do solo periférico à cidade de Pelotas,  configurando autênticos “bairros-dormitórios” da cidade. Processo semelhante verifica-se nas relações de Rio Grande com São José do Norte, com forte dependência deste último com relação ao primeiro. Arroio do Padre foi incluído na aglomeração por sua inserção territorial no município de Pelotas, do qual recentemente emancipou-se, e apresenta características de “vila rural”, com somente 102 habitantes urbanos segundo o IBGE (CENSO 2000).

A análise dos quadros 3 e 4 confirma a estrutura bipolar da aglomeração, sua principal característica e traço diferencial com relação às outras aglomerações do estado (RMPA e AUNE).        

Quadro Nº3
Aglomeração Urbana do Sul: estrutura econômica dos municípios

MUNICÍPIOS
Estrutura do VAB* (%)
Participação no Estado (%)
Agricultura
Indústria
Comércio
Serviços
Agricultura
Indústria
Comércio
Serviços
 Arroio do Padre
49,81
0,58
49,61
0,05
0,00
0,02
 Capão do Leão
16,12
41,47
42,41
0,20
0,19
0,18
 Pelotas
5,49
26,95
67,56
0,61
1,09
2,52
 Rio Grande
2,45
63,41
34,14
0,38
3,61
1,80
 São José do Norte
25,19
5,55
69,26
0,18
0,01
0,17

*Valor Adicionado Básico. Fonte: FEE, 2004. Elaboração Própria.


Quadro Nº4
Aglomeração Urbana do Sul: PIB e renda per capita

Município
Produto Interno Bruto (R$)
PIB Per Capita
(R$ em 2003)
1996
1998
2000
2003
Rio grande
999.378.003
1.031.784.926
1.108.876.691
2.530.346.059
13.379
Pelotas
960.498.921
957.837.083
876.757.317
1.788.111.211
5.467
Capão do Leão
80.888.021
71.722.710
70.224.802
203.290.350
8.223
S. José do Norte
30.100.023
30.802.797
30.777.765
114.433.273
4.615
Arroio do Padre
---
---
---
15.258.564
5.835
TOTAL
2.070.864.968
2.092.147.516
2.086.636.575
4.651.439.457
7.504

Fonte: FEE, 2004. Elaboração Própria.


Neste sentido, esta característica de “aglomeração bipolar” pode apresentar duas leituras distintas: de um lado a de que esta estrutura reflete a territorialidade difusa da aglomeração, inserindo-a nas novas tendências da metropolização, características de um território adaptado à fase de acumulação flexível do capital, conforme propõem Dematteis (1999) e Ascher (1995, 2000). De outro, a bipolaridade revela a fragilidade do processo de integração e a divisão de funções entre Pelotas e Rio Grande, que leva até mesmo à “competição” entre as duas cidades em termos de “primazia urbana” do Sul do Rio Grande do Sul. Por esta leitura, a bipolaridade constatada revela tanto a debilidade dos sistemas locais de produção, como a ausência de um projeto de desenvolvimento regional comum, aumentando a distância com relação a aglomeração urbana polarizada por Caxias do Sul, bem como as demais aglomerações do sistema urbano da Região Sul do Brasil. 

Esta situação coloca uma série de desafios para a gestão, o planejamento e o desenvolvimento deste conjunto urbano os quais pontuaremos à continuação. 
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