quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

O Saara do Rio de Janeiro

 


O Mercado das Arábias

Ao contrário do seu homônimo africano, a SAARA carioca tem um alto índice de densidade demográfica. Pelo menos entre as oito e meia da manhã e as seis e meia da tarde, quando suas quase 500 lojas expõem uma grande variedade de mercadorias, que vão do alfinete à moderna televisão a cores. São oito ruas do centro da cidade que formam a SAARA (Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega), um centro comercial natural, com suas casas de sobrado do início do século, onde o espaço é inteiramente aproveitado. Lá, comerciantes de origem árabe e judaica utilizam uma técnica de venda que parece ter parado no tempo, mas que arrecada cerca de 1,5% da renda do Estado.

O Atraso que Vende

Baldes e regadores de plástico, meias e carretéis amontoados em bancas onde os preços são escritos a mão em pedaços de papelão, bonecas e carrinhos pendurados no teto dificultam a passagem. No fundo da loja, sentado atrás da velha caixa registradora, está Arnaldo Cherzmann, o presidente da SAARA. Ele não pára de trabalhar enquanto conversa.

- Os técnicos em marketing dizem que é um absurdo esta circulação difícil e que estamos atrasados 30 anos em relação ao moderno comércio de vendas. Apesar disso, atingimos aqui índices de venda superiores aos de qualquer bairro. Mas se nossa técnica de venda é antiga, no que diz respeito ao tratamento, é atualizada quanto ao atendimento. Os donos da loja estão sempre presentes e 90% deles fazem de tudo. Acho que este é o melhor sistema.

No Preço, A Venda

Mas o grande fator de sucesso são os preços realmente mais baixos. Esta redução, que varia de 25% a 30% em relação ao comércio varejista de bairro, é explicada por ser zona tradicionalmente atacadista. São os fornecedores das lojinhas e bazares suburbanos, comprando diretamente das fábricas por preços menores. Muitos são donos de suas próprias confecções.

Ruas de pedestre, elas têm um charme especial e são frequentadas por todos os tipos de compradores vindos tanto dos subúrbios quanto dos bairros da Zona Sul. Procuram macacões tipo Lee à venda nas importadoras, lençóis "a preço da fábrica", essências para perfumes, bijuterias, brinquedos e principalmente roupas. Essencial é saber procurar, pois aqui há camisas desde 10 cruzeiros até 100 cruzeiros, meias de um cruzeiro a dez cruzeiros, dependendo da qualidade.

Além do comércio mais à vista, onde multidões se espremem em torno de bancas que oferecem saldos, vale a pena enfrentar as escadas velhas e íngremes que levam a um sem-número de portinhas onde se compram camisetas de malhas na onda por quase metade do preço que é cobrado nas boutiques, e inúmeros outros artigos.

Higiene e Beleza

Surpreendentemente limpas, as ruas têm um corpo de garis e um policiamento próprio de 40 policiais, a maioria à paisana, que circulam por ali. Sua presença é importante principalmente nas épocas de maior volume de venda como o Natal, o Dia das Crianças (todas as professoras da Guanabara compram lá), e Carnaval (é o único comércio que fornece artigos como confete e serpentina a clubes e barracas de rua). Auxiliado pela Delegacia de Vigilância, do 4o. Distrito, e pela Polícia Militar, que mantém uma patrula rondando a área a noite inteira, a SAARA procura agora se livrar da mendicância que ameaça invadir a zona.

- Não há um esvaziamento do Centro - diz Jorge Helal - o que mudou foram os costumes. Hoje todo mundo tem carro, e pretendemos conseguir da Fundação de Terminais Rodoviários que transforme as áreas rotativas, ao preço de dois cruzeiros o período. Mas apesar desta dificuldade, fiz uma pesquisa no comércio dos bairros e subúrbios e vi que quem compra perto de casa o faz por comodidade, mas a maioria das donas-de-casa suburbanas vêm aqui pelo menos uma vez por mês. O centro da cidade está vivo. Só precisa de condições mais favoráveis. Sem eliminar as características básicas, pretendemos introduzir melhoramentos, como uma decoração uniforme, melhor divulgação e recepcionistas.

Não é fácil se orientar dentro deste enorme centro comercial. As lojas são bastante parecidas, as ruas fervilham de gente, os nomes nos letreiros não são fáceis de gravar - na maioria sobrenomes árabes e israelitas. No final da Rua da Alfândega está o restaurante Du Nil, que existe desde 1913. Seu proprietário foi um dos pioneiros a se estabelecer ali, e até hoje, aos 94 anos de idade, chega pontualmente às quatro horas da manhã para cuidar da coalhada tradicional (preparada no mesmo recipiente há 60 anos, sem nunca ter sido lavado), e outros pratos típicos, que constam do cardápio escrito em árabe e em português. É ali que se reúnem na hora do almoço os principais comerciantes, alguns políticos conhecidos, e durante muito tempo um grande número de funcionários do Itamarati. Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda, Eurico Dutra, os irmãos Aranha e muitos outros já provaram as especialidades do Du Nil.

- Quando cheguei ao Rio, em 1888, a cidade era uma aldeia. Casas baixas, modestas. Isto aqui era uma zona residencial onde havia muitos malandros, mas malandros limpos, não havia assaltos - diz Jorge Yunis, o dono do Du Nil, enrolando seu cigarro de palha. - Mas depois da Guerra de 14 começaram a chegar os estranhos e aí a população começou a abrir os olhos.

Hoje, Yunis não sabe mais o nome de seus fregueses, mas ainda se lembra dos pioneiros. "Já morreram todos. O único que ficou plantado na terra fui eu". Lúcido, é o responsável pela caixa, sem errar um troco, enquanto o filho e o neto servem as mesas. Yunis nunca tirou férias, e nunca faltou um dia ao trabalho.

Com a construção da Cidade Nova e do no Centro Admisnistrativo da Guanabara a zona ganhará muito e os comerciantes estão muito esperançosos.

- Os 7 mil apartamentos que o BNH vai construir perto daqui farão com que a SAARA funcione também como comércio de bairro - diz Arnaldo Cherzmann.

Fonte: JORNAL DO BRASIL (Rio de Janeiro/RJ), Revista de Domingo, 17 de Setembro de 1972, pág. 03

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