domingo, 24 de julho de 2022

Barão de Tautphoeus

 



Falleceu hontem ás 11 horas da manhã o venerando barão de Tautphoeus.

Natural da Baviera, de família ennobrecida desde o seculo XVI, lá educou-se, frequentou as universidades, teve o numero de duellos regulamentares. Tomou parte na guerra da independencia da Grecia, e uma vez escapou de ser fuzilado. Entrou depois para a vida diplomatica, e residiu algum tempo em Londres e Pariz. N'esta ultima cidade teve entrada nas melhores rodas litterarias, e ligou-se intimamente com Alexandre Dumas, e com Armand Bertin, o illustre redactor do Journal des Debats, tão precocemente fallecido.

Em principio da era de quarenta, veiu para o Brasil, de onde nunca mais sahiu. Motivos serios deviam tel-o movido a dar este passo, porque, logo que chegou, sujeitou-se ao então muito demorado e dispendioso processo de naturalisação, como para mostrar que nada mais o prendia ao velho mundo.

Desde então até o dia de sua morte póde resumir-se a sua existencia em duas palavras: estudou e ensinou.

Foi professor particular, foi director de um collegio que por longos annos gozou do melhor conceito, ha uns 15 annos fixara-se no externato de Pedro II, como professor de allemão. Ultimamente, por não haver quem leccionasse grego, era o professor d'esta lingua, que conhecia profundamente.

De todos os seus esforços, o resultado positivo foi sahir mais pobre que começara. E, cousa interessante, aqui, onde tudo é possivel para os felizes, para elle nada souberam fazer. Teve de sujeitar-se a concurso, como qualquer estreante, passada a idade de sessenta annos. Os nossos governos, que tantas honras distribuiram a tanta gente, nunca o fizeram sequer commendador. E não havia sequer o pretexto de qualquer desvio em sua conducta: era o typo da honestidade, e só produzia um sentimento a quem o conversava: o da veneração.

Nem elle mesmo poderia dizer quantos discipulos contou nos dez lustros que sacrificou ao ensino. N'este largo prazo, póde dizer-se, ninguem estudou no Rio de Janeiro, que directa ou indirectamente não fosse seu discipulo.

O tempo que roubava ao ensino, dedicava inteiro ao estudo.

Os seus conhecimentos eram verdadeiramente extraordinarios. Historia, ainda não houve aqui quem soubesse tanto como elle. E sabia-se nos processos preparatorios da sciencia, na multiplicidade das minucias, e na largueza das grandes generalisações. Ainda era moço quando appareceram os primeiros volumes da obra genial de C. Ritter, e desde então entregou-se a geographia com verdadeiro enthusiasmo. Dominava completamente uma porção de litteraturas. Mas o que sobretudo conhecia, e que considerava como sua especialidade, era a economia politica.

Era preciso conhecer-se o barão de Tautphoeus, para ter idéa de quanto um cerebro humano póde conter.

E os factos achavam-se digeridos, separados, classificados de tal modo, que a sua critica ainda mais admiravel era que sua illustração.

Não deixou livro. A quem lhe fazia d'isto reparo, respondia: - Não pude combinar o auctor com o professor. Considerem os annos que ensinei como os livros que compuz.

Embora nada devesse a D. Pedro II, era muito amigo do Imperador. Os ultimos acontecimentos causaram-lhe dolorosa impressão. Se bem estamos lembrados, foi depois d'elles que teve a primeira doença. A segunda levou-o em muito poucos dias, como para conservar-lhe até o fim a feição de rijo e indefesso trabalhador que sempre foi.

O enterro sahe da rua D. Bibiana n. 22 A, para o cemiterio de S. Francisco Xavier.

Fonte: GAZETA DE NOTICIAS (Rio de Janeiro/RJ), 28 de Fevereiro de 1890, pág. 01, col. 02

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