domingo, 12 de agosto de 2018

Os primeiros saladeros na região platina


"Portanto, desde os primeiros anos de funcionamento dos saladeros no Rio da Prata, os ingleses e irlandeses estiveram presentes tanto entre os experts do setor produtivo, quanto nos setores mais subalternos das fábricas. E, igualmente, desde os anos 1780, os saladeros exportaram quantidades significativas de carnes em barris. Em 1781, Manuel Melian, um dos primeiros empresários a instalar-se no Prata, remeteu para Cadiz cerca de 136 barris em dois navios. Em 1785, o catalão Juan Ros remeteu 202 barris do produto para Cuba.

Outros seguiram o mesmo exemplo e Montevidéu continuou atraindo comerciantes e investidores nos anos 1780. Da primeira geração de saladeiristas orientais destacaram-se o mencionado Francisco de Medina e também Francisco Maciel. O primeiro deles teria fundado seu estabelecimento em 1780, mantendo uma produção anual de 8 mil quintais de carne salgada (cerca de 360 toneladas). Quando faleceu, Medina possuía um grande patrimônio, onde se destacavam uma estância com 25 mil cabeças de gado e 6 embarcações empregadas tanto no carregamento de sal, quanto na exportação de carnes e couros para a Europa. Em 1788, Maciel (que era assentista de víveres da Real Armada em Montevidéu), estabeleceu uma fábrica de carnes salgadas, tasajo e sebo, tornando-se um dos mais ricos saladeiristas da região. O sucesso de ambos motivou o estabelecimento de outros empresários. Juan Camilo Trápani, Juan Balvín y Vallejo e Don Miguel Ryan tiveram matadouro em Arroio Seco. Manuel Solsona e Luiz Antonio Gutierrez também se estabeleceram nesta década. Em 1790, Nicolás Lacort instalou-se nas imediações de Montevidéu. Em 1791, foi a vez de Esteban Durán e Fernando Martínez; em 1793, Juan Ignacio Martínez, cujo mestre de salga era Tadeo González; em 1797, em La Estanzuela, o de Juan Jose Seco; em 1798, o de Salvador Tort, na Ponta das Carretas, entre outros. Em 1801 havia cerca de 30 saladeros na parte oriental do Rio da Prata, abatendo anualmente 120 mil reses e empregando mais de 1.000 homens - livres e escravos - em sua fábricas.

Contudo, ao contrário de Montevidéu, a região de Buenos Aires teve seus primeiros saladeros somente a partir da década de 1810. Uma das explicações para este investimento tardio pode ser dada pelo fato de que os comerciantes portenhos lucravam muito com as exportações de couro e prata, os desviando de um maior interesse em investir seus capitais em fábricas de carne salgada. A independência do Vice-Reinado do Rio da Prata e a consequente ruptura das rotas mercantis terrestres com os territórios que viriam a ser a Bolívia e o Peru, cessaram o fluxo de metais para a região, possibilitando o crescimento das inversões na pecuária e nas fábricas de carne. Além disso, o Movimento de maio de 1810 e a Junta Governativa que lhe sucedeu favoreceram a indústria com uma série de medidas. Um grupo de comerciantes e estancieiros que acompanhou o processo de Independência logrou franquias mercantis e tornou-se líder nos negócios com a carne buenairense. Entre eles estava Juan Manuel de Rosas, que viria a ser governador da Província de Buenos Aires. Conforme Horacio Giberti, Rosas não encontrou dificuldades para reunir outros sócios capitalistas e formar a Rosas, Terrero y Cia., cujo primeiro saladero começou a funcionar em 1815. A influência que exercia em setores governamentais estratégicos e seus laços de parentesco o favoreceram bastante neste ramo de atividades.

Além de Rosas e Dorrego, entre os primeiros saladeiristas instalados naquelas terras estavam os ingleses R.Staples e J. Mac Neil, que ergueram sua fábrica no ano de 1812. Investindo um grande montante de capital, eles possuíam 60 trabalhadores assalariados, sendo 8 toneleros, 2 carpinteiros e 4 peões trazidos especialmente da Europa. Quase que instantaneamente ao advento da fábrica, muitos outros montaram seus saladeros na região, chegando a 14 estabelecimentos estreitamente vinculados à firma de Rosas, que liderava os empreendimentos regionais. Anos depois, seu número aumentou. Segundo Montoya, entre 1822 e 1825, existiam 20 saladeros ao redor de Buenos Aires. Somados aos saladeiristas de Montevidéu, percebe-se que além dos hispano-platinos, que formavam a maioria, alguns deles vinham da Espanha e que outra parte significativa era formada por indivíduos com sobrenomes ingleses e franceses. Anibal Pintos faz referência a vários deles: Stanley Black & Cia, Tomas Tomkinson, Henrique Jones, Pablo Duplessis, Buther & Martin, Juan Jackson, Hipólito Doinnel, Juan Hall e o Sr. Young, entre outros. Isto revela que quanto não vinham para trabalhar como mestres, tanoeiros ou assalariados, os imigrantes europeus arriscavam-se a montar uma fábrica nas margens do Prata, com capitais parcialmente reunidos no exterior."

Fonte: VARGAS, Jonas Moreia. "Os segredos da carne": o mercado atlântico das carnes secas e salgadas e a influência da matriz irlandesa de fabricação no extremo sul da América Latina (c. 1780 - c. 1820). In: Anos 90, Porto Alegre, v.24, n. 45, jul. 2017, p. 167-169.
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